Hai-kai, Mario Quintana

"Rosa suntuosa e simples,
como podes estar tão vestida
e ao mesmo tempo inteiramente nua?"

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Há um pinheiro na minha varanda

Há um pinheiro na minha varanda.
Acordo, olho e me pergunto:
“Por quê?”
Estamos no Brasil. O que um pinheiro faz aqui?

Um pinheiro de verdade, não de plástico
(como foi desde que eu me lembro)
Não sou católica, não sou do Norte,
Por que comemoro essa droga de Natal?

Natal de um menino que não existiu,
Filho de uma pseudo-virgem com uma pseudo-pomba.
Por que eu tenho que trocar presentes,

Ficar feliz e comemorar o 2009° aniversário
De alguém que nunca nem nasceu?
Sou ateia. E nem meus pais, ateus, acreditam nisso.

Na nossa crença, eu digo. Não nesse feriado comercial.
Porque eles fazem questão de acordar, sorrir e dizer a maldita frase.
“Na nossa crença”? Na nossa não-crença, Maria.

O que raios esse pinheiro faz aqui?

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Colar de pérolas

"Fui ao reino de Poseidon
e trouxe à superfície exemplares

de conchas marinhas.
Mesmo mortas e secas,

ainda guardava-as comigo
na esperança de que me dessem pérolas.

O deus zangado castigou meu furto
mandando do além(-mar) pedras salgadas

como lágrimas. Belas e tristes.
Quis jogar fora tal tristeza, mas,

egoísta que sou, furei as lágrimas das mortas,
uma a uma, e com elas decorei meu colo."


Eu não podia recusar um pedido especial, podia?

Bruxos

O corvo, que as Princesas juravam ser um rouxinol, continuou a visitar Morgana todas as noites. A bruxa, assustada com o súbito afeto morno, não teve coragem de trocar o alpiste por chumbinho. Assim, a janela da torre permaneceu aberta.

A cada noite, Morgana enxergava mais e mais o bruxo encantado, oculto sob as penas. E sentia mais frio quando ele alçava voo.
Chegou à conclusão de que bemqueria suas penas negras, bemqueria sua existência.
E ousou descer da torre, se misturar aos aldeões. Não entendia por que as donzelas olhavam com cobiça para o bruxo ao seu lado. Porque, por mais que Morgana estudasse o rosto sério de Merlin, via apenas o seu excorvo.

Mas, quando caía a penumbra, a bruxa voltava para sua fortaleza marmórea. Passava dias trancada e Merlin virava corvo de noite, voava até o poleiro e se queixava. Normalmente, quando Morgana enjoava de seu grasnar, fechava o vidro. Mas nunca, nunca conseguia por chumbinho.

Merlin queria que ela abandonasse a torre e passasse a se abrigar nele, mas Morgana tinha tanto medo...
Tinha medo de se debruçar demais e cair e medo de tornar-se desabrigada quando Merlin se cansasse dela. Ou ela dele.

Porque bruxos são assim, medrosos, Morgana decidia-se: ia até o fundo de seu quarto e corria à janela. Parava no parapeito.
Como saber que ia virar realmente mais um pássaro?

Merlin tinha que entender que ela nunca seria uma princesa.

Ausências

Me dói pensar em minhas falhas e meus vazios. Me dói lembrar de minha finitude.
Minhas ausências são como salas abandonadas de uma mansão em pedaços.
Passo minhas mãos por seus papéis de parede descascados e aspiro seu cheiro de mofo. Então, vem de dentro uma melancolia aguda, uma saudade do que não tive e do que não aconteceu.
Corro a medo, maldizendo suas correntes de ar e ressaltando o pó que cobre tudo.
Evito os cômodos por semanas, preferindo o calor dos jardins, mas de um jeito ou outro, volto a cruzar os corredores destelhados e buscar algo que esqueci naquelas salas.
“Não, não é possível. Não havia tanto pó assim...”

Ah, as ausências...

Amiúde

Ela o amava e tinha plena consciência disso. Como também tinha consciência de que era impossível continuar daquele jeito.
Tinha consciência de que se destruiriam como meteoros na superfície da realidade. Sabia que ele não a amava e continuava daquele jeito.
Ele dizia para afastar-se e ela amiúde repetia os mesmos erros. Ela gostava de errar. De banhar-se na dor da reconciliação e no medo de perdê-lo.
Ela gostava de sentir ciúmes, gritar, chorar. Ele era calmo, quieto, fiel. Brigavam, gritavam, juravam nunca mais se ver.
E, de noite, quando as lágrimas nos travesseiros secavam, ele voltava e ela o beijava, o mordia, o amava com toda intensidade,
com a intensidade que só os meteoros conhecem.

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

queria ter composto elephant gun. assim como queria ter sido gabriel garcia marques ou clarice lispector. mas eu não sou

A bruxa e o corvo

Até o momento, sustentei a firme crença
de que minha torre era o melhor lugar do mundo

Para observar os povos abaixo
e as estrelas acima de mim.

Mas um corvo ignóbil,
sem canto doce ou plumas macias
veio até minha janela sem barras

(As princesas nunca acharam necessário prender-me de vez na torre,
considerando que nunca desfrutei da companhia delas ou me queixei de nada)

e tornou-se uma companhia das noites solitárias.
Mostrei-lhe meus mapas celestes e minhas poções,

divertindo-me com a companhia de um pássaro noturno
que, achava eu, nada queria de mim.

Tola fui ao não notar que o corvo era um bruxo que nem eu.
Tola não, estúpida.

E este bruxo encantou-me, prendendo-me em um estado ilógico.
Será apenas a solidão da torre? me indago.

Tem de ser a solidão da torre que me faz sentir assim.
Do contrário, por que me encantaria eu pelo corvo?

Sei que sou cleptomaníaca, mas não é possível
que minha obsessão chegue ao ponto de meras esmeraldas fazerem tal estrago.

Minhas forças se esvaem e minhas colegas bruxas
(incluindo na conta umas duas fadas e outras tantas princesas)
se riem de mim com a mesma velocidade que tentam me acordar.


Eu quero acordar!
Não é são gostar de taquicardia ou enjoos!

O corvo grasna, indiferente ao meu estado.
Fez ele de propósito ou estava tão sozinho quanto eu?

Não importa, busco a garrafa de vinho na adega
e me preparo para mais uma noite ilógica.

domingo, 5 de julho de 2009

Mascarados

"Quem és tu, se retirarmos tua máscara?" Pergunta-me
"Nada sou - te responderei - pois sou eu a máscara, sou eu o palco.
Denegri-me para que tu me amasses, porém não amas a máscara. Não amas quem realmente sou"
Vendi novamente minha alma por olhos que nunca buscaram os meus. Deuses! não aprendo com meus erros?
"Talvez ames o que me tornei agora, porém nunca descestes ao salão de baile, não é mesmo?
Imbecil! máscaras são por lá traje obrigatório!
Pare com isto! Não ouse tentar arrumar os cacos!
Quebrei-a! não te fez feliz no momento?
Quebrei-a e não sei usá-la mais."
E eu, que trajava as mais belas fantasias, cuja máscara era elogiada e invejada, me fiz em farrapos para igualar nossas vestes.
Estás feliz agora, Alice? ao mirar a porcelana despedaçada?

terça-feira, 16 de junho de 2009

Ensaio sobre minha angústia

Quando sofro com saudades, vem uma angústia do útero; do ventre.
Dói fundo. Não. Não é dor. A angústia sobe do ventre até a garganta. E meu coração se aperta. E, da garganta fechada, irradia para os olhos secos. Vê como estou chorando? Não? Nem eu.
Esfrego as mãos no rosto e descubro que está seco.
Ninguém vê esse rio escapando do meu coração?

sábado, 23 de maio de 2009

Filhos de Gaia

"Sou filha da terra. Louca.
Louca de paixão pelo mar.
Nadar não sei,
minhas raízes nunca permitiriam.

Seguia fincada no chão,
com medo do que aconteceria
caso me arrancasse de minha cela.

Imersa em água,
meus galhos e folhas apodrecem.
Estou mutando.

Morrendo como me conhecia.
Recebo com a paciência que desenvolvemos
minha nova condição.

Saímos, livres,
do invólucro com o qual nos acostumamos.
A liberdade e o sal agridem nossos olhos.

Quem diria que os cadáveres de nossos irmãos
nos ajudariam a boiar?"

segunda-feira, 13 de abril de 2009

Para Gabriela I

O teu pesinho morno aqueceu meu coração gelado.
Ainda és tão pequena! Tão pequena e depósito de tantas esperanças!
O nome que te deram é o mesmo do Anjo da Anunciação.
Ai, anjinho, minhas asas tão quebradas não protegem nem a mim.
Quem és tu? –Me pergunto. Como podemos ser tão idiotas
e entregar nossos corações às mãos de um estranho?
Gabriela, meus sentimentos infundados transbordam no papel.
Eu queria que transbordassem em lágrimas,
mas essas já secaram há muito tempo.

quarta-feira, 11 de março de 2009

Morena

"A ginga da dança embriaga, enfeitiça.
Requebra, morena. Balance os quadris,
Os ombros, a cabeça. Remexe, morena,
Mexe com meus sonhos.

Morena, teus cachos são serpentes
Teu sorriso, um feitiço
Ô, morena, teus pés mal tocam o chão.

Te entregas à dança,
Mas nunca aos teus pares
Ô, morena, ninguém é dono teu.

E, na umbigada, teu corpo esguio
Quase se confunde com o meu.
Quase, morena, quase me esqueço
Que ninguém é dono teu."

terça-feira, 3 de março de 2009

Dança de salão

Nessa quadrilha furiosa que rege minha vida
Não há pausas para fôlego.

Mesmo com os ritmos se alternando do bolero à polca.
Sem choro, Maria. Sem choro nem vela.

Essa quadrilha é mascarada e me toma de assalto,
Sem tempo para ilusões dentro da ilusão.
E me afoga, me agita e eu sucumbo. Impotente, sucumbo.

Não vejo os rostos de meus pares. Não que faça alguma diferença.
Mas ouço sempre suas vozes

Sussurrando em meus ouvidos doces palavras
“...a melhor dança que tive.”

E jogo minha cabeça para trás e rio.
E finjo –é parte da coreografia– que sou de fato a única

e que são de fato meus únicos também.

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

A quimera

"Estou presa de novo
nessa vida tola e medíocre
nesse ostracismo sem fim.

Estou presa de novo
nesse presente ultrapassado
com essa gente tão diferente
tão diferente de mim.

Estou presa de novo
e cortam minhas asas
garantem que eu não voe.

Estou presa de novo
cansada e ferida,
mediocrizada e convencida
que esta gaiola pequena demais

foi feita para mim."


Hmmm... Aulas me torram o saco.

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

Ana

"Que estás fazendo, Ana?
No que estás pensando, louca?
Que estás fazendo, insana?

Que estás fazendo, Ana?
Nesta roupa pouca,
nesta festa profana?

No que estás pensando, Ana?
Dançando, sorrindo,
esta carnavália febril?

Não vês as gentes chorando, Ana?
Brigando, pedindo,
sem pátria-mãe gentil.

Pára, louca!
Pára, profana!

Me deixes em paz!
E não dances, não pules,
nas covas dos meus ancestrais!"


Esse é sobre a minha loucura. Acho que somos todos loucos de um jeito ou de outro. Me inspirei em um poema que Mario Quintana fez sobre a dele e fiz esse aí sobre a minha. Dei um nome à ela, Ana.

domingo, 15 de fevereiro de 2009

Usura

"O que aconteceu?
O que eu quero?
Não sei. Não sei nada.

O que me falta?
Cadê você?
[Quem é você?

Cadê você,
com seu perfume, sua voz?
Cadê você?
Você, que comprou meu passado
[e roubou nosso futuro?

Cadê?
Você, que recolheu minhas lágrimas
e suas promessas numa ampola
e prometeu guardar como amuleto?

A porta do céu custa só uma moeda."



Esse poema foi feito para uma pessoa, mas acho que o postei por culpa de outra. Quem vai saber?

terça-feira, 27 de janeiro de 2009

Brasil

Nenhuma terra me pertence
Como poderiam, os rios, as montanhas
"ser" de alguém?
Pertencer, pertenço eu a esta terra.
Com minhas cores, meus tons,
criados à sua imagem e semelhança.
Minha terra não é Rio, mata,
São Paulo ou Salvador.
Minha terra, que me gerou e vai me engolir,
tem o nome vermelho do sangue derramado
por toda ela.
essa terra de nome dos restos do fogo
Brasail
Brasil

quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

Gelo

As pessoas não me completam.
Não me derretem.

Me sinto um cubo de gelo,
de longe sou fria, compacta.

Mas é só se aproximar
e verá como eu sou cheia de vazios,

como eu sou frágil,
como posso queimar.

Eu mesma não me preencho,
não me basto.

Sinto falta do que eu não fui.
Sinto falta do que eu não tive.

Sinto falta de um passado que não existiu.

Porque não existem fotos dele.
Porque não existem relatos dele.

É como se o “eu” no qual sempre acreditei
fosse meus vazios.

Acho que, como o tal gelo, sou desagradável.
Em um primeiro momento, refresco,
te dou algum prazer.

Mas então, quando estou derretida, quando estou plena,
começo a queimar ou a ser inútil.

Inútil...