Hai-kai, Mario Quintana

"Rosa suntuosa e simples,
como podes estar tão vestida
e ao mesmo tempo inteiramente nua?"

quinta-feira, 21 de março de 2013

Creio que troquei você por comida japonesa.

sexta-feira, 15 de março de 2013

Circo de horrores

Balança em rangido sobre meu corpo em sobreaviso
Uma bigorna imensa, negra e magnetizada.
Sou o imã dessa desgraça, sou seu ponto de repouso.

Balança, negra de horror,
Gelada impiedade. Sou o imã de sua desgraça,
Sou sua força motriz.

Corda bamba, mi vida, sob a bigorna,
Sobre a multidão, sobressalto o grito
Sobre o aviso. Bigorna negra, corda bamba,

O público ruge. Urge que eu caia
Ou roga que me acalme?
A música aguda me lembra do cordame

Que me ameaça com a bigorna.
"Posso romper Posso romper
Segue a baila, segue o smile."
Smile, baby. Gatinha, gatinha,
Sete vidas cai de pé

Eu vi no Looney Tunes,
A bigorna é o que é.
Eu vi no Looney Tunes

Você era uma panqueca e corria outra vez.
Gatinha, gatinha, o peso da bigorna está no peito,
Não no cordame, não no público.

Salta!

Se não tiver rede embaixo,
Eu vi no Looney Tunes!,
Você vira panqueca e corre outra vez!

A flor


O rosto dela balança no broche preso na bolsa da moça.
O rosto dela balança com o balanço do tecido
E surge entre dobras e pregas

No meio de uma reunião, no meio de um ato,
No meio do nada.

Rosto altivo de lutadora, na bolsa de tanta gente que luta
Na blusa de tanta gente que busca.

Seu camarada amante teve o rosto deixado para trás,
Mas ela ressurge de onde menos se espera
Em foto séria, sem traços da ironia presente nos textos,
Sem traços do espinho de flor que é seu nome.

Vermelha flor, vermelha bandeira,
No broche na bolsa na blusa no bolso
No peito
No livro
Na luta que segue.

quinta-feira, 14 de março de 2013

Eu tenho uma coisa estranha, que sobre,que aperta, que sufoca do nada. Eu tenho uma coisa estranha que arrasto qual baú pesado vida afora. Coisa estrangeira dentro do meu peito e que, no entanto, é tão eu quanto todo o resto de mim. Amar o que há de forte, o que há de potência é aceitar meu quarto escuro, meu peso no peito e a melancolia que invade de supetão.
Para fazer poesia é preciso um pouco de tristeza e angústia temperando a vida. Ame-a também, ame-a e juro que a transmutarei em ofertas de beleza de quando em quando.

terça-feira, 5 de março de 2013

Apenas

A minha vida estava bem. Mas aí, de repente, ela não estava mais. Todos os quadros foram arrancados das paredes ao mesmo tempo e o estilhaço de seus vidros feriu meus pés.
Você esteve lá. Não constante. Não intenso. Não amor. Mas lá. E eu tinha um pouco mais de força para fazer curativos e um pouco mais de força para limpar os cacos e um pouco mais de força para colocá-los no lugar. E um pouco mais de doçura para olhar a janela e ver o sol, quando você me abraçava pela cintura e respirava meu cheiro em silêncio.
Eram muitos cacos e muito pó. Muitos esqueletos nos meus armários. O meu quarto escuro era muito escuro para você. E você era quente e eu queria que me abraçasse, quente e constante. Você não quis. E não quer.
E foi embora.
Eu já tinha alguma coisa da minha força de volta. Tinha vontade de ter vontade. E achei outras coisas para além de você. Só sentia saudades ao sentar numa réstia de sol e lembrar como era quente, como era bom. Como era inconstante e só.
Eu fui paciente, constante, desprendida, leal. De vez em quando pedia um pouco de você, de vez em quando lembrava-lhe de que lhe amava, de vez em quando... Mas veio nova tempestade e novos quadros foram arrancados. Eu sentei no chão, tremendo e ferida.
Você apareceu à janela e eu achei que vinha me ajudar novamente. Não precisava me abraçar, nem ser constante, nem ser intenso, nem ser amor. Só precisava tirar uns cacos cravados que me feriam, eu pensava. Mas você só apareceu à janela e falou de sol, me falou para limpar tudo de novo. E foi embora.
Tive raiva. Tive medo. Tive saudade. Fui dura. Fomos duros. Fiquei só. Pensando bem, na maior parte do tempo estive só. Você esteve comigo, mas por tão breve, por tão pouco. Se eu não estivesse cortada, só, com medo, talvez eu não quisesse tanto seu abrigo. Mas quis. Acho que ainda quero.
Fechei a janela. Com raiva. Com medo. Com despeito. E pensei: "Sozinha. Sozinha. Sozinha.". E pensei: "Nunca mais,"
Você voltou. Pelo tempo de uma lufada de ar que levanta a saia. Pelo tempo de uma flor que murcha. Pelo tempo de um corte que sangra. Pelo seu tempo. Sempre curto. Sempre só isso. Só.
E eu percebi que, quando você voltava, eu deitava sobre cacos para que você deitasse sobre mim. Eu deitava sobre o frio para estar sob o seu calor. Quando você estava, eu estava só.
O que eu faço agora?

sábado, 2 de março de 2013

Águas de março

Eu queria querer não te querer,
Mas a verdade é que, no raso e no fundo, eu não quero não.

Quero dançar em seu derredor,
Quero rir baixo e alto

E quero que você queira também.

Mas a verdade é que, no dito e no não dito, você não quer não.

Chove e há cheiro de maresia na Tijuca.
Hoje é dois de março e sinto sua falta
Tanto quanto eu sinto falta dele.

Nenhum de vocês dois voltará para mim.
Ele não voltará em absoluto,

Você não voltará a agosto.

Não há como não ter ido a Brasília
Não há como não ter chovido e chorado no comício
Não há como sentar no balcão e comer berinjela
E falar do futuro.

Meu futuro é em eu
E eu queria que você quisesse tanto quanto eu
Que ele fosse em nós.
Mas a verdade é que você não quer não.

sexta-feira, 1 de março de 2013

Mora na filosofia

Jurei a mim mesma que não voltaria ao píer.
Jurei a mim mesma que já bastava de sal.

Mas você, por motivos que desconheço,
Retornou ao meu continente por um breve instante
E eu retornei aos seus braços e beijos.

Não quero aprender a abandonar você.
Eu queria querer, mas a verdade é que não quero.

Quero seus braços em meu corpo
Quero seus beijos em meu rosto
Quero seus dedos enlaçados aos meus.

E mergulho na água salgada sentindo os olhos arderem
Sentindo que misturo lágrimas ao mar
Sentindo que você não percebe ou não se importa ou finge bem.

De manhã andamos juntos pela praia até as pedras
E, aproveitando uma lufada de vento e realidade,
Você foi embora outra vez.