Hai-kai, Mario Quintana

"Rosa suntuosa e simples,
como podes estar tão vestida
e ao mesmo tempo inteiramente nua?"

sábado, 22 de maio de 2010

Fusão

As primeiras gotas começaram a escorrer.
O simples fato de minhas mãos estarem (dormentes e)
prensadas no gelo fê-lo derreter-se

e mal pude, então, ocultar os arrepios
que me tomavam de assalto.
Tu estavas de volta para mim.

(Só para mim, me iludo)

Como os ventos invernais, tentas escapar
ao mesmo tempo em que trocamos carícias.
Mas tenho comigo a brisa primaveril

que, transfiguração de meu hálito morno,
impõe o afeto tácito entre nós.
Afeto esse que suplantou o medo que eu tinha do frio.

As gotas formam poças
e nas poças há grama.
Fico feliz, o gelo está partindo

e não importa se o que vem é a primavera nórdica
ou o inverno tropical. O que importa é que já posso ouvir
as Quatro Estações tocando.

Dança comigo de novo?

sábado, 15 de maio de 2010

A tola neve

"A dança das flamas cega meus olhos
insistentes, que não se desviam da fogueira.
Posso eu, o Inverno, abraçar as brasas?

Menina filha da neve, com um fogo ardente no peito,
teu hálito alimenta a combustão, desfazendo-te.
Te derretes pouco a pouco, tentando alimentar teu assassino.

Todos os filhos do frio têm uma pedra de gelo como coração,
por que quiseras tu ser diferente, sabendo que morrerias?
Sofro por ti, mas nada posso fazer.

Com a minha chegada, teus irmãos se vão.
Menos tu, que lutas contra esse fluxo de lágrimas
que estás te tornando.

Não posso apagar-me por ti, não posso, criança.
Por mais que me esconda atrás de morros,
o Tempo e os cânticos dos povos me chamam.

Vou matando teus pares um a um
e te vejo perecer sorrindo, estás feliz com meu calor.
Suspiro. Por que, tola, por que foste te apaixonar
pelo Sol da Primavera?"


O "Poema Sazonal" me fez lembrar desse.
Pronto, postei.

quarta-feira, 12 de maio de 2010

Poema Sazonal

Tenho os braços frouxos, pendentes.
Esta flacidez deve-se à tua ausência.

Não paro de sonhar. Não contigo.
Me afogo em um lago gelado
e te vejo. Não te culpo.

Tinhas alertado-me a respeito da finura do gelo.
Do nosso gelo.
Não era de verão nosso affaire,

Era de gelo.
De gelo e minha primavera quebrou tudo.

Eu sou a primavera tropical.
Creio que comecei a derreter-te
e tu és o inverno nórdico. (Não havia como aguentares)

Te sinto agora atrás de uma grossa
parede de gelo em estado de latência.

Não ouso tocá-la.
Não ouso nada.

Senti o frio e agora tenho medo.

Não que eu queira que sejas o verão
(O inverno tropical me bastava)

sábado, 1 de maio de 2010

A torre de mármore

"Quando cheguei atrasada à torre e descobri as tranças que a Princesa deixara para trás ao fugir com Cyrano de Bergerac, desesperei-me.
Arranquei-as da janela e me recolhi ao choro.
Quando inundei os campos e as vilas com meu rancor e deixei o solo infértil, as lágrimas secaram com as plantas.
E então me inclinei à janela e descobri as delícias de observar o mundo de um pedestal. Sem Príncipes, Cyranos, Narcisos ou Abismos.
Apenas as visitas eventuais de Ícaros, dos doces Pássaros da Noite tão sozinhos quanto eu.
Quando percebo que meu coração estúpido começa a ensaiar um Carnaval fora de época, troco o alpiste por chumbinho e fico sozinha novamente.
Melhor assim. Não devo esquecer que sou uma Bruxa e que assusto. Não devo esquecer que sempre haverá Princesas que usam gaiolas em vez de alpiste.
Não devo esquecer que estou em uma torre e, se me inclinar demais, será um longo caminho até o chão."

Esse texto é a origem de todos os textos envolvendo Cortes e Torres, para os que queriam saber.