Hai-kai, Mario Quintana

"Rosa suntuosa e simples,
como podes estar tão vestida
e ao mesmo tempo inteiramente nua?"

terça-feira, 18 de dezembro de 2012

O afeto é um fio quente que pode até ser infinito. Quando o ser amado se afasta um pouco, o fio estica o carretel do peito e a gente dói em saudade.
O afeto é um fio quente trançado a muitas mãos. Para ser perene bastam quatro.
O afeto é um fio quente, com um carretel grande que balança quando andamos em pulsações que vibram no corpo todo. E derrete em abraço.

Trilha

Admito que, há tempos, o sal me gretou os lábios
E me pus a recordar teus afagos.

Meu coração se desfez em areia nas tuas mãos.

E sigo andando meio melada de iodo, meio arranhada de caixote,
Cada vez mais para longe da orla,

Cada vez mais para longe de ti.

Sinto ainda o cheiro de maresia, pois sou eu meio criança do oceano.
Filha da terra, criada às margens do oceano.

Vejo que tua viagem ao Nada não significava retorno ao meu porto,
Vejo que nem sequer me pediras que esperasse.

E levantei e segui.
Com minhas pernas de terra, meu cabelo duro de sal,
Sigo sempre. Apesar de.

Apesar das saudades, apesar das feridas, apesar das frustrações.
Porque as flores e as borboletas e mesmo o chão que piso
E o mar que navegas
Seguem sem nós. Seguem apesar de nós.

E eu optei por ser em constante luta
Em constante busca de plenitude.

Ser em constante com o sol que nasce e morre
E me banha em calor e diz...
Que me diz o sol?

Em constante com a terra, ando.

terça-feira, 27 de novembro de 2012

Desengaiolar

De mim brotam sons alegres e lágrimas de alívio.
Toneladas de cimento, de meus ombros removidas.
O contentamento veio travestido em notícias

E sinto, como por magia,
O medo das marcas desaparecerem.

É como se um vento soprasse dizendo:
"O mundo sabe que o seu segredo é real"
"O mundo sabe que a sordidez não é sua"
Certo, não o mundo. Mas, ao menos, parte dele.

E danço; só e feliz.
A música é música em meus ouvidos.
Eu me perdoo

e me abraço.

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Da falta

De todas as coisas que não fiz com você,
Mais me faltam aquelas cuja promessa solenemente leviana
Me encheu a boca em doce,

Me encheu o peito em vazio,
Me encheu o estômago em côdeas de esperança.
Sinto-as se digerindo em ácido
A cada cartaz que vejo do que não fomos.

E te busco. Mais em suspiros que sonhos.
E te busco, com meus dedos no quarto escuro.

Ver-te é tortura balsâmica.
Se desaparecesses, o ácido inundaria minhas roupas.
Então ainda sento no cais
E molho meus pés no sal

Vendo ao longe sua flotilha.

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Chá para dois

Afastam-se os elefantes da manada
Para, em resignada nobreza, morrerem.

Menos os brancos.
Estes seguem pairando entre os comensais
Em sua saudosa inexistência.

Tomo chá com a morte vestida de saudade
Bebemos vida e festa.
A morte é viva, pois os mortos já não morrem mais.

Bebemos vida e festa
E dançarinos nadam no chá.

A morte é viva
E os elefantes brancos moram no açucareiro.

quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Afogamento

"Como se houvesse rompido o lacre de uma represa, agora sou sufocada por lágrimas que tenho de conter. As portas da dor, da vergonha e da confusão se escancaram de par em par dentro de mim e, sozinha, me demoro em suas soleiras implorando que tais monstros não deixem a reclusão, não mostrem suas feições assustadoras e não me forcem a explicar a outros como estes vieram morar em mim.
O mundo fora do mundo encarnado que habito me interessa erraticamente. Por vezes estou confortável; as portas se encostam e brinco e gargalho. Na maior parte do tempo...
'Você está bem? Quando está tão calada parece que há algo de muito errado acontecendo.'

Bem sabem meus travesseiros molhados quão errada estou."

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

G

Separo minhas coxas para receber em mim o encontro.
Sagrado ato de louvor à vida.
Meus músculos tensionam, relaxam, devoram.

Louvor à vida digo, mas não confundam;
Meu louvor afasta-se da concepção, encerra-se no orgasmo.
A gravidez me é desejada quando imbuída de prazer e sonho.
A todo o resto ponho fim.

Separo minhas coxas, exponho o sensível de mim,
Enlaço com braços e pernas, danço.
Gozo, nirvana, pequena morte, explosão, orgasmo,

Encerra em teu suspiro todos os hinos do mundo.
Após tua visita, plenitude.
E, da plenitude, sono.

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Monções

Falta em mim amor perene
Folhas largas e chuva forte.
Falta em minha terra fértil
Ciclo longo de amor e morte.

Rosa Vermelha

Eu não sei não viver-amar. Não sei não estar em paixão.
Amo a lua, amo as árvores,
Amo o sangue que corre nas minhas veias e nas suas.

E amor me é prazer, amor é querer liberdade
Querer plenitude, querer cachoeira e eclipse.

É, portanto, por amar que sofro quando
Nosso sangue tinge de vermelho as ruas.
É por tanto amar que abraço vermelho, a cor.

É, portanto, por tanto amar em nós, em vermelho,
Que amo-sonho-luto em Nós, Vermelho.

E sorrio ao ouvir brados
E choro lágrimas nossas
E digo: comunismo.

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

A Descoberta

"Afastados o sol quente e minhas angústias,
Relembro o peso morno de tuas mãos sobre as minhas.

Como posso eu virar-te as costas se, sem teres água,
Te dispuseras a me regar quando por água clamei?

Não sou árvore, imóvel.
Sou mulher, sou Ulisses,
E seguirei minha vida sem ignorar tuas dores, teu canto de Lorelai.

Não te aguardo. Não murcharei.
Sigo meus passos continente Eu adentro
Sem fechar a trilha aberta.

Segue teu caminho, amigo.
E vejas em mim um porto, uma trilha.

Segue mar afora, vento.
Sob meus galhos acolher-te-ei."

Se esse poema se choca com o de ontem não é acaso. Os sentimentos em mim se contradizem e são todos verdade, todos igualmente meus. Não desdigo a lamúria byroniana de ontem, apenas, hoje, prefiro me mover à moda de Lispector (qualquer semelhança não é mera coincidência).

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Desertificação

"Desfrutando a sombra de meus galhos,
Meu filho do vento explica-me que fará a viagem ao Nada.
Pede-me que eu permaneça no píer, que minhas folhas sigam verdes.

Como não? Permiti-me lançar raízes neste solo,
Permiti-me amar o sal.
Permaneço, lhe respondo.
Mas, sem que me regues, murcharei.

Amor com a amor se paga.
E me pedes que pendure no fiado.

E me pedes que te sombreie a fronte amada,
Que aguarde.

Aguardo. Murcharei."

Uma amiga me chamou a atenção para que parecia que eu murcharia sem a presença do vento. Creio que o poema realmente dá essa impressão, mas eu não chego a tanto. Sem água, murchará meu sentimento, murcharão os sons que o continente verde fizera brotar em mim. Sem água, volto a desertificar (como nunca paro. Os ratosangústias roem as bordas de mim sempre e para sempre. O afeto é só um bálsamo. "Só".). Sem água, o peso da vida escrota é maior.
Mas eu já decidi há muito que sou maluca, que quero ser feliz, que ainda hei de encontrar um momento, um lugar, um par de braços onde eu possa chorar e ser sem dor. Enquanto isso, sigo sombreando frontes sem pouco ou nada cobrar. E tendo azia.

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

No píer

Eis que abri por engano meu coração leviano
A um marinheiro. Louvei a franqueza de seus sorrisos
E a doçura de seus lábios. Voei.

Amar, verbo intransitivo, complicado e transitório.

Havia uma fissura na coluna do Edifício Eu,
O peso dos ombros, o peso da vida escrota,
A súbita exposição do meu segredo vil,
Rachou de cima a baixo minha pseudo-sólida estrutura.

Em minha coluna agora há uma cruz.

E eu, que amo um filho do mar,
E eu, uma filha da terra constante em desejos e sofrimentos,
Decidi não tentar conter em meu derredor aquele que deixei entrar.

E, aberta, pulsando, fiz do cais minha morada.
E, aberta, pulsando, fiz das ondas companhia.
Meu filho do mar é feito de vento (Meu? Não é de ninguém)

E o vento venta onde quer. Quando quer. Como quer.
As árvores não têm o direito de acusá-lo por ser vento,
Ninguém tem o direito de acusá-lo por ser vento.

Eu sentei no píer. Eu abri minhas portas.
Eu me encantei pelo sal.
Eu me sinto só. Ferida, salgada, sem direitos e só.

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

E ele foi embora de carona em um rabo de estrela cadente...

"Maria que escreve
Coisas que enternecem
A vida"
Raymundo Araújo

Normalmente, para me despedir, eu coloco algo que fiz para quem amo que voltou a ser estrela, mas para o Ray eu precisava usar algo dele. Porque seus haikais dizem sobre mim e sobre o tipo de pessoa que ele era: afetuoso, simples, do outro mundo. Eu sempre pensei no Ray como um duende de que gosto muito, agora acho que corro o risco de encontrá-lo brincando de esconde-esconde nas flores da minha varanda ou montando uma gota de chuva.

terça-feira, 28 de agosto de 2012

O oásis

Não há água nos céus de Brasília.
E, sob nós, repousa em silêncio
Imenso lençol freático.

Não há água nos céus de Brasília.
De longe viemos a essa terra,
Encharcados de sonhos, esperando os ventos úmidos de mudança.

É seca a terra de Brasília
E sonhamos com trovões e chuva.
Rezamos a cada nuvem que nos deixe o princípio da revolução.

Escarvamos essa terra de mãos nuas.
Escarvamos ouvindo o lago sob nós,
Esperando abrir uma fonte, uma brecha.

Mas a água que molha o chão
Escorre das frontes dos tolos.
(São gotas de sangue de sonho)

É seca a terra de Brasília
E a escarvamos com as mãos em carne-viva.
Somos tolos, estamos certos:
Choverá.

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Mar aberto

Vim do continente verde
Por essa rota estranha atrás de guerras e do rei.
Os ventos, que sempre me contaram segredos,
Pararam de soprar.

A calmaria me sufoca.
A quietude me sufoca.
Durmo o máximo possível,
Sonhando com borboletas gigantes e cantos antigos.
Terra russa
Gruda em mim
Devora minhas roupas
Antes de meus olhos.

Embora eu use a imagem,
Serão as chamas que devorarão meu cadáver.
Esse meu gosto não darei ao barro.

Então ele me toma em vida.

23/8/12

quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Idílio tropical ou Sobre afetos que libertam

Afastei-me a passos largos do Saara.
Minhas solas ainda reclamam, queimadas pela areia.
Queimei-me toda em mais um sonho
(Tão quente, tão contraditório).

Andei menos do que o esperado
E, surpresa, percebo que cheguei às Índias.
Ou sonho com minha amada Terra Papagalli?

Essa mata tão verde, tão úmida,
Apaga aos poucos a dor das queimaduras de segundo grau.
Sinto falta dos tambores e da gente feroz do deserto.

Essa gente tão livre, tão sem vergonhas,
Liberta-me com seus sorrisos francos
E suas danças. Parece-me que nunca ouvi
Ou dancei nada parecido.

E, talvez por isso mesmo, me seja tão fácil.
E, talvez por isso mesmo, seus perfumes
Façam brotar de mim sons que desconhecia.

Há sonhos belos dentro desse sonho tropical.
Há sementes germinando e sol.
Estou viva.

terça-feira, 7 de agosto de 2012

Para Gabriela II

"Você é tão rosinha e tão pequena.
Sua calma em meus braços me faz pensar
Que já me conhece desde sempre.

Eu não devia esperar tanto de você, não é justo,
(Você vai aprender logo que sua tia é tão boba!)
Mas eu queria te conhecer para sempre.

Sempre, Gabriela, é uma palavra tão grande
E você ainda é tão pequena..."


Fiz esse poema no mesmo dia em que vi minha sobrinha pela primeira vez. Compartilho-o hoje sem nenhum motivo especial além de tê-lo encontrado nos meus papeis. E por acreditar que o amor sempre deve ser compartilhado.

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Solar

Em outra era, eu sofreria pelo que quis e não foi.
Veria os dias como reflexos de mim,
Me perderia nas tramas que,
Dedaleira, armo em BDSM de mim para mim
Em um gozo estranho e solitário.

Abandono aos poucos o sado-masoquismo emocional
Aprendo com meus amigos que meus pequenos sofrimentos não são só meus
E eles parecem menores.

Quero inflar o que há de bom.
Amar o sol, rir alto e abraçar alguém.
Sinto muito fantasmas, mas cansei de nossos jogos
Cansei dessa solidão azeda.

Sou feliz. Não em um Jogo do Contente de Pollyanas e Cinderelas,
Mas em uma réstia de sol na varanda que faz explodir as cores da buganvília.

segunda-feira, 30 de julho de 2012

Acordei. Respirar é difícil quando se tem o nariz e a cabeça entupidos de catarro e sonhos.
Contos de fadas vieram me visitar essa noite. Histórias orientais também. Vi o tuaregue, vi bailes e, mais do que tudo, vi as vozes dizendo as coisas que eu devia ter feito certo.
Penso nas metáforas que criei para uma fagulha pequena que não acendeu fogueira nenhuma. Penso na madrugada sob a cerração e como a neblina entrando por meus ossos refletia tão bem a decepção e a gripe que latejam em meus ouvidos.
Penso no que não foi.

segunda-feira, 9 de julho de 2012

Afetos

Novamente meu coração borboleteia agitando-se dentro de mim.
E percebo-me inclinada a sorrir afetuosa, a acarinhar
Sem demandas me devorando por dentro.
Tenho-as, não mentiria a respeito,
Mas estamos em pacífica convivência.

Quero dançar e me esticar sob a luz de um sol morno.

terça-feira, 26 de junho de 2012

Tuaregue de olhos ferozes e voz macia

Sonhei que escrevia um texto, publicava e lia em voz alta. Sonhei que o texto era sobre um moço que entrevejo sob os panos nos quais ele se enrola. Seus panos sopram dúvidas em meus olhos: O moço se esconde por medo para pôr medo?
Não que eu goste de jogos (fiquei escaldada do gato-mia com a Fera), mas mistérios me fascinam e quero ver o rosto sob os panos. No fundo, sei que não deve haver rosto, que os panos são o moço e, para além deles, repousa o vazio.
Mas me iludo e olho os panos enquanto danço. Anseio o entrevisto, tendo plena consciência de que meus calafrios são reflexos da Lua Nova.

terça-feira, 19 de junho de 2012

Da série: despedidas.

Hoje partiu, dormindo, minha tia-avó paterna (Iramaya Queiroz Benjamin).
Assim como quando morreu minha avó Sarah, não encontro melhor registro de minha afeição a ela do que um poema que fiz ainda criança.
Se eu for a metade da guerreira que ela foi, estou realizada.


"Como o vento e como o mar
Qual título posso dar?

Vó Maia,
Assim posso te chamar?
Bom, vou direto ao assunto:
Um lindo presente eu queria te dar,
Vó Cema, sempre com imaginação
Fez logo para você um lindo presentão,
Mas e eu, o que farei?
Comprar um presente tão logo não poderei
Então, alguém me liga:
-Maria, um versinho fiz para minha irmã e amiga.
Apareceu-me uma inspiração!
O que é melhor que um presente feito com dedicação?
Portanto estou aqui, na frente do computador,
Fazendo-te estas linhas com todo o amor


6/12/2003"

terça-feira, 5 de junho de 2012

Não é sobre o hibisco

Com saudade de mortos, vivos e mortos-vivos,
Acordei bem cedo esta manhã e, me lembrando que o dinheiro da bolsa não chegou,
Decidi almoçar em casa e voltei a dormir.

Diversas razões me levam a evocar os abandonos,
Os buracos que tento disfarçar na minha trama compacta.
(Um vídeo, um sonho, novos temores, a TPM...)

Sou jovem e forte – me convenço e convenço os outros.
Forte. É desse papel que gosto, é nele que me sinto confortável.
(Lembro-esqueço o dia todo num lusco-fusco que precisa ir para o papel
Que associei, em minha infância fantasiosa, o cachorro afogado
Com o avô que “me deixara” anos antes.

Por que essa perda ainda corrói tanto?)
Uma amiga argumentou que não posso ser tão controladora emocionalmente
Se sou tão sadicamente sincera em prosa e verso. Como é possível?

(Olhei para cima e vi um hibisco.
Imaginei a mim mesma com cabelos longos e a flor rebelde em seu vermelho
Atrás da orelha. Mas cortei os cabelos, não arranquei a flor e sigo para o trabalho.)

Quando eu enlouquecia e me mantinha sufocada,
Descobri que podia contar essas coisas para mim mesma através do papel.
Depois, passei a publicar minhas tristezas, meus amores e meus anseios
Na internet. Ninguém lia, ninguém diria nada, ninguém ligava muito
Para o que havia de mais profundo e abstrato em mim.

(Eu tinha amigos. E um sentimento de solidão total que devorava tudo)

Então escrever era abrir mão do controle secretamente
(Ninguém leria mesmo),
Brevemente, para continuar a ser forte e gentil.

Publicar era o desejo de não estar tão sozinha, tão infeliz
(“Ninguém lê porque ninguém se dá ao trabalho? Por favor, se importem!”)
E peguei o hábito, o gosto.
Tornou mais fácil sorrir e a angústia passou a transmutar-se em momentos (ridículos,
Registrados para o prazer de qualquer um).

domingo, 27 de maio de 2012

A ilha e as dores remanescentes de feridas cicatrizadas

Acordei meio tonta, meio bêbada, meio de ressaca e muito incerta dos acontecimentos na noite anterior. Várias cenas iam e vinham como um sonho muito louco e, ao mesmo tempo, terno e outras cenas traziam à boca do meu estômago aquele conhecido sentimento de auto-censura e "vergonha alheia de mim mesma".
Antes de falar da minha noite de bacante, elucidarei o "conhecido sentimento de auto-censura": eu sou controladora de mim mesma, tenho medo de meus furacões e das coisas que sinto apaixonadamente, sem ver o fim e com resquícios de trauma martelando conhecidos refrões em minha cabeça ("quem você pensa que é?", "arrogante, arrogante", "agora não vão mais gostar de você", "agora todxs sabem que você é inconveniente" e afins).
Aliás, fica aqui o meu "obrigada" público aos meus detestáveis colegas de escola que me tornaram uma pessoa muito mais emocionalmente fodida, destruíram a minha auto-confiança na adolescência e me empurraram para a depressão aos 13 anos. Lembro dos rostos e nomes da maioria de vocês e tenho algo a dizer: enquanto as cicatrizes do que vocês fizeram comigo ainda me bloquearem de conseguir as coisas que desejo, eu lembrarei seus nomes e rostos e não perdoarei. Guardo algumas lembranças boas do São Vicente de Paulo, mas a maioria delas está ofuscada pelo sentimento de isolação, medo de ser reprimida o tempo todo, desejo de aceitação (ao menos, que parassem de me ridicularizar sem me conhecer) e impotência total dos adultos da escola em me ajudar minimamente.
Esse parágrafo cheio de dor e virulência evidencia bastante porque me auto-censuro tanto: morro de medo que a censura externa volte com força total, então simplesmente internalizei ela. E, quando cometo algum deslize, fico me punindo por dias (às vezes semanas, meses e até anos) a fio, pensando sobre como eu não deveria ter feito o que fiz e como queria mudar o imutável. Há um tempo me perguntaram o que eu me arrependia e queria mudar na minha vida. Racional, respondi: "Nada, porque tudo o que aconteceu comigo é o que eu sou.", mas há um bicho que se agita no meu estômago e implora que eu mude meus erros, não me apaixone por estranhos, não me apaixone por ninguém. Há um bicho que acredita nas palavras cheias de ódio ditas por pré-adolescentes maldosos e que só quer se enroscar e lamber feridas. Mas eu sufoco esse bicho. Todos os dias, todos os momentos, embora o escute na maior parte das vezes e tranque todas as portas de acesso a mim, abro as represas em textos, abro as represas na dança, na terapia, e choro.
Agora não é um momento de choro, é mais um daqueles momentos em que falo do bicho com ele amordaçado no estômago e todos os sentimentos anestesiados. Certo, talvez não tão anestesiados assim, mas não escrevo enlouquecida. Na verdade, eu não enlouqueço.
Voltando à noite de ontem.
Ontem foi um momento de inebriação, um momento dionisíaco cheio de sensações e sentimentos tranquilos. Houve encantamento simultâneo, desejos explosivos e sentimentos conflitantes.
Por fim, voltei à minha casa, à sobriedade e à vida apolínea. Empurro meu barco com as duas mãos na pedra para que ele se afaste da margem que me encantou, para que eu não afete o delicado ecossistema da ilha que visitei e para que o delicado ecossistema não me marque permanentemente. Vislumbro, não sem uma ponta de nostalgia, o véu diáfano dos sonhos concretos e dos sonhos sonhados da noite anterior tremulando sobre a ilha como uma névoa intransponível.
Gosto da torre, porque, na solidão, não há sonhos e nem despedidas. Apenas metáforas.

quarta-feira, 25 de abril de 2012

Fomos felizes. Tivemos momentos de gargalhadas incontroláveis ou de abraços gentis. Nos separamos sem uma palavra, depois de uma briga feia, depois de diversas conversas... Eu não era nada para você, eu fui sua musa, nós fomos um bom affair, você não sabia beijar... Eu ainda fuxico o seu facebook, você comenta minhas atualizações, nos vemos de relance nos corredores do IFCS, você desapareceu para sempre, você é filho de alguém que continua na minha vida...
Todos os listados acima se aplicam a uma ou mais pessoas que passaram pela minha vida, romanticamente ou não. Eu fiquei na minha vida depois que elas foram embora, mais ou menos ferida, mais ou menos incomodada, mais ou menos satisfeita.
O que sobra de bom, principalmente, são as bandas favoritas, os filmes e os livros recomendados que vão se acumulando pelos cantinhos da memória.

Você, que passou umas horas de uma madrugada na minha casa, que foi ao cinema comigo uma única vez, ainda ouço a banda que me recomendou. Você, dos cabelos multicoloridos, que me feriu como ninguém nunca tinha feito antes e que relutei tanto em abrir mão, ainda canto pela rua, ainda leio os poemas que líamos juntxs. Você, que não entendia metáforas, ainda lembro o documentário que vimos.
A explicação para a permanência do que não devia haver, creio eu, é que me apropriei - posseira - das coisas que vocês queriam me mostrar de relance, dos flashes de existência compartilhada.

O que será que eu deixei para vocês?

terça-feira, 24 de abril de 2012

Gosto das formas silenciosamente imagéticas de declarar os afetos da amizade, esse amor normalmente descomplicado,
esse amor muitas vezes assexuado, amor que vem sem casamento no fim, sem monogamia, sem sufocamento.
Gosto desse amor que eu sei lidar, que eu sei alimentar, de que eu não tenho medo.
Na amizade, estou no controle ao estar no amor, justamente pela ausência do elemento Paixão. Essa última é o que me apavora.

domingo, 15 de abril de 2012

O segundo outono.

Você desviou os olhos dos meus. Eu não acreditei. Você não estava tão bonito. Eu estava suada e acompanhada de amigas. Você estava com ela. Ela é sua nova musa? Eu pedi isso e quis morrer quando vi que estava acontecendo.
Você não era meu. Você não era a minha Primavera. Eu nunca quis usar gaiolas e deixei de colocar alpiste no nosso poleiro. Eu pedi isso. Eu quero que isso aconteça.
E eu quis sumir. Eu quis não ter visto. Eu tentei sorrir. Sou tão egoísta! Tão mesquinha! Quero tanto que você seja feliz, longe de mim e feliz, mas... mas...
Não tem lógica. Não tem metáfora bonita. Não tem nem direito um coração partido.

Acho que ver seu novo status no facebook foi como arrumar o apartamento vazio de um morto que amamos.

segunda-feira, 9 de abril de 2012

Nublada

Dia cinza-ensolarado,
Cobrindo os prédios em nuanças de um amarelo-sujo.

Meus pensamentos também variam dentro de uma limitada paleta de cores.
Penso em desejo, em vergonha, em consequências, em dor, em pequenez.
Penso no meu sangrento sonho revolucionário
(reflexo da Maré Vermelha lunar, talvez?)
Patético em seus clichês e bebês imóveis como bonecas.

Lembro a angústia real derivada dos assassinatos fantasiosos.
“E se eles nada sabiam? E se eles, ao saber, quisessem mudar?”
Lembro o peso da peixeira suja em meu quadril direito

E escrevo meus sentimentos embaixo de poesia e metáforas,
Sem grandes paixões. Minto, eu sou minhas grandes paixões,
Mesmo quando elas estão adormecidas pelo cansaço.

domingo, 1 de abril de 2012

Não é uma piada de 1º de abril

Um vazio imenso me consome por vezes e suga todas as minhas forças de andar cem passos até o mar. Continuo quieta na biblioteca abafada tentando compreender o que me faz falta e, do que compreendo, porque recuso quando me oferecem. Devo comer qualquer coisa só por ter desejo de chocolates ou continuo faminta, escolhendo entre as caixas que não me parecem apetitosas (ansiando por caixas que não estão ao meu alcance)?
Quando escolho a fome, torno-me progressivamente apática e sem forças. Quando dou chances a um doce que não me abre o apetite, fico enjoada. O problema de usar doces como metáfora para relações é que doces não têm sentimentos. Doces não criam expectativas. Não temos responsabilidades sobre os doces que pensamos querer comer e mudamos de ideia depois. Pessoas sim.
E sigo irrealizada, sonhando com uma plenitude que eu quero que seja repleta de eletricidade. Mas eletricidade e afinidade dançam longe dos meus dedos ou se apresentam apenas separadas. Normalmente, a eletricidade se apresenta junto de entorpecentes como um momento do ciclo hormonal ou uma boa dose de álcool. E vai embora na manhã seguinte. Restando o nada de nada que rege os outros momentos.
Discorrer sobre isso e saber que vivo as consequências de uma escolha consciente não altera os ônus e nem os bônus da minha escolha, apenas a torna mais tolerável.
Sigo a vida sem frescuras, olhando para os lados, dançando e rindo sem desespero. Acompanhada de amigos e amantes ocasionais. Lembro a primavera passada já sem dor, apenas como um acalanto de que, se pude vivê-la em sua plenitude, posso viver outras coisas numa próxima vez.
Talvez eu devesse recorrer ao antídoto do vazio e comer chocolates reais. Ou ir ao cinema.

quinta-feira, 22 de março de 2012

poema de carne e osso

Estátuas não amam. Deusas não existem.
Espíritos não possuem lábios para beijar.

Se me queres, não me distancies,
Não faça de mim um mito sobre o querer.
Abraça-me. Dance comigo. Veja meus defeitos,
Briguemos. Façamos as pazes.

Só não me engesse. Não me torne ídolo ou assombração.
Não me chame por “princesa”, “deusa”, “musa” e suas variações.
Aceito outros nomes que não o meu; nomes humanos,
De bichos ou de plantas, mas nomes de coisas que perecem, de coisas imperfeitas.

Chama-me de “flor”, de “rosa”, de “raio” ou de “rio”,
Chama-me sem nomes, mas lembra-te sempre que sou humana.

Humana. Humana. Humana.
Fatigável, irritadiça, inconstante, exagerada.
Sangro, suo, choro, salivo. H-u-m-a-n-a.

Fugi da Primavera porque tanta idealização sufocava tudo o que havia de bom em mim.
Fugirei de tantos outros que me empurrem a um pedestal.

sábado, 17 de março de 2012

16 de março de 2012

Às vezes olho, sinto, respiro e me pergunto:
O que sou eu? O que faço aqui?
A consciência do mero ato de existir me oprime.
Seja na solidão do meu quarto, no rodamoinho da faculdade,
Na balbúrdia de uma festa ou o fedor da Rua do Ouvidor.

Existo e sou finita. Finita em tudo, embora potente.
A potência do vir-a-ser é também opressora,
Assim como a imutabilidade do que já fui.

Nos dias nublados em que meus desejos
Comprimem tudo por dentro e se esvaziam em irrealização,
Sou blasé, existencial. Sou, apenas,
Esperando por um raio de sol que me reanime as faces.

quinta-feira, 15 de março de 2012

Intrauterino

A Lua Cheia provoca em mim a maré vermelha,
Escamação do ninho não fecundado,
E o sangue nutreico vem misturado ao alívio e à gratidão.

Se a fertilidade da Lua Nova trouxesse por ventura a fecundação,
O sangue não viesse e surgissem os temidos sinais,
Seria eu assombrada pela deformação de minhas formas
E o arredondamento de meus ângulos.

Não que eu fosse permitir ou experienciar essa vivência;
Um gérmen indesejado seria arrancado a doses de pesticida
Ou golpes de ancinho, não importa.

Importa que meu cálice passa pelos ciclos de meu desejo
E que nenhum broto me assombrou até hoje.
Assim, como lobismulher, a cada Lua Cheia purgo
E expulso as velhas escamas inutilizadas.

domingo, 19 de fevereiro de 2012

Como fazer um título que não seja óbvio já que você conhece todas as minhas metáforas? ou Para Alice

Às vezes sinto sua falta. Falta do cheiro doce dos seus cabelos, das músicas que compartilhamos, de tudo o que aconteceu naquele tempo em que as minhas paixões eram tão encaixotadas em normas e, por isso mesmo, creio, tão destrutivas. Aí mexo no seu facebook, olho suas fotos, seus comentários, suas risadas; mexo no meu HD, olho nossas fotos, meus poemas (dos seus posso apenas lembrar, já que não salvei nenhum), nossas risadas.
O problema é que me lembro de todo o mal que você me fez, todo o mal que nos fizemos, todo o mal que fizemos aos outros e me dá um troço na garganta, uma vontade doida de chorar, de gritar, de sei lá. Fecho os arquivos quase com raiva, quase com medo e só espero que um dia você pare de comentar as minhas atualizações ou que eu pare de me importar.

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Contas de vidro substituíram gradativamente as pedras preciosas que ornamentavam os camafeus da família. Ainda conservou-se o orgulho aristocrático e a certeza da superioridade divina. Eram belos, unidos e sabiam seu lugar no mundo; a República, o penhor e as imitações de jóias não mudavam nada. Continuavam olhando do topo e sendo olhados como tal. Até mesmo sua morada refletia a conjuntura de sua decadência cheia de dignidade. Recusavam-se a considerar o velho casarão de paredes encardidas como uma casa, referindo-se a ele sempre como a Morada da Mui Nobre Família.
Ficava no topo da colina mais alta da cidadezinha, cuja imponência era diretamente proporcional ao tamanho do município e que acumulava lixo entre as florezinhas de sua encosta. As salas amplas estavam, em sua maioria, inutilizadas ou transformadas em depósito de inutilidades. Muitas dessas salas não tinham telhado e, através das vigas semi-apodrecidas de madeira, entrava de dia e de noite um pouco da realidade bela, ofuscante e inegável do céu. Essas salas eram evitadas pelos habitantes, cujos olhos se feriam na luz direta do sol e a carne adoecia com as gotas frescas da chuva, preferindo locomoverem-se em espaços de luz filtrada, de ruídos humanos e verdades abafadas em senso moral e sussurros.
Era uma gente muito correta e justa, que permitia que seus criados comessem as sobras de sua comida, dormissem em uma ala da Morada e até davam roupas usadas a eles e brinquedos velhos de seus filhos aos deles. As esmolas eram uma parte essencial da vida social e, com a redução de seus recursos, tornaram-se mais um compromisso trabalhoso por desfalcarem as contas apertadas. Para não passarem pelo vexame de reduzirem-nas, reduziram as compras de vestidos novos para as moças e o salário da criadagem, que compreendia ser necessário participar dos sacrifícios em prol daqueles mais miseráveis e aceitava a dureza da vida com a dignidade e resignação aprendidas com seus patrões.
As moças daquela família, muito corretas, muito disciplinadas, andavam pelos espaços em murmúrios baixos e risadinhas abafadas, costurando, sem reclamar ou pensar, suas roupas e as de seus pais e irmãos. Os homens faziam trabalhos e discussões muito importantes, cruciais e secretas, que lhes tomavam grande parte de seus dias, exaurindo-os completamente para que se importassem com qualquer outro trabalho menor. Comentava-se aqui e ali que conspiravam a volta do imperador ou a candidatura de um deputado, embora fossem apenas boatos incertos sobre a grandeza de suas discussões masculinas.
Às mulheres cabia o monitoramento da criadagem, o relaxamento de seus maridos, a manutenção da ordem e da correção sociais, o cuidado com as crianças, o exemplo de virtude moral, a administração das finanças domésticas e das esmolas, a coesão familiar e outras tantas tarefas menores. Eram todas pequenas, rijas, sobriamente vestidas e não gastavam palavras ou emoções à toa.
Os velhos tornavam-se velhos quando todo o viço e espontaneidade findava completamente, restando apenas cascas macilentas e enrugadas, pouco manchadas de sol, mãos nodosas e macias e olhos estreitos, cobertos de rugas. As bocas completa ou quase completamente desdentadas ocupavam-se em sugar o interior das bochechas ou esboçar esgares de desdém e comentários venenosos. Eles olhavam, julgavam e usavam sua autoridade máxima para manter tudo o mais parecido possível como era no tempo de seus avós.
No meio e à parte disso tudo, as crianças cresciam meio soltas, meio esquecidas, vagando em seus valorosos corcéis de pau por reinos distantes e desbravando selvas intocadas. Entravam nas salas destelhadas da morada, cujo acesso lhes era teoricamente proibido, e olhavam o céu sem medo; davam nomes às nuvens que, ao serem chamadas, vinham comer em suas mãos. Singravam mares de riachos e travavam imensas batalhas mortais. Sentavam, meninos e meninas lado a lado, e davam histórias às coisas e pessoas que os cercavam, integrando-as àquele mundo tão seu. Dos animais e das plantas extraíam segredos místicos, belos e inúteis – as coisas só são verdadeiramente belas quando sua utilidade se encerra em ser amadas e as crianças bem sabem disso – que tentavam compartilhar com os adultos. Mas, aos adultos, já lhes era impossível ouvi-las. As crianças falam uma língua musical, transparente e feita de sonho. Então, os pobres babelizados, incapazes de falar o dialeto primeiro, sorriam-lhes complacentes e empurravam uma moeda para comprar um sorvete e seu silêncio.
As crianças faziam de suas conversas peças teatrais em que interpretavam planos para futuros que não chegariam e viagens a lugares inexistentes, usando sempre o tom sério e grave que esnobavam e temiam ao ouvirem os grandes. No fim, sempre suspiravam e, aliviadas que a brincadeira acabara, orgulhosas de suas deliberações, punham-se a correr desabaladas pelas ruas e campos, explodindo a organização delicadamente estruturada com suas risadas espontâneas e agudas.
A vida era uma agradável espera de que o futuro não lhes alcançasse nunca.