Hai-kai, Mario Quintana

"Rosa suntuosa e simples,
como podes estar tão vestida
e ao mesmo tempo inteiramente nua?"

quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Afogamento

"Como se houvesse rompido o lacre de uma represa, agora sou sufocada por lágrimas que tenho de conter. As portas da dor, da vergonha e da confusão se escancaram de par em par dentro de mim e, sozinha, me demoro em suas soleiras implorando que tais monstros não deixem a reclusão, não mostrem suas feições assustadoras e não me forcem a explicar a outros como estes vieram morar em mim.
O mundo fora do mundo encarnado que habito me interessa erraticamente. Por vezes estou confortável; as portas se encostam e brinco e gargalho. Na maior parte do tempo...
'Você está bem? Quando está tão calada parece que há algo de muito errado acontecendo.'

Bem sabem meus travesseiros molhados quão errada estou."

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

G

Separo minhas coxas para receber em mim o encontro.
Sagrado ato de louvor à vida.
Meus músculos tensionam, relaxam, devoram.

Louvor à vida digo, mas não confundam;
Meu louvor afasta-se da concepção, encerra-se no orgasmo.
A gravidez me é desejada quando imbuída de prazer e sonho.
A todo o resto ponho fim.

Separo minhas coxas, exponho o sensível de mim,
Enlaço com braços e pernas, danço.
Gozo, nirvana, pequena morte, explosão, orgasmo,

Encerra em teu suspiro todos os hinos do mundo.
Após tua visita, plenitude.
E, da plenitude, sono.

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Monções

Falta em mim amor perene
Folhas largas e chuva forte.
Falta em minha terra fértil
Ciclo longo de amor e morte.

Rosa Vermelha

Eu não sei não viver-amar. Não sei não estar em paixão.
Amo a lua, amo as árvores,
Amo o sangue que corre nas minhas veias e nas suas.

E amor me é prazer, amor é querer liberdade
Querer plenitude, querer cachoeira e eclipse.

É, portanto, por amar que sofro quando
Nosso sangue tinge de vermelho as ruas.
É por tanto amar que abraço vermelho, a cor.

É, portanto, por tanto amar em nós, em vermelho,
Que amo-sonho-luto em Nós, Vermelho.

E sorrio ao ouvir brados
E choro lágrimas nossas
E digo: comunismo.

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

A Descoberta

"Afastados o sol quente e minhas angústias,
Relembro o peso morno de tuas mãos sobre as minhas.

Como posso eu virar-te as costas se, sem teres água,
Te dispuseras a me regar quando por água clamei?

Não sou árvore, imóvel.
Sou mulher, sou Ulisses,
E seguirei minha vida sem ignorar tuas dores, teu canto de Lorelai.

Não te aguardo. Não murcharei.
Sigo meus passos continente Eu adentro
Sem fechar a trilha aberta.

Segue teu caminho, amigo.
E vejas em mim um porto, uma trilha.

Segue mar afora, vento.
Sob meus galhos acolher-te-ei."

Se esse poema se choca com o de ontem não é acaso. Os sentimentos em mim se contradizem e são todos verdade, todos igualmente meus. Não desdigo a lamúria byroniana de ontem, apenas, hoje, prefiro me mover à moda de Lispector (qualquer semelhança não é mera coincidência).

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Desertificação

"Desfrutando a sombra de meus galhos,
Meu filho do vento explica-me que fará a viagem ao Nada.
Pede-me que eu permaneça no píer, que minhas folhas sigam verdes.

Como não? Permiti-me lançar raízes neste solo,
Permiti-me amar o sal.
Permaneço, lhe respondo.
Mas, sem que me regues, murcharei.

Amor com a amor se paga.
E me pedes que pendure no fiado.

E me pedes que te sombreie a fronte amada,
Que aguarde.

Aguardo. Murcharei."

Uma amiga me chamou a atenção para que parecia que eu murcharia sem a presença do vento. Creio que o poema realmente dá essa impressão, mas eu não chego a tanto. Sem água, murchará meu sentimento, murcharão os sons que o continente verde fizera brotar em mim. Sem água, volto a desertificar (como nunca paro. Os ratosangústias roem as bordas de mim sempre e para sempre. O afeto é só um bálsamo. "Só".). Sem água, o peso da vida escrota é maior.
Mas eu já decidi há muito que sou maluca, que quero ser feliz, que ainda hei de encontrar um momento, um lugar, um par de braços onde eu possa chorar e ser sem dor. Enquanto isso, sigo sombreando frontes sem pouco ou nada cobrar. E tendo azia.

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

No píer

Eis que abri por engano meu coração leviano
A um marinheiro. Louvei a franqueza de seus sorrisos
E a doçura de seus lábios. Voei.

Amar, verbo intransitivo, complicado e transitório.

Havia uma fissura na coluna do Edifício Eu,
O peso dos ombros, o peso da vida escrota,
A súbita exposição do meu segredo vil,
Rachou de cima a baixo minha pseudo-sólida estrutura.

Em minha coluna agora há uma cruz.

E eu, que amo um filho do mar,
E eu, uma filha da terra constante em desejos e sofrimentos,
Decidi não tentar conter em meu derredor aquele que deixei entrar.

E, aberta, pulsando, fiz do cais minha morada.
E, aberta, pulsando, fiz das ondas companhia.
Meu filho do mar é feito de vento (Meu? Não é de ninguém)

E o vento venta onde quer. Quando quer. Como quer.
As árvores não têm o direito de acusá-lo por ser vento,
Ninguém tem o direito de acusá-lo por ser vento.

Eu sentei no píer. Eu abri minhas portas.
Eu me encantei pelo sal.
Eu me sinto só. Ferida, salgada, sem direitos e só.