Hai-kai, Mario Quintana

"Rosa suntuosa e simples,
como podes estar tão vestida
e ao mesmo tempo inteiramente nua?"

segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

V

Você mexeu no meu cabelo e elogiou a franja nova
E, quando enlaçou minha cintura e puxou para perto,
Eu não resisti ao impulso de cheirar seu pescoço

Como um animal cheira os outros da sua matilha
E se sente em casa.

Disse mais tarde que os poetas sentem tudo intensamente
E eu pude apenas concordar, sorrindo em silêncio.
Bem sei a intensidade dessas ondas que me assolam.

Fico calma em dias de sol que começam com traquinagens na cama,
Fico calma como uma onda que se retrai...
E explode na praia, em saudade.

Dezembro é um mês difícil. Domingos são dias fáceis.
Preciso de mais domingos no meu dezembro,
Para ser também fácil.

Domingos com o cheiro do seu pescoço
E o peso morno do seu braço no meu quadril,
Enquanto dorme calma a minha tempestade.

quarta-feira, 27 de novembro de 2013

zão fachisco

Eu demorei para entender que você não era o meu duplo.
Mas um pedaço de mim, não há quem me convença de que não.
É para você quem corro quando faço merda,

É a sua palavra que eu busco na tristeza
E são nossas risadas as mais completas.
Somos mais do que amigos: crescemos cúmplices.

Crescemos e você virou um super-cara,
O super-amigo das suas histórias, lembra?
Meu colo ainda e sempre estará disponível

E nossas rixas fazem parte,
Assim como as histórias de traquinagens no passado
E de companheirismo no presente.

A cada ano que passa você é mais meu companheiro.
Antes cúmplice de travessuras,
Hoje cúmplice de sonhos.

A cada ano que passa você é mais você,
Mais próprio e senhor do seu nariz.
De quem eu tenho muito orgulho de olhar no olho

E caminhar de mãos dadas.

sexta-feira, 15 de novembro de 2013

Primavera

O exercício de calar e temer deixa um gosto acre
Como flores mortas enfiadas boca adentro.
É a covardia que nos mata pouco a pouco.

Quando nem irmãos nem amigos se levantam e nos defendem,
Quando nossos pais e nossa polícia nos batem para que sentemos,
As flores mortas se putrefazem, espalhando chorume em nosso sangue.

Temos medo de que o mal respingue em nós
Temos medo de que nem quisessem nossa bravata, para começo de conversa.
Temos medo e calamos. Tememos.

Nessas horas em que nós fechamos o ciclo,
Em que aprendemos o nosso lugar e engolimos o bolo da garganta,
Alguém está sendo morta, pouco a pouco. Aprendendo seu lugar.

Podemos vomitar o medo, ver a morte nos olhos.
A morte é inevitável, a covardia não.

Arrancar o buquê podre do peito é o primeiro passo
Para a tão sonhada primavera.
Que só se faz de sementes

De flores vivas e valentia.

domingo, 10 de novembro de 2013

querer

Sonhei que esperava um filho nosso.
Ele crescia e se mexia dentro de mim,
Feito de luz.

Esse filho não era uma criança propriamente dita.
Não seria um bebê em meus braços
De quem veríamos crescer os dentes de leite.

Sonhei que gerava um futuro nosso,
De luz.
Ele era calmo, morno

E não te dava medo.
É preciso haver presente para haver futuro
E eu queria que você quisesse ter coragem

E que a luz não escorresse, no sonho,
Pelas minhas pernas.

Um futuro abortado de medo.

quarta-feira, 30 de outubro de 2013

IV

Mesmo ateia sempre dirigi perguntas ao céu.
Algumas meninas destroçavam flores
(bem em quer, mal me quer),
Eu, que lia poemas, fui convencida
A despetalar estrelas.

São azuis, brancas e vermelhas
No céu cheio de luzes da cidade.
São cúmplices perfeitas por serem inanimadas.

Meu amor, sinto sua falta
Em suas longas navegações.
Não sou marinheira, andarilha,
E sinto sua falta em meus caminhos.

Gosto do seu ser, livre e intenso.
Tenho também minhas formas de liberdade,
Meus silêncios e labirintos

Onde ecoam muitas vozes e seus sorrisos.

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Ano luz

Os cometas descrevem longas órbitas pelas galáxias.
Errantes, gelados, deixam para trás um rastro de luz
E saudade.

Como se pode amar as estrelas?

Ficar velho esperando seu retorno?
Amando algo que já morreu e ainda brilha?
As estrelas são gás, os cometas são pedra

E a saudade sentida é física.
O mundo fere em ausência,
Seguindo a dança das estações.

Contar estrelas cadentes e esperar o rastro longo.
Como amar as estrelas?
Que brilham ao longe, mortas e frias.

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

frio

Gostaria que o sol de primavera
Me seguisse com um facho
Invadindo os buracos de treliça que fez a saudade

Como dança no pátio ao longo da tarde.
Mas há trepadeiras de hera
Que me cobrem, úmida,

De olhos curiosos e raios de sol.
Sinto frio ao longo do dia,
Como o Cel. Aureliano Buendía também sentiu

Ao cansar-se da guerra.
Canso-me jovem de viver em guerra
E em civilidade. É a dupla identidade que fastia

E quero dormir o dia todo,
Enrolada em mantas,
Já que não me aquece o sol.

terça-feira, 8 de outubro de 2013

O café solúvel misturado no leite sem lactose
É para acordar do cochilo de saudade
Onde passeei em uma rua de pedras claras, árvores altas

E mãos dadas.

domingo, 29 de setembro de 2013

verde

Tenho um ciúme que é maior do que o meu estômago
E preciso trancar meu maxilar com força
Para que você possa ir embora sem nenhuma cena.

Logo depois, bebo qualquer coisa que afogue
Essa queimação e meu senso de ridículo,
Minha imensa vontade de chorar por achar que,

Talvez, só talvez, as coisas sejam maiores do que eu aguento.
Sou uma bêbada ridícula. As portas de todos os meus infernos
Se destrancam com esse monstro bêbado do ciúme

E todos os colos são quentes, são macios
E não são o seu. (consegui não fazer nenhuma cena...
Na sua frente) Deito-me neles,

Beijo suas bocas, danço e rio alto
Porque, dentro de mim, o monstrinho dá uma festa
E come as paredes do meu estômago.

sábado, 28 de setembro de 2013

Equinócio

Há um ser crescendo dentro de mim
Como uma gravidez indesejada de pai desconhecido.

Eu, de fato, não sei
O que gerou esse vazio tão frio
Que esgota minhas energias
E sufoca meu riso.

É primavera e o ar gelado de um setembro atípico
Contamina meus órgãos internos
Não sei o porquê.

Não sei o que mantém o ar invernal
Dentro e fora de mim.

sábado, 21 de setembro de 2013

Ultra leve

Sob o sol se abrem minhas asas
De saíra de sete cores.

Sou pássaro exótico,
Filha dos trópicos,
Feita de som e de cor.

Sou amante e amiga do filho do vento
Que sopra minhas penas
Para o alto e para perto
Do peito que é seu.

Amanhã chega a primavera
E o ar tem cheiro de maresia e calor.
Fica para trás o tempo frio
E também aquela tempestade.

Virão outras. Chuvas torrenciais de verão
Para regar a terra
E o meu coração.

quinta-feira, 12 de setembro de 2013

Carrego a memória ingrata de você
Se agitando gelada nos meus vazios.

Ela não cicatriza, apenas perde força
Como uma bala de R-15 dentro de um caveirão.

Eu odeio o fato de termos tanto e tantos em comum
Odeio que fotos suas fiquem brotando de repente
Odeio que tudo tenha sido real.

(embora a fila das pessoas que acham que não seja enorme)

E tudo isso me fere.
De novo
E de novo

E mais uma vez.

domingo, 25 de agosto de 2013

sentir

Já conheço de cor os traços do seu rosto,
Mas as pontas de meus dedos precisam lembrar-se
De novo e de novo. Leio seus segredos em braile.

A mão é mais próxima ao peito do que os olhos.
O toque acalma, faz lembrar que é tudo sólido, tudo real.

O corpo tem memórias e a memória tem tato.

Fim de tarde na Lagoa, grama suja sob a canga,
Luz laranja. Tudo sólido, tudo real.

sábado, 10 de agosto de 2013

aos meus amigos

Enterrem o meu coração junto aos seus
Na curva daquele rio largo que corta o horizonte.
Deles nascerão árvores e música.
Nossos sonhos adubarão essa terra.

Me enterrem com aqueles que escolhi como irmãos,
Soem os tambores quando eu me for.
Dancem, sigam a batalha.

Que meu coração sirva de adubo
Para o que chamaremos de revolução.

Revolver

Me ensinaram a temer a polícia.
Seus coturnos, suas fardas e armas.
Me ensinaram a ser sempre bandida,

A prender o fôlego diante de viaturas
E a só dizer "sim senhor" com desprezo.
A polícia me ensinou a odiá-la,

Me ensinou o que é medo, o que é poder.
E quero destruí-la, de cima a baixo,
Arrancar suas insígnias, vandalizar seus capitães do mato.

Já não aguento ser serva, escrava, calada.
Quero bater meus tambores
E que comece a guerra.

do amor

Marulha nas pedras a água clara
E eu só queria te dizer
Que te amei pra sempre,
Enquanto o pra sempre durar.

Acho que nunca estive tão feliz
(e é o que acham os amantes)
Nem tão certa de nós e nossas escolhas.
Enquanto durar o pra sempre,

Serei sempre contente, sempre fiel.
Justa, na medida do amor.
Minha, na medida da luta.
Nós, na medida do eterno.

I

À noite, as montanhas passeiam pela orla como velhas tartarugas de lendas. Eu as vejo e penso nos contos de Sherazade. Não são minhas amigas, as montanhas, nem tampouco me querem mal. São répteis antigos, a quem minha vida é tão distante quanto as estrelas...
Eu não sei se era melhor nos tempos em que era amor e era poesia, em que a poesia era a linguagem rude do amor, irmã feia da música. Mas que era mais fácil viver o amar e simples o sentir poético e musical, isso era. Talvez o problema seja o medo de se expor, o medo do ridículo. Agora penso em Drummond e Huxley. Penso que ridículos foram aqueles que nunca se expuseram e ridículos são aqueles que não amam. Penso que sou o selvagem no admirável mundo novo, querendo as intensidades apaixonadas, as febres violentas e o amor completo, tuberculoso, em um mundo de sentidos esgarçados de êxtase do soma, do ecstasy.
Quero o sexo paciente e o sexo desesperado, o coito angustiado daqueles que esperaram muitos anos para se ver uma última vez. Quero a nudez dos corpos, o suor das peles e a sofreguidão intensa a ser apenas suprida com o beber da saliva.
A contemporaneidade é um fardo àqueles que cresceram com Shakespeare e Keats e sou como o selvagem de Huxley, ansiando por um lirismo que já não existe. Sou?
As montanhas não dão respostas, apenas seguem seu curso até que o amanhecer as torne em pedra e a erosão faça delas pó.

sexta-feira, 2 de agosto de 2013

das flores

Não pus na água a rosa branca que enfeitou meus cabelos,
Deixei-a apodrecer sem mumificação em cima da minha escrivaninha.

Mesmo murcha ainda é rosa querida,
Embora lembre de leve
Os pompons de tule das colombinas antigas,
Amarelados na foto em sépia

Rosa amiga, flor mulher,
Ensina-me sobre o tempo.

quarta-feira, 31 de julho de 2013

Há dias em que você se mexe na cama
E me aperta com força pela cintura,
Como se me pedisse para não ir mais embora.

E há dias em que você passa de mansinho
Sem dizer "oi" ou "tudo bem?",
Como se me pedisse para parar de aparecer.

E há semanas e semanas
Em que você some.
Vai para outros lados, longe do meu.


terça-feira, 30 de julho de 2013

da noite passada

Eu não sei exatamente o que foi embora,
Mas resta em meu peito um canto vazio.
Ando pelo mato orvalhado, ainda está escuro

E, com as mãos nuas, colho estrelas
Para que o sol não as queime.
Guardo-as no peito esburacado,

Já que há uma mágica que faz com que
Seja ele sem fundo. No meu peito cabem
Todas as estrelas do mundo,

Caberia (cabe? caberá?) todo o amor também
Mas aqui falo de estrelas e orvalho.
Ainda está escuro no mato

E eu sei que isso é um sonho,
Colho estrelas e algo me diz que elas são feitas de gás
Então sou mulher luz-balão.

As luzes me elevam e ainda há lama em meus pés.
Estrelas são feitas de gás
Hilariante?

Porque tenho vontade de rir.
Ou seria o vento noturno que faz dançar meu cabelo
E os vagalumes?

segunda-feira, 29 de julho de 2013

se fosse amor

A verdade é que sou uma mulher indesculpavelmente comum
Marinada em feminismo e aspirações de revolução.

A verdade é que não me sinto nem um pouco no direito
De sentir os ciúmes que sinto. Porque (é verdade, eu sei)

Também eu me enlaço com outras pessoas
E escapo entre suas mãos.

Mas o meu peito diz que com ela é diferente.
Ela é diferente ou você é diferente?

Você me quer por perto em algum grau,
Mas não perto demais, isso eu já aprendi

Só que dá um nó, uma coisa, um medo,
Quando penso que você quer outra, outras,

Qualquer uma. É esse o problema da mulher comum,
Ela tem o tempo todo medo de ser qualquer uma

Ou de não ser mais ninguém.
E a feminista aspirante a revolucionária tenta me acalmar

Botar algum juízo nessa cabeça. Aceite as regras
Ou saia do jogo que você também joga, ela diz.

E eu sento e medito.
Acho que seria mais fácil se fosse amor.

Porque hoje eu vou fazer um samba sobre o infinito

As contradições na minha cabeça me acordaram,
E me deram azia, cedo na manhã de segunda.
As minhas e as suas. Nossas não, porque desconheço

O que há de nosso nisso.
Tem também o ciúme, que me queima o estômago,
Que me põe doente. Eu odeio esse ciúme,

Eu odeio o que há de possessivo em mim.
Como não há nada nosso (e eu não esqueço
Que você disse que de mim nada queria),

As minhas coisas flutuam nesse espaço entre nós
(As suas flutuam também? Te torturam também?),
Não ditas. Tenho medo de dizê-las e fazer com que

Você vá embora. Tenho medo de acabar a festa,
O ano-novo, os fogos de artifício.
Mas as festas sempre acabam

Com as badaladas da meia-noite.

quinta-feira, 25 de julho de 2013

Hace días que me duelen los pechos,
Que, pequeños, caberian en sus manos
Si quisieras acariciarme.

El sueño que tuve
No hizo moverse el reloj

Mi pecho duele de luto.
Lo extraño.
Y también a ti.

terça-feira, 23 de julho de 2013

tem dias em que eu só queria
deitar na cama
olhar
o céu cinza
sentir o cheiro do seu pescoço
e você deslizando dentro de mim

tem dias em que, se pudesse,
eu deixaria passar com chocolate
e nudez

há sentimentos estranhos
que nos dão repulsa por tudo e desejo completo
ao mesmo tempo

eu não faço ideia do que você quer de mim

segunda-feira, 15 de julho de 2013

E a viagem nos mostra:

Quanto menos tentamos entendê-la,
Mais tempo ela é capaz de durar.

(e mais longe te leva...)

domingo, 14 de julho de 2013

é inverno
vento morno e sol amarelo

a tijuca se tinge de domingo
e o catavento roda

inverno no rio nunca é muito gelado
exceto quando o peito diz que sim

vento morno, sol amarelo
o catavento roda com preguiça

e o azul do céu não me dá respostas

sábado, 13 de julho de 2013

Sal grosso, para Bia

Mar aberto, joia azul

Manto mãe manto
De seus seios vêm os filhos
Contas brancas, joia azul

Colo quente, colo seu.
Contas brancas, colo.

Mar aberto bate,

Canta, azul, verde,
Espuma branca, seio, coral.

Mar aberto, casa.

pequeninos

Quando cai a noite e os prédio tudo se alumia,
O Centro não deixa de ser o Centro
E eu não deixo de ser Maria.

.

Vermelho, o vestido.
Amarela, a luz.
Vermelho, o cachecol.
Negro, o concreto.
Vermelhos, os lábios que ocultam dentes
e os que são desejo.

.

Passa o povo pelo Centro
E os tapumes colocados
São pra proteger a propriedade
Dos pobres irados.

.

O Centro fede de dia e de noite
E suas poças agridem meu nariz
Agridem também os sapatos distraídos
De quem quer que passe
Quer que passe
Que passe

Coração vagabundo

Você solta fogos de artifício
Até que acaba o ano novo.

terça-feira, 9 de julho de 2013

A tempestade

De repente, o mar fez-se retumbante
E de um tudo trespassou a corrente doce
Que era a fada de asas de albatroz.

E ela, que há pouco virara peixe
E cria ter deixado para trás o marinheiro,
Deu-se conta de que habitavam o mesmo mar.

E seu coração fez-se sombra.
Ainda o amava.
Debateu-se no tsunami para achar a frágil embarcação.

Usou todos os seus poderes para não ser ilha novamente
Pois imóvel em terra fértil jamais tocaria a canoa
Achou-o. Lutava contra ondas e ventos,

Salvaguardando-se de emborcar.
Ainda o amava.
Queria ser uma fada mais importante,

Daquelas que, com um sinsalabim, desfazem a tempestade
E protegem o ser querido.
Mas não o era. E a tempestade também era sua.

Contentou-se em ficar e lutar ao seu lado,
Protegendo como podia a canoa.
O que quer que isso quisesse dizer.

domingo, 23 de junho de 2013

Bestial

Pus uma máscara de tinta em meu rosto
Para disfarçar a tristeza e o cansaço.
Decidi pintar no rosto uma Pagu esfingética
Que devorará o decifrador.

Pus um brinco só na orelha esquerda.
A máscara triste do teatro.
Minha máscara de tinta esconde
O que a máscara brinco revela.

No peito levo a Rosa,
Meu signo e minha cruz.
Hoje sou mulher-espinho,
Pintada. Mulher-fera em silêncio.
Hoje fiquei na toca.

Mas, compelida por mim mesma,
Saio pro mundo.
Trajando máscaras de luto.

22 de maio de 13

Violentar

Meu lugar é na luta
E, nela, ouvi rosnado, de um encapuzado,
"Vagabunda". "Vadia".

E meu sangue de mulher-barata
Esfriou mais uma vez sua fervura.
Assim como faço nas calçadas,
Fiz na passeata, andei e ignorei.

Mas há um peso nos rosnados
Que machuca o que há por dentro
E mata, pouco a pouco.

Vi dez monstros em cima de um rapaz.
O que me foi possível foi sofrer e correr.
A paulada mata. Pouco a pouco.

Pouco a pouco cresce o bicho.

quinta-feira, 20 de junho de 2013

Fascio

O fascismo é duro com o amor.
Não é permitido amar nenhuma outra bandeira
Que não aquela verde e amarela.

Mesmo que o verde e o amarelo
Te lembre de índios mortos. Negros mortos.
Paraguaios mortos. Pobres mortos.
Mesmo que você não queira esse verde e amarelo.

Mesmo que o verde e o amarelo
Te lembre o primeiro de abril de 64
E Mussolini.

O fascismo é duro com o amor.
Ele machuca quem você ama
Arranca dos seus braços notícias e faixas.
Arranca dos seus braços a segurança.

O capital é duro com a vida.
Ele só permite que se diga o que o agrada.
E depreda tudo o que há de diferente.
Vandaliza a dignidade das pessoas.

Há pessoas que amo encurraladas
Em todo o mundo. Todos os dias.
E nesse momento.

Há pessoas trancadas em bares,
Em universidades, em casa,
Na prisão.

Por favor que 64 tenha ficado em 64.

Caos

A multidão corria
Ao som de bombas e iluminada por postes.
Alguém ergueu uma barricada
E eu me perguntei se eles nunca se deram ao trabalho
De ver Les Misérables.

É Hollywood, é fácil de achar
E mostra claramente que
Barricadas sem povo ou revolução
São devoradas por balas e pela história.

Na praça soube que dele ninguém sabia
E, com os tiros espocando ainda nos ouvidos,
Faltou ar para encher o buraco súbito no peito.

O amor prega dessas peças.
Quando achamos que a festa acabou
E ele partiu, ele nos dá um soco na cara.

Meu amor voltou com a violência
E a ineficácia de uma barricada em chamas
No fim do ato.

Nossa relação acabou,
A despeito da anarquia do meu coração.

sábado, 15 de junho de 2013

A poética das estrelas

Cai o muro no leste do Velho Mundo
E brilham estrelas sob o Cruzeiro do Sul.
A noite de sonho teve seu início
Enquanto, uma dezena de anos antes, começava o pesadelo neoliberal.

A estrela na bandeira vermelha tremulava nas manifestações
E nos capôs dos carros nos anos noventa.
Eu era criança. E sonhava com a  estrela da Terra do Nunca.

Os brilhos enfraqueceram nos olhos dos meus pais
E as estrelas seguiram nos carros do século XXI
Em menor número. Eu era adolescente.
Ainda pensava na Terra do Nunca. Longe de mim.

Veio a aurora de minha vida adulta,
O ocaso da estrela de Peter Pan,
E, vinte e três anos após cair o muro, eu era adulta.
E falava em sol.

Menos vermelho do que a estrela ao nascer,
Menos vermelho do que o muro que caiu.
Mas está nascendo e dele vemos apenas o halo.

Aguardo uma manhã quente de céu rajado.

domingo, 9 de junho de 2013

Invernal

I
Há tanto em meu peito que tudo o que eu precisava era de uma noite de solidão.

II
Há um buraco no meio de meu corpo que arde.
Há muito ele não era tocado por mãos ou corpos. Ou vigores.
Esqueci que ele poderia demorar tanto para se recompor.
E não doer.

III
Não é que eu esteja bem.
É que estou mal há tanto tempo
Que só sei responder, quando perguntada
"Tudo".

domingo, 12 de maio de 2013

Filiação

Me sentou no colo, olhou nos meus olhos
E disse que o tempo sabe o tempo que tem
Que a vida vem sem pressa
E que a infância vai numa virada de esquina.

Me sentou no colo, olhou nos meus olhos
E afastou a franja comprida,
Riu comigo da espinha no queixo
E disse que o tempo sabe o tempo que tem
Que a vida vem sem pressa
E que o amor acalenta a espera.

Deitou minha cabeça em seus joelhos
(eu já não mais cabia no colo),
Bagunçou meu cabelo curto,
Chorou comigo um coração partido
E disse que o tempo sabe o tempo que tem
Que a vida vem sem pressa
E que o amor espera em uma gota de chuva.

De colos, macios e quentes, faz a memória
Do afeto longo como posso recordar.
A vida vem sem pressa,
O amor é seu amigo.
E o tempo? O tempo sabe o tempo que tem.

terça-feira, 30 de abril de 2013

Endometrial

Sangue e água se misturam no chão do box.
Sem cortes. Dói em músculo, em mês.
Água vermelha e coágulos doem ao sair.

É também como se saíssem pedaços de mim.
Pergunto-me: se de mim em sangue saio aos pedaços,
Pode o sangue trazer de volta um pedaço de mim?

Metade afastada de mim, leva os teus sinais
E deixa-me porque sofro na negação de um parto.
Lavo o sangue e a água leva seus pedaços.

Que água levará os pedaços de afeto coagulado
Restantes?

domingo, 28 de abril de 2013

Feminina - de Rodolfo Teixeira

"Maria de poesia
De lutas
De glórias
Sua natureza silvestre de rosa
Veste-se de vermelho
Sangue de nossa gente.

Rosa descendente
Rosa do céu
Rosa do país distante
De outrora cadente
Hoje de pé, presente.

Ascende tua alma mulher
De todas as mulheres que te seguem
Na epopeia do teu ser
Se reconhecem."


Eis que estou tendo um domingo tranquilo quando sou apresentada a essa homenagem, de autoria de uma alma amiga. Envaidecedor.

domingo, 14 de abril de 2013

Abandono

Como um cão trancado em casa,
Na solidão de um apartamento escuro,
Uiva meu peito ante a vibração de meus ouvidos,
Estimulados por tua voz.

Deste cão acabou-se a água e a comida
E já roeu de ansiedade os pés de todos os móveis.
Falta aguda de seus afagos,
Aumentada por ruídos estranhos.

Uiva meu cão e seu choro ecoa
Sob os pensamentos meus.
Já roí todos os móveis, me restam as unhas.

Não é mais como se te quisesse
(embora ainda te queira sim),
Mas a sala está escura e cheirando a abafado

E queria tanto um afago alheio,
Já que tua voz continuará ressoando no corredor.

Como um cão trancado em casa,
Sento ao lado da porta, impaciente,
Uivo e espero que me destranquem
De mim.

sábado, 13 de abril de 2013

Pubescência

Eu quero que chova tudo aquilo que em mim arde
Tudo aquilo que vai tarde, tudo aquilo que é mau.

Eu quero que escorra em suor nos meus braços,
Minhas pernas, minha barriga e meu púbis,
As lembranças que me mantêm acordada,
Aquela dor velada, esse amor cheio de sal.

Eu quero conforto em outros braços
Quero dormir um sono de cem anos
E acordar disso que me machuca, porque nunca foi real.

E os beijos não me acordarão,
Não há grito nem sonho nem volta nem paz.
Há esse mundo caótico, há ser adulta e nada mais.

sábado, 6 de abril de 2013

Nostalgia

Amar você foi um exercício de port de bras
Suave, leve e fluido.
Aos poucos fui inventando novas posições
Dentro da quinta, da quarta, da segunda na Escola Cubana.

Amar você foi uma canga do Che em um dia nublado.
Areia no chão do apartamento.
Um port de bras e queimação nos músculos dos braços.

Como cansa, depois de um tempo.
Como dói, depois de um tempo.

Amar você e ver a canga levantar no vento
Em silêncio, silêncio meu de todas as coisas que não digo.

Aos poucos fui valsando e o espelho me dizia
Que todas as posições estavam erradas
E a música também.

Amar você foi dançar balé ao som de rock
Em um chão de tacos.
Dia nublado em Ipanema e a chuva fria na Lapa.
E um café no Centro e o sol laranja nos prédios da Tijuca.

Eu evito fazer planos porque eles me assombram em sonhos depois.
Dividimos nossas tarefas: você fez os planos, eu os quis.

No meu quarto tem uma parede vazia esperando o quadro
Que você nunca me deu.
No meu peito tem um buraco, de um pedaço que você tomou
E não preencheu.

Amar você ao som de bossa, de jazz, de rock,
Da solidão.
Amar sozinha, esse bicho ambíguo que você é
Eu juro que isso não queria não.

quarta-feira, 3 de abril de 2013

Bicho cativo

Abro minhas asas de pássaro exótico.
Há tensão em meus músculos,
Estive contida por muito tempo.

Minhas penas se alongam, deixam que o vento as ame
E eu toda me estico.
São asas multi-coloridas, com um quê de fada
E um quê de bicho.

Foi o sangue pulsando vívido que as abriu.
Meu coração bate tambor pros seres
De toda a terra, toda a água e todo o ar.

Voarei. Voarei, sabe meu peito.
Não agora, não sozinha.

Voarei quando houver vento zumbindo,
Quando houver sol morno,
Voarei quando o chão parecer por demais irreal.

Voarei, sabem minhas asas.
E mal sinto mais as raízes que me prendem a essa terra.
Já basta da Terra Papagalli.

Já basta das Índias tão Orientais em pleno Ocidente.
Oriente-se, mulher! Voarei para longe do porto.
Estou viva e a terra é fértil, mas não há chuva.

Não há chuva nessas terras, não há marinheiro que as regue.
E abrem-se minhas asas e batuca meu peito
No compasso da desilusão, viu?

quinta-feira, 21 de março de 2013

Creio que troquei você por comida japonesa.

sexta-feira, 15 de março de 2013

Circo de horrores

Balança em rangido sobre meu corpo em sobreaviso
Uma bigorna imensa, negra e magnetizada.
Sou o imã dessa desgraça, sou seu ponto de repouso.

Balança, negra de horror,
Gelada impiedade. Sou o imã de sua desgraça,
Sou sua força motriz.

Corda bamba, mi vida, sob a bigorna,
Sobre a multidão, sobressalto o grito
Sobre o aviso. Bigorna negra, corda bamba,

O público ruge. Urge que eu caia
Ou roga que me acalme?
A música aguda me lembra do cordame

Que me ameaça com a bigorna.
"Posso romper Posso romper
Segue a baila, segue o smile."
Smile, baby. Gatinha, gatinha,
Sete vidas cai de pé

Eu vi no Looney Tunes,
A bigorna é o que é.
Eu vi no Looney Tunes

Você era uma panqueca e corria outra vez.
Gatinha, gatinha, o peso da bigorna está no peito,
Não no cordame, não no público.

Salta!

Se não tiver rede embaixo,
Eu vi no Looney Tunes!,
Você vira panqueca e corre outra vez!

A flor


O rosto dela balança no broche preso na bolsa da moça.
O rosto dela balança com o balanço do tecido
E surge entre dobras e pregas

No meio de uma reunião, no meio de um ato,
No meio do nada.

Rosto altivo de lutadora, na bolsa de tanta gente que luta
Na blusa de tanta gente que busca.

Seu camarada amante teve o rosto deixado para trás,
Mas ela ressurge de onde menos se espera
Em foto séria, sem traços da ironia presente nos textos,
Sem traços do espinho de flor que é seu nome.

Vermelha flor, vermelha bandeira,
No broche na bolsa na blusa no bolso
No peito
No livro
Na luta que segue.

quinta-feira, 14 de março de 2013

Eu tenho uma coisa estranha, que sobre,que aperta, que sufoca do nada. Eu tenho uma coisa estranha que arrasto qual baú pesado vida afora. Coisa estrangeira dentro do meu peito e que, no entanto, é tão eu quanto todo o resto de mim. Amar o que há de forte, o que há de potência é aceitar meu quarto escuro, meu peso no peito e a melancolia que invade de supetão.
Para fazer poesia é preciso um pouco de tristeza e angústia temperando a vida. Ame-a também, ame-a e juro que a transmutarei em ofertas de beleza de quando em quando.

terça-feira, 5 de março de 2013

Apenas

A minha vida estava bem. Mas aí, de repente, ela não estava mais. Todos os quadros foram arrancados das paredes ao mesmo tempo e o estilhaço de seus vidros feriu meus pés.
Você esteve lá. Não constante. Não intenso. Não amor. Mas lá. E eu tinha um pouco mais de força para fazer curativos e um pouco mais de força para limpar os cacos e um pouco mais de força para colocá-los no lugar. E um pouco mais de doçura para olhar a janela e ver o sol, quando você me abraçava pela cintura e respirava meu cheiro em silêncio.
Eram muitos cacos e muito pó. Muitos esqueletos nos meus armários. O meu quarto escuro era muito escuro para você. E você era quente e eu queria que me abraçasse, quente e constante. Você não quis. E não quer.
E foi embora.
Eu já tinha alguma coisa da minha força de volta. Tinha vontade de ter vontade. E achei outras coisas para além de você. Só sentia saudades ao sentar numa réstia de sol e lembrar como era quente, como era bom. Como era inconstante e só.
Eu fui paciente, constante, desprendida, leal. De vez em quando pedia um pouco de você, de vez em quando lembrava-lhe de que lhe amava, de vez em quando... Mas veio nova tempestade e novos quadros foram arrancados. Eu sentei no chão, tremendo e ferida.
Você apareceu à janela e eu achei que vinha me ajudar novamente. Não precisava me abraçar, nem ser constante, nem ser intenso, nem ser amor. Só precisava tirar uns cacos cravados que me feriam, eu pensava. Mas você só apareceu à janela e falou de sol, me falou para limpar tudo de novo. E foi embora.
Tive raiva. Tive medo. Tive saudade. Fui dura. Fomos duros. Fiquei só. Pensando bem, na maior parte do tempo estive só. Você esteve comigo, mas por tão breve, por tão pouco. Se eu não estivesse cortada, só, com medo, talvez eu não quisesse tanto seu abrigo. Mas quis. Acho que ainda quero.
Fechei a janela. Com raiva. Com medo. Com despeito. E pensei: "Sozinha. Sozinha. Sozinha.". E pensei: "Nunca mais,"
Você voltou. Pelo tempo de uma lufada de ar que levanta a saia. Pelo tempo de uma flor que murcha. Pelo tempo de um corte que sangra. Pelo seu tempo. Sempre curto. Sempre só isso. Só.
E eu percebi que, quando você voltava, eu deitava sobre cacos para que você deitasse sobre mim. Eu deitava sobre o frio para estar sob o seu calor. Quando você estava, eu estava só.
O que eu faço agora?

sábado, 2 de março de 2013

Águas de março

Eu queria querer não te querer,
Mas a verdade é que, no raso e no fundo, eu não quero não.

Quero dançar em seu derredor,
Quero rir baixo e alto

E quero que você queira também.

Mas a verdade é que, no dito e no não dito, você não quer não.

Chove e há cheiro de maresia na Tijuca.
Hoje é dois de março e sinto sua falta
Tanto quanto eu sinto falta dele.

Nenhum de vocês dois voltará para mim.
Ele não voltará em absoluto,

Você não voltará a agosto.

Não há como não ter ido a Brasília
Não há como não ter chovido e chorado no comício
Não há como sentar no balcão e comer berinjela
E falar do futuro.

Meu futuro é em eu
E eu queria que você quisesse tanto quanto eu
Que ele fosse em nós.
Mas a verdade é que você não quer não.

sexta-feira, 1 de março de 2013

Mora na filosofia

Jurei a mim mesma que não voltaria ao píer.
Jurei a mim mesma que já bastava de sal.

Mas você, por motivos que desconheço,
Retornou ao meu continente por um breve instante
E eu retornei aos seus braços e beijos.

Não quero aprender a abandonar você.
Eu queria querer, mas a verdade é que não quero.

Quero seus braços em meu corpo
Quero seus beijos em meu rosto
Quero seus dedos enlaçados aos meus.

E mergulho na água salgada sentindo os olhos arderem
Sentindo que misturo lágrimas ao mar
Sentindo que você não percebe ou não se importa ou finge bem.

De manhã andamos juntos pela praia até as pedras
E, aproveitando uma lufada de vento e realidade,
Você foi embora outra vez.

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Flerte

Você quer se jogar da janela e cair em um lago fundo,
Na toca do coelho branco, na delícia do que não há.

Mas o chão é de concreto e, para além do seu sangue,
Há outras coisas que o tornam grosseiro e imundo.

Afaste sua alma da janela e dos lagos, dos países das maravilhas.
Afaste sua carne do beijo no asfalto.

Pise descalço na grama. Sambe um pouco.
Jogue a cabeça para trás, ria.

O mundo continua sem nós, apesar de nós.
Você não vai querer perder o que há guardado,

Esperando que as portas (que sempre estiveram apenas encostadas)
Sejam abertas de par em par e,

Sem mergulho final, você seja finalmente livre.

Cronológico

No relógio quebrado do meu quarto
São sempre duas e trinta e quatro.
Se eram da tarde ou da manhã não sei de fato dizer.

E, sabendo que ele está quebrado, eu o consulto periodicamente.
Porque, talvez, alguma mágica pudesse trazê-lo de volta.

Se o relógio quebrado saísse de duas e trinta e quatro
Talvez o apartamento da Avenida Nossa Senhora de Copacabana
Não estivesse mais vazio.
(Talvez alguma mágica pudesse trazê-lo de volta)

E confiro, obcecada com o ponteiro dos segundos,
Se ele saiu de cima do número seis.
Duas horas, trinta e quatro minutos e trinta segundos.
O despertador me acordaria às onze,

Se o ponteiro dos segundos mexesse.
O relógio pequeno, preto, quebrado, segue parado
Mesmo que o grande tempo
(Esse pai que engole a todos nós)

Circule indiferente. Como o são indiferentes as correntes de ar.
Tempo e vento me arrastam,
Mas eu só queria que, por mágica, o ponteiro dos segundos mexesse.

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

De fadas

É como se eu fosse, há dias,
Feita de um material mais denso do que o ar.

Não de carne, mas de água gelatinosa.
Como se pudesse derreter,
Como se pudesse virar espuma ao me jogar no mar.

Minhas escaras são de silêncio
E percebo que, além da voz sufocada,
Trago os cabelos curtos das irmãs de Ariel.

Ela usou a adaga conseguida em si mesma
E se jogou da falésia.

Eu aceito com paciência as escaras, minhas adagas,
E me jogo no mundo.

Mas isso não torna menor a saudade.
Isso não me torna menos espuma-gente.

Isso não leva embora a dor.

Para além

O que eu queria mesmo
Era puxar de dentro do peito
Esses amores que, de secos, morrerão

E fazer deles origami.
Dobrá-los em borboletas, tsurus
Apertá-los em um sopro de flauta
Ou um doce macio.

O que eu queria mesmo era ser feliz para sempre.
Queria mesmo romper as diversas cascas que há dentro de mim.

Eu queria mesmo amar para sempre.
E fico com uns amores cactus, que não precisam de muita água,
Cheios de espinhos que doem tudo por dentro.

Eu queria mesmo um amor-rosa
Tudo bem que tenha espinhos,
Mas que haja perfume, mas que haja beleza,

Mas que haja chuva.

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

Êxodo rural

Dia azul e branco de saudades mis.
Encerrei minha existência ao meu quarto
Para dar descanso ao corpo e ao peito.

Saudades grandes de gente que ocupou longas extensões de terra e memória em mim.
Saudades de antigos posseiros de lotes menores
E pomares coloridos.

Ando, dentro de mim, pelos pomares abandonados
De onde apenas eu retiro a erva daninha.

Debruço-me em cercas e olho os latifúndios improdutivos
Cujos donos já partiram (há muito ou há pouco).

E suspiro dentro de meu universo sem vento
Sem nuvens e sem chuva.

Dentro de meu universo carente
De uma reforma agrária.

terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

Pesadelo

Acordei em um sobressalto estranho
Com um presságio apertado
E meu peito sabendo que o estranho ao meu lado

Era o mesmo estranho que ao meu lado dormira
Era o mesmo estranho que, de seu lado, me cortara.

Meu peito dizia: são os mesmos cabelos são as mesmas mãos.
Mas meus olhos insistiam que aquele quarto não fedia
Que aquele quarto não lotava
Que aquele quarto era seguro.

Mas minha cabeça insistia que naquele cheiro não tinha cigarro
Naquele peito tão tinha violência
Naquele abraço não havia traição.

Acordei de sobressalto, estranho,
Com um presságio sufocado
Imaginando que o estranho ao meu lado
Me feria outra vez.

Virei o corpo e olhei seu nariz
Olhei sua tez e suas mãos com minhas mãos no escuro.
Não era, dizia agora todo o corpo meu.
Não era.

Sem que o estranho soubesse,
Acariciei seus cabelos com gratidão
Pelo simples fato de não ser aquele que repudio

E, com menos medo por aquela noite, dormi.

domingo, 10 de fevereiro de 2013

Semente

Estou grávida do desejo de ter um filho.
E, no escuro, sonho com os pés da minha criança
Nadando dentro de mim.

Estou grávida do desejo do amor mais pleno
E de senti-lo crescendo até a explosão.

Grávida, grávida não estou.
E, agora, nem mesmo quero estar.
Mas quero um menino no colo

Um nariz pequenininho, uma boca redondinha
Bracinhos que se agitam e aquele peso morno
Aquele peso morno no meu peito...

Sonho com Clara e Francisco,
De mãos dadas em uma praia,
Rindo alto e dançando. Tecendo rendas de areia
No meu coração.

Estou grávida do desejo de uma criança
Desejo alimentado pelas crianças que não são minhas
E pela promessa de realização, em um futuro distante...

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

devora-me

Acordei encharcada em suor de febre.
A febre, como todos sabem, é fria.
(Na febre, só a pele humana é quente)

Estava fodida.
O besouro do banzo tinha arrancado
Com seus dentes pútridos
Um pedaço essencial de mim.

Me foi dito que todo mundo tem umbigo,
Mas eu sabia que era ali que o bicho vivia em mim.

Fodida sem pele humana quente
Apenas o bicho sujo que cavava em mim.

Acordei encharcada e me debatendo
Porque era de pele que eu precisava

Só um peito com coração que bate
Humano e forte

Manda embora harpias, besouros, banzo e pus.

Pluvial

E então, sem motivo, sem rosa, sem amante,
Sem leão, sem amor,
Abriram-se as portas de meu quarto escuro

De par em par. E a onda da água mais translúcida
Inundou tudo o que havia em mim.
Sou a chuva que cai do céu há dias

(desde que ele morreu?),
Sou a língua negra que se infiltra na praia.
Sou as poças do Largo de São Francisco.

Sou água. Límpida de sujeira.
E, mesmo lama imunda, sou clara
Por ser honesta. Por ser coragem.

Sem sorriso, sem lágrima, sem suspiro,
Sem ninguém que afastasse o véu que cobre meu rosto
(as rendas brancas com as quais me escondo),
Há um dilúvio em mim.

De mim.
Eu sou a tempestade, o fogo e a alegria,
Mas, hoje, sou apenas o cansaço e a solidão.

quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

magia

O que é verdadeiro me vem no silêncio
Pois as palavras significam os atos
Mais do que os próprios atos significam a si.

Portanto, o que é verdadeiro me vem na ausência de poesias
Me vem na ausência de discursos
Me vem entalado na garganta ou liberto por suspiro.

Minha dor verdadeira ocorre em bolo, embolada,
Sozinha em um canto tentando não chorar.

Meu amor mais verdadeiro
Vem em um sorriso pequeno e simples
Em olhos que não desgrudam
Em mãos que ousam acariciar

E meus lábios, em sua magia transformadora,
Apenas balbuciam ante o mundo
"Eu... eu... eu..."

Abracadabra.

terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Um ninho de mafagafos

E, sem motivo racional, mutuamente as mãos se buscaram
Ao entrarem juntos no mar. Não que tenham entrado juntos,
Só calhou de entrarem um após o outro, porque a areia perdera a graça.

Não que fossem namorados, não que fossem amantes,
Uns beijos (todos os dias), dormirem juntos (todas as noites),
Darem as mãos (de surpresa)
Não faz de nada descompromissado um laço no peito, faz?

Eram só férias. Eram só distantes. Era só complicado.
Era só um nó no peito embolado com tantas outras linhas.
Podia ser só linha embolada, nem um laço mesmo.

Mas os dedos se embolaram no mar
E se soltaram na primeira onda,
Surpresos com a ousadia de suas mãos.

E, na areia, evitavam encarar
Seus corpos meio nus, seus cabelos meio secos, seus medos meio sinceros
Seu laço meio embolado.

terça-feira, 22 de janeiro de 2013

A espera

Abram todas as cortinas, tirem o pó dos móveis,
Escovem os sorrisos, perfumem as flores todas
Porque hoje chega o meu amor.

Limpem as crianças, arrumem os livros,
Tirem todas as músicas de dentro das vozes
Porque ele já vem.

Sentem às janelas, olhem a lua que cresce!
Olhem o sol que brilha!
Olhem a chuva que murmura!

É hoje, eu sei.
Seria ontem e anteontem também.
Mas hoje ele vem.

Olhem a lua que mingua!
Como é belo o entardecer!
Ele vem coberto de terra

E eu o espero de rosto limpo, de cabelo lavado.
Ele vem da longa estrada
E meu coração batuca.

É hoje, é hoje!

Talvez amanhã...

Avoa

No futuro que almejo,
Liberdade, palavra serena,
Não reside em pátria alguma,
Não possui hierarquias,
E pesa nas mãos de iguais.

Liberdade, palavra sangrenta,
Vem de chispa nos olhos
E força na voz.
Na voz una de grito

Na voz una de multidão,
Liberdade vem junto
Liberdade vem juntos.

Sem tutores, sem pátrio poder,
Sem nação.
Liberdade é vento.

E vento arrasta, muda, depõe.

10/1/13

quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Cicatriz


Ao longe ouço os canhões atirando e sei que,
Invariavelmente, chega a guerra.
Mas o céu continua azul e o vento sopra.

É um erro falar em guerras mundiais,
Quando o mundo é e nós estamos.

Sei que, invariavelmente, homens e formigas marcham
E a guerra é só minha.
Homens e formigas marcham
E chegam as datas das provas

Terei de fazê-las, trajando luto ou não.

Marcham. E a Morte me envolve em seu manto de saudade.
A Morte me diz: "Espera." E não me deixa escolhas.
Eu costumava me espantar na infância quando, de súbito, era chocada com a consciência: respiro. E, se as cores da terra sempre me pareceram óbvias e necessárias, belas sempre, as formas sujas do concreto me violentam ainda hoje. Violentam porque, em tudo, vejo (assim como o operário construído)  marca da mão de vários operários que levantaram a construção.
"Foi gente que fez isso" me surpreendo. Gente de sangue, de carne e sem mistérios. Gente que não é necessária. "As formiguinhas seguem marchando" dizia minha mãe frente às tragédias humanas, como se lembrando a ela e a mim de nossa pequenez. A terra é óbvia, necessária, a terra expande minhas costelas em afeto. A gente existe, sem explicação.
Conforme cresço, os choques de realidade se tornam mais esparçados e violentos. Então, de súbito na rua, percebo: existo.

Descomplicado

O céu branco sem chuva
O ar cheio de insetos
As aleias cheias de flores

Sento-me em frente ao lago
Com meu amigo ao lado
E em silêncio permanecemos

Ouvindo o zumzum, ouvindo o chilrear
Em silêncio permanecemos
Porque, no afeto, respirar é o bastante.

Contemplar me basta
Porque a mim basta meu peito

terça-feira, 8 de janeiro de 2013

Há dentro de mim um quarto escuro cuja porta é pesada como um cofre.
Uso-o para lacrar o que dói e sangra. Uso-o para esconder o que me dá medo.
E me obrigo a aceitar as coisas que me dão medo como parte de mim, porque eu "vivo apesar de" (vivo mesmo) e até a falar delas com as pessoas, como se não importasse. Como se nada importasse.

O problema começa quando eu descubro que algo particularmente pavoroso existe fora de mim. Que pessoas falarão do assunto comigo sem saber o quanto as paredes  do meu quarto balançam, o quanto sua porta é socada... Porque eu mantenho meu quarto trancado. Escuro. Escondido atrás de um quadro de sorriso e outro de altivez.

Houve um terremoto dentro de mim que deixou a porta de meu quarto do pânico empenada. E além de chutar e esmurrar, os meus monstros esgueiram suas garras centímetros para fora dela, arranhando o que encontram no caminho.
Apertam meu pulmão e minha garganta. Apertam meu estômago. Apertam meu coração com força.

E os quadros continuam no lugar. Com sorriso e altivez.