Hai-kai, Mario Quintana

"Rosa suntuosa e simples,
como podes estar tão vestida
e ao mesmo tempo inteiramente nua?"

quinta-feira, 22 de março de 2012

poema de carne e osso

Estátuas não amam. Deusas não existem.
Espíritos não possuem lábios para beijar.

Se me queres, não me distancies,
Não faça de mim um mito sobre o querer.
Abraça-me. Dance comigo. Veja meus defeitos,
Briguemos. Façamos as pazes.

Só não me engesse. Não me torne ídolo ou assombração.
Não me chame por “princesa”, “deusa”, “musa” e suas variações.
Aceito outros nomes que não o meu; nomes humanos,
De bichos ou de plantas, mas nomes de coisas que perecem, de coisas imperfeitas.

Chama-me de “flor”, de “rosa”, de “raio” ou de “rio”,
Chama-me sem nomes, mas lembra-te sempre que sou humana.

Humana. Humana. Humana.
Fatigável, irritadiça, inconstante, exagerada.
Sangro, suo, choro, salivo. H-u-m-a-n-a.

Fugi da Primavera porque tanta idealização sufocava tudo o que havia de bom em mim.
Fugirei de tantos outros que me empurrem a um pedestal.

sábado, 17 de março de 2012

16 de março de 2012

Às vezes olho, sinto, respiro e me pergunto:
O que sou eu? O que faço aqui?
A consciência do mero ato de existir me oprime.
Seja na solidão do meu quarto, no rodamoinho da faculdade,
Na balbúrdia de uma festa ou o fedor da Rua do Ouvidor.

Existo e sou finita. Finita em tudo, embora potente.
A potência do vir-a-ser é também opressora,
Assim como a imutabilidade do que já fui.

Nos dias nublados em que meus desejos
Comprimem tudo por dentro e se esvaziam em irrealização,
Sou blasé, existencial. Sou, apenas,
Esperando por um raio de sol que me reanime as faces.

quinta-feira, 15 de março de 2012

Intrauterino

A Lua Cheia provoca em mim a maré vermelha,
Escamação do ninho não fecundado,
E o sangue nutreico vem misturado ao alívio e à gratidão.

Se a fertilidade da Lua Nova trouxesse por ventura a fecundação,
O sangue não viesse e surgissem os temidos sinais,
Seria eu assombrada pela deformação de minhas formas
E o arredondamento de meus ângulos.

Não que eu fosse permitir ou experienciar essa vivência;
Um gérmen indesejado seria arrancado a doses de pesticida
Ou golpes de ancinho, não importa.

Importa que meu cálice passa pelos ciclos de meu desejo
E que nenhum broto me assombrou até hoje.
Assim, como lobismulher, a cada Lua Cheia purgo
E expulso as velhas escamas inutilizadas.