Hai-kai, Mario Quintana

"Rosa suntuosa e simples,
como podes estar tão vestida
e ao mesmo tempo inteiramente nua?"

quinta-feira, 24 de julho de 2014

cálice

É noite. O sangue inesperado manchou minhas roupas mais uma vez.
Bem no meio da cartela.

Faz tempo que ninguém me toca,
Então não pode ser um aborto
(nem das outras duas vezes podia ser um aborto),

Mas eu penso nas pontadas ocasionais
E nos sangues não requisitados,

E é como se eu visse meu futuro escorrendo pelas pernas.
Nunca pensei que "abortado de medo" pudesse
Ir além de uma metáfora.

Vazia, encharcada de sangue,
Penso em mim mesma como um possível defeito
E a amargura me toma a boca

De mais um sonho a não ser realizado.
Meu futuro escorre pelas pernas,

Não abortado, nunca existente.

domingo, 20 de julho de 2014

julhina

Quando você se aproximou eu tentei manter o decoro.
Meu estômago deu um nó e eu queria você longe.
Eu estava feliz, vendendo e distribuindo meu afeto.

Eu estava feliz, nos braços da menina de sardas.
E você veio para o meio dos meus amigos.
Esqueci da menina de sardas, só pensei em não te ferir.

Ha, que mentira!

Pensei foi em não te dar motivos para me ferir de volta.
Você é uma pantera, não um gatinho.
Não acredito nessa sua pose de mártir,

Não acredito que você aprendeu porra nenhuma
Ou que não vai querer se vingar de mim de novo.
Conscientemente ou não.

Como você gosta de fazer as coisas involuntariamente!
Como é bom ser irresponsável!

Eu não sou. Pus a menina num abraço casto
E fiquei te olhando de tocaia, esperando você partir.

Interrompi seu flerte com outra menina bonita.
Roubei ela dos seus braços e giramos.
Te olhei de tocaia, me vingando do que você não fez.

Sou pantera também. Bicho ferido e vingativo.

sábado, 19 de julho de 2014

gaza

O ruído dos prédios desabando
Não foi suficiente para abafar o choro das crianças.
A poeira branca cobria tudo

E eu pensava "como vim parar em Gaza?"
Enquanto abraçava a minha garota de Ipanema
Como se ela fosse minha criança, pequena e preciosa.

Foi quando veio a maca pela entrada do subterrâneo
Com médicos da Cruz Vermelha, poeira e sangue.
Sangue no chão e uma cabeça que tremia.

A maca passou por mim. E eu vi que era você.
Você quem morria e espumava, com o corpo queimado.
Foi como se os mísseis houvessem queimado minha carne

Foi como se o pior que esperei na barricada houvesse acontecido.
E eu gritei. Gritei tanto, enquanto me jogava na maca
"Não me abandona! Não me deixa sozinha!"

Gritei seu nome e chorei no sonho.
Você entreabriu os olhos e me viu
Foi quando eu acordei com o rosto molhado
E a garganta doendo.

As coisas se misturam. O massacre e a partida.
Matei você no meu inconsciente
Porque é como se você estivesse morrendo aqui dentro.

"Não me abandona! Não me deixa sozinha!"

sábado, 12 de julho de 2014

da raiva

Jogaram a sua escova de dentes fora.
Eu não tive coragem.
Troquei o toque do seu telefone também, pus igual aos outros.

Ainda me iludo achando que você vem me buscar.
Que vai fazer coisas que nunca fez
(Como correr atrás de mim, arrebatadoramente).

Eu estava calma e controlada,
Mas a raiva cresce. Porque sinto sua falta.

E tenho raiva que você venha à Tijuca por outros
Mais vezes em menos tempo do que
Você jamais veio por mim.

E me dá satisfação de olhar sua escova no lixo
Pensando quão pouco você a usou.

Ao mesmo tempo acordo triste
Por ter dormido bêbada tentando te ligar.

Meu coração dói de raiva e saudade.
E faço planos pro futuro,

Sentindo falta do nosso presente.

quarta-feira, 2 de julho de 2014

XII

Eu odeio quando você bebe.
Odiava quando meu corpo queimava e você
Só queria estar com outros e, em casa, dormir.

Hoje odeio quando você bebe
E inventa desculpas para me fazer algum carinho
E vem me dizer que tem tanto a dizer
E busca um jeito de me manter perto.

Odeio quando você bebe
E, no outro dia, esquece de ser constante
Esquece de mim tudo de novo.

Odeio quando você sorri,
Quando vem me perguntar dos meus dias
E diz "Vamos marcar algo algum dia".
Bem cariocamente.

Não quero mais nada de inconstante,
Nada incerto. Não quero mais correr atrás de você.
Odeio quando você age como se nada tivesse acontecido
Como se nunca tivéssemos estado juntos
Ou como se nunca tivéssemos terminado.

A verdade é que passa o tempo e minhas exigências crescem
Porque diminui minha indulgência,
Fruto daquele amor doce e quieto
Que você nunca entendeu.