Hai-kai, Mario Quintana

"Rosa suntuosa e simples,
como podes estar tão vestida
e ao mesmo tempo inteiramente nua?"

segunda-feira, 29 de setembro de 2014

do armário

Eu aprendi que era errado
Casar as minhas Barbies
Porque na escola me contaram.

Depois no colégio santo
Apontaram meus pecados,
Me fizeram enxovalhos,
Me gritaram sapatão.

E eu! Que não beijava nem meninos!
E eu! Que nem sabia o que era amor!

Já conheci o ódio e o desprezo,
Conheci o descaso da direção.
O conselho de se adequar para melhorar.

Ser boazinha, não ir tão bem na prova,
Arrumar um namorado, raspar as pernas,
Não usar moletom.

Amei minha amiga em um segredo bem guardado
Até de mim mesma, porque eu não queria
Ser o monstro de que fugiam no banheiro.

Bicho novo livre da escola
Fui forjando uma coragem que não sentia
Para amar quem não queriam.
Meios segredos, meias verdades, muito amor.

E a cada criança assassinada, suicidada,
A cada travesti espancada,
Retorce meu coração.

Sapatão. Sapatão. Sapatão.

A maioria já me enfrenta no ônibus,
Na rua, no carro com motorista que assovia.

"Olha para mim, vadia!"

Retorce meu coração.

Sapatão. Sapatão. Sapatão.

domingo, 31 de agosto de 2014

Vi uma história hoje que não era como a nossa. Mas, quando o aeroplano sobrevoou as planícies africanas carregando a mulher impetuosa e estável e o andarilho, não pude deixar de pensar nas histórias que você criou para nós e chorar mais uma vez em silêncio.
Não é que eu ainda o ame do mesmo jeito. A dor que sinto é como o espinho de saudade de um morto. ou da nostalgia por um sonho com alguém que jamais nasceu. Penso nas cores amarelas junto ao canal que fica naquele ponto entre a Lagoa e o Jardim Botânico e no jeito como você inventava bobagens sobre viajar o Brasil comigo, me fazendo relevar o fato de que mais uma vez eu fiquei te esperando por mais de duas horas. Sentada sozinha nas britas em frente ao museu, ouvindo música e mergulhada em autopiedade. Por que te esperei? Por aquelas duas horas e por quase dois anos?
A mulher civilizada, contida como você sempre me acusou de ser, confrontou o andarilho no filme. A liberdade dele consistia em eliminar todas as formas de liberdade dela. De querê-lo, de precisar tê-lo por perto, de ter medo,ciúme e sentir-se só.
Minhas amigas dizem que eu acho que você me amou bem menos do que de fato amou. Mas, se você diz que nunca soube praticar o meu amar calmo e que nunca foi capaz de me amar intensamente, só consigo concluir que você jamais me amou de ato. Eu acho que peguei suas tolices sobre o futuro imaginário para nós e transformei em um presente imaginário.
Ela o esperava ir e voltar sozinha na fazenda e, quando finalmente se percebeu exausta de acompanhar seu ritmo e impôs uma condição própria para a relação deles, ele foi embora. Você também.

terça-feira, 19 de agosto de 2014

fluidez

No ápice do ridículo inverno carioca,
Com céus de um azul desmaiado e chuva mirrada,

Após minhas grandes rupturas
(terapia, pesquisa, homem),

Chega, de um jeito estranho,
A massa de ar da minha nova estação.

Estou como se dentro de uma neblina
Em que ainda não sei o que virá.

O meu coração ensaia uns toques de címbalo
Que vibre meu tórax em notas suaves

E faz irradiar de meu rosto um brilho sutil.

Sou. Sou de uma frequência pacífica,
De carinhos e espontaneidade.

Além da neblina ouço murmúrios de riacho,
Esbarro em territórios de felicidade.

terça-feira, 12 de agosto de 2014

felino

Me retorci em um canto escuro
Enquanto um rapaz lambia minhas pernas e semi-sorria.
Eu não sabia, de fato, que uma lambida nas pernas
Me transformaria num gato.

Ronronei, gemi, estiquei e contraí minhas mãos
Enquanto a língua brincava com meu joelho,

Língua essa de um português tão próximo
E tão distante do meu...
Gemi como um gato, foi o que me aconteceu.

segunda-feira, 4 de agosto de 2014

tinha cá pra mim que agora, enfim...

Esse samba vai me machucar para sempre,
Fazendo lembrar o cheiro de mijo da Carioca
E sua angústia depois de eu ter finalmente dito que lhe amava.

Você voltou meio ano depois,
Cutucando a casca da minha ferida com a ponta da unha
Até arrancá-la e fazer meu peito sangrar aberto de novo.

E foi embora com medo do amor
Que eu mantive ofertado.

Não era promoção barata, passageira,
Mas você acabou com o meu estoque
E fugiu sem pagar.

Aguardo a reposição do produto.

poema esmagado

Passo meus dias imersa em futilidades
E não consigo dormir cedo
Porque a noite é o momento que tenho para chorar

De saudades suas.
Como sinto sua falta, como sinto raiva de você!

Acho que o que mais me dói
É você ter tido a necessidade de cometer um último sincericídio.
Por que me dizer que eu estava certa,

Reafirmar que você nunca me amou?

Não quero ninguém mais muito perto
Porque ainda dói muito.

Então fujo do mundo, arrumei minha canoa,
E rosno aos visitantes da minha gaiola.

sacrificial

Apaguei suas fotos do meu celular,
Vou te matando aos poucos,
Te expulsando dos espaços do meu cotidiano.

Estou me apropriando das distâncias que você criou,
Aproveitando a inércia da mágoa do seu último chute
na minha boca. Você nunca me amou, disse.
Nunca trem descarrilhado, nunca sonho,
Só inércia.

É para me amar que te desamo,
Para acender o que você sempre viu apagado.
E uma voz me diz: como é difícil me amar!
Como posso me reinventar na negação de lhe ser submissa?

Banzo, fado, silêncio.
Choro na solidão do meu quarto o medo de ser tão reles
Quanto você me fez.

Busco no espelho a ressaca em meus olhos,
Meus cabelos de Iara.
Busco nos meus quadris a quentura da umbigada.

Não as guerrilheiras,
Não as mártires,
Mas os perfumes e as camas

Que não a sua.

Dali

Ao fundo da mulher montanha nuvem,
Duas figuras solitárias contemplam a praia e as pedras.
Como são pequenas mãe e filha, como se alongam suas sombras
Ao toque do vento salgado e de um sol sem cor!

Dali, no papel pardo, me tocou mais em seu estudo
Com mãe e filha ao fundo da loucura
Do que com sua psicodelia comercial.

quinta-feira, 24 de julho de 2014

cálice

É noite. O sangue inesperado manchou minhas roupas mais uma vez.
Bem no meio da cartela.

Faz tempo que ninguém me toca,
Então não pode ser um aborto
(nem das outras duas vezes podia ser um aborto),

Mas eu penso nas pontadas ocasionais
E nos sangues não requisitados,

E é como se eu visse meu futuro escorrendo pelas pernas.
Nunca pensei que "abortado de medo" pudesse
Ir além de uma metáfora.

Vazia, encharcada de sangue,
Penso em mim mesma como um possível defeito
E a amargura me toma a boca

De mais um sonho a não ser realizado.
Meu futuro escorre pelas pernas,

Não abortado, nunca existente.

domingo, 20 de julho de 2014

julhina

Quando você se aproximou eu tentei manter o decoro.
Meu estômago deu um nó e eu queria você longe.
Eu estava feliz, vendendo e distribuindo meu afeto.

Eu estava feliz, nos braços da menina de sardas.
E você veio para o meio dos meus amigos.
Esqueci da menina de sardas, só pensei em não te ferir.

Ha, que mentira!

Pensei foi em não te dar motivos para me ferir de volta.
Você é uma pantera, não um gatinho.
Não acredito nessa sua pose de mártir,

Não acredito que você aprendeu porra nenhuma
Ou que não vai querer se vingar de mim de novo.
Conscientemente ou não.

Como você gosta de fazer as coisas involuntariamente!
Como é bom ser irresponsável!

Eu não sou. Pus a menina num abraço casto
E fiquei te olhando de tocaia, esperando você partir.

Interrompi seu flerte com outra menina bonita.
Roubei ela dos seus braços e giramos.
Te olhei de tocaia, me vingando do que você não fez.

Sou pantera também. Bicho ferido e vingativo.

sábado, 19 de julho de 2014

gaza

O ruído dos prédios desabando
Não foi suficiente para abafar o choro das crianças.
A poeira branca cobria tudo

E eu pensava "como vim parar em Gaza?"
Enquanto abraçava a minha garota de Ipanema
Como se ela fosse minha criança, pequena e preciosa.

Foi quando veio a maca pela entrada do subterrâneo
Com médicos da Cruz Vermelha, poeira e sangue.
Sangue no chão e uma cabeça que tremia.

A maca passou por mim. E eu vi que era você.
Você quem morria e espumava, com o corpo queimado.
Foi como se os mísseis houvessem queimado minha carne

Foi como se o pior que esperei na barricada houvesse acontecido.
E eu gritei. Gritei tanto, enquanto me jogava na maca
"Não me abandona! Não me deixa sozinha!"

Gritei seu nome e chorei no sonho.
Você entreabriu os olhos e me viu
Foi quando eu acordei com o rosto molhado
E a garganta doendo.

As coisas se misturam. O massacre e a partida.
Matei você no meu inconsciente
Porque é como se você estivesse morrendo aqui dentro.

"Não me abandona! Não me deixa sozinha!"

sábado, 12 de julho de 2014

da raiva

Jogaram a sua escova de dentes fora.
Eu não tive coragem.
Troquei o toque do seu telefone também, pus igual aos outros.

Ainda me iludo achando que você vem me buscar.
Que vai fazer coisas que nunca fez
(Como correr atrás de mim, arrebatadoramente).

Eu estava calma e controlada,
Mas a raiva cresce. Porque sinto sua falta.

E tenho raiva que você venha à Tijuca por outros
Mais vezes em menos tempo do que
Você jamais veio por mim.

E me dá satisfação de olhar sua escova no lixo
Pensando quão pouco você a usou.

Ao mesmo tempo acordo triste
Por ter dormido bêbada tentando te ligar.

Meu coração dói de raiva e saudade.
E faço planos pro futuro,

Sentindo falta do nosso presente.

quarta-feira, 2 de julho de 2014

XII

Eu odeio quando você bebe.
Odiava quando meu corpo queimava e você
Só queria estar com outros e, em casa, dormir.

Hoje odeio quando você bebe
E inventa desculpas para me fazer algum carinho
E vem me dizer que tem tanto a dizer
E busca um jeito de me manter perto.

Odeio quando você bebe
E, no outro dia, esquece de ser constante
Esquece de mim tudo de novo.

Odeio quando você sorri,
Quando vem me perguntar dos meus dias
E diz "Vamos marcar algo algum dia".
Bem cariocamente.

Não quero mais nada de inconstante,
Nada incerto. Não quero mais correr atrás de você.
Odeio quando você age como se nada tivesse acontecido
Como se nunca tivéssemos estado juntos
Ou como se nunca tivéssemos terminado.

A verdade é que passa o tempo e minhas exigências crescem
Porque diminui minha indulgência,
Fruto daquele amor doce e quieto
Que você nunca entendeu.

quarta-feira, 4 de junho de 2014

XI

Os dias passam e você não me procura.
Eu avisei do prazo.
Quanto mais tempo você fica longe,
Maior é a parte de mim que não se importa.

Mas eu também não me acho.
Não acho forças para o mundo que consome.
Queria abrir mão de tudo e fugir para longe,
Embora não faça a menor ideia de onde ir.

Talvez eu também devesse arrumar uma canoa.

segunda-feira, 2 de junho de 2014

Fábula (2013)

O coração daquela vastidão inabitada de terra era uma fada. O continente era fértil, mas seco. Quando o marinheiro chegou a ele havia pouco mais de uma fonte d’água para saciar sua sede.
Vindo do Oriente, amarrou sua canoa no píer já meio carcomido de maresia e entrou. Com o toque de seus pés na areia fria, o encanto se desfez e a fada fez-se chuva. Era amor que lavava a terra, era amor que fazia brotar sementes de toda cor.
Ela amou o marinheiro e quis tirar o sal que o cobria todo e ardia em suas feridas quando o tocava. Para poder amá-lo, recolheu suas asas de chuva e fez-se rio, fez-se margem. Queria que o marinheiro navegasse suas bacias hidrográficas até o coração do coração do continente. Cada grão daquela terra o amava, pois ele era vento suave que balançava os galhos e as frutas verdes. Ele era vento suave que agitava a saia de folhas, conchas e insetos da fada e lhe fazia rir e dançar. E o riso da fada dava luz ao continente. As plantas cresciam.
Mas o marinheiro, feito de vento, amante do oceano, não quis continuar naquela terra. Sabia-a bela, queria-a bem, mas o mundo era seu para descobrir e a canoa pequena e instável era sua única companheira. Não havia lugar para a fada ou bacias hidrográficas. Ela ficou no píer, esperando seu retorno. Não choveu mais.
Por duas vezes ele aportou rápido no continente, apertou a fada em seus braços e bebeu de sua chuva, comeu de seus frutos. A fada lhe concedia tudo, concedia e mostrava os rios, perguntando se ele não queria explorar para dentro ao invés de solitário, se ele não queria conhecer o coração de uma terra. O marinheiro deu todos os motivos do mundo e a fada entendeu o motivo real: não, ele não queria. Não lhe fazia sentido. Ele não deixaria de ser marinheiro por navegar em rios e poderia ir para o mar sempre que sentisse vontade, mas por que não queria dar-lhe chuva? Por que não queria dar-lhe sol? Porque não.
A terra estava coberta de sal. A chuva que caía sobre o continente não era alimento das plantas, mas lágrimas de fada. O continente fez-se noite do mesmo modo que fizera quando, há tempos, a fada amara a primavera e as estações seguiram seu curso.
A fada era o coração daquela terra ou a terra era o coração da fada? A mágica fez com que o rio grande que cortava o continente em dois crescesse e crescesse e engolisse terra, plantas e bichos. As asas animalescas abriam-se e só então ela soube: eram asas de albatroz. Fez-se terra por medo do vento e das ondas, mas nunca fora filha da terra. Sua casa era o movimento do mar.
O marinheiro desorientou-se ao não achar o píer e nem ninguém esperando-o e amaldiçoou aquela que não mais lhe concederia frutos e chuva. Acreditou-a morta. A fada era uma correnteza de água doce no fundo de um oceano. Sua saia agora era de conchas, areia, peixes e corais. E ela ficou triste pelo marinheiro, porque sua natureza de água não entendia como as coisas acabavam ao invés de mudar. Seu amor virara peixe e o dele, sal.

sexta-feira, 30 de maio de 2014

jejum

Essa noite sonhei que você corria os dedos pelo meu corpo, me desenhando.
Não quero o corpo de mais ninguém.

Sonhei que você estava de costas em um balcão, lavando louça
E eu abraçava seus quadris por trás.
Lembro ainda do contraste da minha pele tão branca
Sobre a sua, morena. O ângulo do osso sob a minha mão,

O cheiro da curva do seu pescoço.
Sonhei ou lembrei? Sonhei que lembrava
Dos detalhes tatuados nos nervos.

É tão difícil se despedir de algo
Porque se quer mais!
É tão difícil admitir que não é que esteja ruim,
Só está pouco.

Eu nunca aprendi a contar calorias.

uivo

Como ondas que colidem entre si no mar bravio,
Minha tristeza atropela outras coisas
No caminho até minha garganta.

Queria uivar um canto antigo,
Que é música apenas nas minhas Fossas Marianas,
Sobre o que é sentir sua falta.

Tento não parecer tão decepcionada
E racionalizar a vida, as dificuldades, a falta.
Eu entendo, juro que entendo,

Não sou tão mesquinha assim.
Mas minhas sereias choram em coro
Invocando uma tempestade que não quero.

Aceitar quem sou, aceitar quem você é
Aceitar o que não somos.
Aceitar e seguir. Ser para além

Desses muros de sonho.

Você sempre me parece real
E a realidade vem em borrifos salgados
Revelar minhas ilusões.

terça-feira, 6 de maio de 2014

X

Sangro minha saudade sem dores.
A pílula previne tais arroubos do meu corpo,
Embora creio que ainda hão de inventar
Remédio que me puxe do fundo de minhas Fossas Marianas.

Sou de um caminho longo coberto de água salgada,
Com cavernas secretas onde não penetra nem som nem luz.
Chegar ao limite de minhas profundidades faz parte
De chegar o mais perto possível de meu núcleo magmático.

Pulso de saudades suas em essência fundida e sangue mensal.
Meu cálice se derrama em outro pequeno cálice, sinto-me uma ampulheta.
Cada gota de endométrio conta o tempo sem respostas.

No fundo dos meus oceanos nada pacíficos cantam sereias.
Músicas que se confundem com lamentos ou gemidos.
Meu sangue tem o banzo e o fado. E o silêncio guarani de minha tataravó.

O sangue grosso que escorre no banho
Tem lamentos portugueses e atabaques, no silêncio da aldeia roubada.
Sou herdeira de mulheres roubadas. E também das rebeldes.

É pensando nas N'zingas de meu passado tão longe
E nas guerrilheiras de meu passado tão perto
Que dimensiono a dor de ver você saindo da minha vida.

Mas isso são os barcos, as rotas da superfície.
No fundo, minhas sereias choram.

domingo, 6 de abril de 2014

IX

Acho que nós dois tínhamos medo demais.
Talvez eu tivesse mais medo do que você,
Com certeza tinha mais medo do que achava.

De ficar sozinha, de não ser correspondida,
De ser ridícula.

Carlos me ensinou que o ridículo é necessário ao amor,
Mas eu não aprendi. Só com você.

Ponho a mão em concha em seu rosto
E nossos narizes se encostam,
Em um ato sagrado como no antigo Kemet.
Nossas bocas estão ocupadas demais, sorrindo.

Ver-te é sorrir - se não com os lábios, com o peito.
As coisas vieram no tempo certo,
Como se gestadas feito um filho.

Outrora acreditei-nos abortados de medo.
Mas nós crescemos, o futuro virou presente
E eu passei a ter coragem.

Coragem de ser gente franca e feliz.

domingo, 23 de março de 2014

Valerie

Sinto sua falta quase todo dia.
Dos nossos passeios, dos nossos risos.
Também do seus olhos amendoados.

É surreal simplesmente não te encontrar mais
Em lugar nenhum. Nenhum.
Quando você parecia estar ao alcance da mão.

(eu quem estava ao alcance da mão)

Alguma coisa acontece e penso
"Vou ligar para...", mas não faz mais sentido.
De início havia a mágoa, agora só existe distância.

Você fugiu, mas eu não sabia mais como aguentar.
Os hematomas na sua pele me feriam também.
As suas lágrimas salgavam minha comida.

Se eu tivesse antes visto Tomates Verdes Fritos,
Teria te dito que queria ser sua Idgie.
Queria pegar na sua mão e te levar embora

Se ao menos você quisesse ir embora.
Digo, quis sim.
Quis ir embora de mim.


segunda-feira, 3 de março de 2014

dia dos mortos

O seu rosto no caixão aberto volta na minha retina.
Meu pai colocou novas pilhas no relógio preto.
Sem magia, sem retorno. Apenas tic-tac.

Lembro também das nossas tardes no sofá
E das suas pequenas manias irritantes.
Hoje foi um dia dos mortos, de chuva fina em pleno carnaval
E eu não quis me vestir. Portanto, fiquei em casa.

Passei a tarde vendo filmes para não ver as lembranças.
É incrível como elas conseguem aparecer tão coloridas!
Tem dias em que quero fugir da Tijuca.

Como é possível impedir as imagens em technicolor de aparecerem nos meus olhos
Se moro a uma quadra da pracinha, onde vovó ainda pula amarelinha?

Ela me machucou mais, sabe?
Sempre considerei uma ofensa ter esquecido tudo.
Eu odiava quando ela me chamava pelo nome de fantasmas
E nem sabia mais contar histórias.

Você ao menos foi você até o final.
Acho que é por isso que não escrevo sobre ela:
De raiva de manter vivas as lembranças de alguém que as jogou fora.

Mas hoje choveu miúdo e teve bloco na rua.
Preferi estar em casa, sozinha.
Hoje a alegria não é para mim.

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

VII

Acho muita coisa cafona.
Como o amor. O amor é algo para se rir.
Mas eu sou cafona. Sou platônica, romântica.

Acho que por isso eu sofri tanto nas nossas mãos.
Amo-cafona, mas ajo blasé.
Te dizia que era só uma trepada
E me sentia um lixo ao me sentir assim:

Só uma trepada.

A verdade é que eu te amo por quem você é.
Amei a sua metáfora-marinheiro,
Mas quem sempre me manteve amando foi você.

Amar é querer bem, é querer livre,
Livre perto de mim, se possível.
Amar os seus olhos e o seu sorriso.

Não o cavalo branco.

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

mágoa

O anoitecer está em guerra.
Chiaro-scuro de nuvens.
O meu coração se enche de luz e sombra.

O amor é simples,
Difícil são as pessoas.
Olhei para o prato em silêncio,
Mastigando os legumes e a raiva.

Eu queria ter sangue de barata e rir disso tudo,
Manter a europeia civilidade.
Talvez minha mãe conseguisse.

Eu só consegui engolir a cenoura e o choro.
Pensando em ir embora,

Mas ficando, com a cabeça baixa
E a dignidade da mágoa silenciosa.

(dezembro de 13)

espinhal

Sabe o que são espinhos?
São ausência de água.
Flor contida e murcha.

A rosa regada com constância
Produz folhas e perfume.

Sua falta me torna arisca e mordaz.
Meu amor seco é uma chaga no peito que machuca
E cada dia sozinha, uma pontada.

Tenho minhas carências.
Dezembro é um mês que assusta e,
Se já não quero passar semanas distante,

Preciso de ajuda para suportar o final do ano.

(dezembro de 13)

estrela

A distância ativa os medos que ainda guardo,
Mas ontem vi em seu rosto a tranquilidade que me faltava.
O olhar longo bordado de sorriso
Com palavras mudas tão suaves.

Transpusemos tanta coisa, nos transformamos tanto
Para estarmos juntos nessa cama, nessa casa.

Não faz muito tempo desde que comecei a me sentir junto de você.
Parei de gravitar ao seu redor,
Satelitando migalhas do seu afeto.
Faz tão pouco tempo que às vezes ainda me acho lua

E esqueço sermos estrela fundida,
Irradiando calor dos nossos corpos.

sábado, 8 de fevereiro de 2014

exaustão

O cheiro de queimado invade minha casa, contamina tudo.
É o segundo incêndio de um mês seco à beira-mar.
É por isso que meus olhos estão ardendo?

Tenho o útero pesado de sangue e o coração de angústia.

Eu amo, você sabe. Mas e aí?
Às vezes sinto o sabor de fruta mordida
E me sinto tranquila e feliz.

Eu estou cansada. Muito cansada.
Estar com você é como uma grande batalha
Orquestrada por anos de Hollywood
E sem final feliz.

Na maior parte do tempo,
Me sinto como a primeira namorada coadjuvante do principal
Que vai se apaixonar por uma garota e mostrar que o problema
O problema não está em você, está em nós.

Eu quero viver uma grande paixão.
Quero alguém que abra um sorriso ao me ver,
Que me abrace forte com saudades.

Estou cansada de querer algo que você não tem como me dar.
Acho que o fim se aproxima para mim.

domingo, 26 de janeiro de 2014

calmaria

Contemplo as nuvens que rondam seus olhos,
Tão velhos no rosto jovem.

O sol fez travessuras em nossas peles
E deixou marcas,
Similares aos hematomas que trago na coxa.

Esses vislumbres transbordam a água
Da sua borrasca no rosto que é meu.

Não se alimenta uma pantera com pratos de leite,
Mesmo que ela ronrone e se deixe acariciar.

Seus suspiros são os ventos que anunciam a chuva
Me pergunto quando e onde desabará.

domingo, 19 de janeiro de 2014

VI

Conto tudo porque simplesmente parece impossível.
Conto porque cada dia me parece último,
Porque houve um tempo em que o amanhecer me fazia lembrar
De que as nossas vidas continuavam, separadas.

Agora eu te quero e você me quer. Queremos juntos, em presente.
A palavra que mais usei naquela noite em que nasceram flores de mim
Foi "sólido". A cada vez que te via ou te tocava, tudo parecia tão sólido.

Acho engraçado que um sentimento tão abstrato seja tão concreto.

Saí das metáforas, das fábulas, do não dito
E passo às cartas do cotidiano. Como um diário coletivizado.
Coletivizando toda a solidez que eu sinto

Com o amor que você me dá.

sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

da insegurança

As estrelas coalham o céu de Parati.
Quando eu era menina (e pintava) peguei uma escova de dentes e joguei tinta no papel.
Ficou igualzinho às noites de Corisco.

Vi a lua crescer na Península
Segurei sua mão enquanto discutíamos astronomia
E planos para o futuro.

Você sempre me parece longe, mesmo quando está perto e ri.

Às vezes eu me pergunto se o amor de gente grande é assim,
Sem as febres e os calafrios e a paixão intensa que queima.
E às vezes eu me pergunto se o problema é nosso mesmo.

Qual é o problema, se damos as mãos, andamos juntos e nos chamamos de "amor"?
Como alguém pode chamar de amor sem nunca dizer que ama?
Acho que o bicho que me dói é eu ter te querido sozinha por tanto tempo

Eu ter tido medo quando as pedras voaram perto do seu rosto,
Eu ter tido medo quando o carro explodiu e ninguém sabia de você...

Acho que o bicho que me dói é a impressão de eu ter te vencido pelo cansaço.
Como se você tivesse sentado e dito "ok, aceito que me ama".
Aceita, como uma gripe forte que precisa de 7 dias para passar.


Talvez seja só TPM.