Hai-kai, Mario Quintana

"Rosa suntuosa e simples,
como podes estar tão vestida
e ao mesmo tempo inteiramente nua?"

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

A quem interessar possa,

Me ame. E ame alto, vibrante, ignore aquela poesia do Quintana e diga, demonstre e me aperte. Porque eu sou comum. Eu sou ordinariamente previsível. Sou qualquer coisa que você encontre por aí e que dificilmente fará falta em um ano ou dois.
Não, sério, esse não é um texto de lamúrias. Estou apenas consciente da minha insignificância e eu, de fato, não sou alguém que faça muita falta. Não às pessoas que eu normalmente quero que sintam minha falta. Ok, estou exagerando. Eu costumo exagerar. Mas puxe assunto comigo, me ligue de vez em quando, me chame para sair. Não deixe tudo na minha mão, eu fico sentindo que estou impondo minha presença e que você apenas me atura, já que não se incomoda em me procurar.
Me abrace, me surpreenda, faça coisas imprevisíveis porque eu penso demais, eu tenho medo demais, porque eu não vou fazer. Eu faço as coisas idiotas que aprendi com Hollywood que dão certo (e que nunca deram certo para mim), eu faço poemas de qualidade duvidosa e com um leve tom obsessivo, eu não grito de raiva com quase ninguém e tenho raiva de chorar na frente dos outros. Eu sou complicada de forma clichê. Muito clichê.
Só que você, pessoa desconhecida, não pode concordar comigo, não pode me achar comum. Não esteja comigo só para se confortar, eu já conforto todo mundo. Esteja comigo disposto a me dar afeto, porque é o que eu mais preciso no momento.


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Sabem o que é pior? Nem bêbada eu estou.

domingo, 4 de dezembro de 2011

Ao Estranho:
Pare de se infiltrar em meus sonhos, se não tem nenhuma intenção de se infiltrar em minha vida.

sábado, 26 de novembro de 2011

Neblina

A neblina desses dias tão nublados traz memórias nostálgicas e infantis. Memórias da minha testa prensada contra o vidro gelado da velha Paraty, do dedo - que era tão miúdo e que não cresceu tanto assim – desenhando símbolos secretos de magias tão poderosas quanto inexistentes. É curioso que eu tenha apagado tantas lembranças infantis, mas lembre do furo pequeno (que mal cabia meu dedinho) no banco de trás do carro, perto do lugar onde eu sempre sentava. E eu sonhava e me perdia, vendo as ruas passarem, como faço ainda hoje, da janela do ônibus.
A neblina desses dias tão nublados traz memórias de um tempo em que os odores eram uma parte desconhecida do mundo, cujo acesso me era negado, de um tempo em que o mundo conhecido era pequeno e, por isso mesmo, as possibilidades eram imensas. A neblina desses dias tão nublados traz desejos de sublimação da minha existência, nesses dias penso com força em apenas sumir, como se nunca houvesse existido.

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

A Partida

A ironia em minha última paixão delirante é que,
Após ter durado dois ciclos férteis
(E eu finalmente ter conseguido alguma atenção),
Ela se consumiu sem maiores explicações.

Em um breve momento de distração minha,
Foi embora sem deixar carta de adeus
Ou bilhete suicida.

Demorei a perceber que ela não tinha planos de retorno
E continuei limpando seu altar e fazendo arranjos de flor.
A ironia maior é que ela foi embora do mesmo jeito que veio:
Sem nenhum convite RSVP.

Foi embora sem deixar substitutos ou saudades.
Foi embora e, sem nenhuma relação com o resto,
Os hematomas coloridos multiplicam-se sozinhos por meu corpo.

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Silêncio

Subi de novo à torre, cansada da agitação nas aldeias.
O mármore me aguardava, gelado e um pouco sujo,
Abandonada de mim.

Correndo os dedos pelos móveis empoeirados,
Murmurei: “Retorno ao seu conforto e à solidão”.

Os trovões nunca chegaram, pois uma ventania
Levou embora as nuvens e a chuva morna.

Me ponho de pé, sozinha, no terraço
E permito que o vento gélido bagunce cabelos e pensamentos.

Nenhuma música transpõe minha solidão.

sábado, 5 de novembro de 2011

Poema plebeu

Meus lábios estão ásperos, gretados, batidos pelo vento.
Como se isso fosse um problema,
Como se eu os estivesse oferecendo a alguém.

Meu corpo, cevado no inverno, com as formas novamente arredondadas,
Forma novos velhos ângulos e os culotes, no espelho do balé, me incomodam.

Minha vida está um marasmo voluntário.
Reclusa em casa: sem valsas sem pássaros sem afeto.
Meus lábios estão gretados, minhas unhas, tortas, meus dentes são finos.

Reclusa voluntariamente em casa, sob o pretexto de trabalho,
Na verdade, cansada das gentes.

Cansada dos atritos, cansada dos resmungos, cansada de mim.
Eu bem que podia tirar umas férias encantadas como Aurora.

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Resmungo matinal

Dos flashes borrados da noite de ontem,
Ficou a azia fortíssima, que tentei apagar com epocler.

Tomei um e chupei uma bala,
Com raiva do meu cabelo sujo,
Das minhas pernas por fazer
E das lembranças mal-ajambradas do dia dos mortos.

Não sei por que ainda insisto nessas aventuras etílicas,
Bem como em escrever poemas confessionais
Pensando nas voltas esquisitas da minha vida romântica.

Não sei por que ainda insisto nos meus bordados de Penélope,
Nas desculpas esfarrapadas que conto só a mim.

Tocam os sinos da Igreja de São Francisco
E eu poderia estar saindo de casa,
Limpa, alimentada, decentemente vestida
E sem essa maldita ressaca moral.

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Apenas Durma

Nunca me foi tão apropriado pensar em adeus.
Tentar me esquecer de você.

Aprendemos a esquecer os amantes,
Mas e aqueles que amamos antes de termos sexo?

E aqueles que nos sentaram nos joelhos
E passaram suas mãos por nossos cachos?

Minhas “mãozinhas de fada” há muito perderam o efeito
Nossas músicas nem minhas são mais.

As lembranças fogem por meus dedos como fugiram dos seus.
Ficam gostos, cacos de memória. Culpabilizo a infância,
Culpabilizo a doença.

Você bem que podia dormir o sono dos séculos
E eu veria as feridas virarem cinzas.

/

Tem desejos que ficam muito estranhos quando viram realidade.

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Físico

Você possui a capacidade de me marcar.
Talvez seja uma necessidade, não sei dizer.

Neste momento, não uso mais as metáforas belas
Que outrora dediquei a você.

Você tem a necessidade de me marcar com dentes.
Se tivesse unhas, talvez as usasse também.

Falando agora mais poeticamente, mas ainda sem metáforas,
Será que isso se deve porque não tem mais a capacidade
De me marcar de forma metafórica?

É verdade, isso você perdeu.

Nos seus braços senti um prazer meu, não nosso.
De nosso senti um misto de raiva e nojo.

O que eu estava fazendo com você?

Não que tenha sido ruim ou errado,
Não procure essa coerência em mim.

Só não foi bom.
Já foi bom?

/

Poema relativamente antigo, feito para alguém com quem não tenho absolutamente mais nenhuma forma de relação, o que me desobriga de qualquer pudor que eu pudesse ter de publicá-lo.

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Inércia

Da janela do ônibus, contemplo o céu pálido com o descaso dos últimos tempos.
O azul diáfano traz a certeza inconfundível de que o dia se afasta a passos largos,
Sem levar consigo a certeza de não ter sido assaltada por tremores
Ou feromônios hoje. Será fruto do estresse?

Estresse das provas ou esgarçamento de desejos?
A posição inerte, que descrevi como uma espera pelos trovões,
De fato pôs-me cansada. Mas isso significa que não desejo mais?

Olhar o céu sem nuvens me leva a lembrar
Das meias manchadas de marrom que a chuva deixou,
Do frêmito que pode ter ficado esquecido em setembro.
(Pois, esse ano, setembro durou uns quarenta dias)

A dança me envolve, me corresponde e me exige;
O sujeito de meu desejo me ignora ou finge bem me ignorar.

Deixei esquecida em uma esquina a fase dos amores platônicos.
Ouvir a palavra “paixão” pronunciada de outros lábios talvez
Tenha me feito sacudir a água da chuva que empapava meus sentidos.

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Agnose

Desço os degraus com cuidado.
Todas as fibras musculares do meu corpo tremem, fora de controle.

Que espécie de poder é esse que você exerce sobre mim?
Há as explicações poéticas, as explicações científicas,
Mas estou farta de explicações e de porquês.

Tremo PONTO Meu estômago se agita PONTO Minha garganta aperta PONTO FINAL

E, no meio dessa loucura de sensações,
Preciso me lembrar de como funcionam minhas pernas.

E, no meio disso tudo, preciso manter a discrição,
“Quero ser prudente e sempre ser correta”.

Meus joelhos lutam contra a minha firme decisão de manter a compostura,
Meu corpo todo quer saltar os degraus, gritar, cantar, rir,

Sem nenhuma explicação. Nenhuminha.

sábado, 15 de outubro de 2011

Dia de neblina

Abro as mãos e contemplo o céu, que, para ser poético, teria de ser azul.
Mas o céu hoje está branco, opressor.
O céu desceu em nuvens, tomando a varanda de meu apartamento.

A rosa branca literal agradece a umidade,
Já que suas folhas amareleceram com o calor de ontem.
Eu, ao contrário, estou com preguiça de trocar o short por uma calça

E me contento em ficar arrepiada e com os pés gelados.
Minhas unhas adquirem a pouco saudável cor lilás e eu não ligo.

Dias de displicência, em que alterno tédio, azia e descontentamento.
Ouço jazz, clássicos e folk na esperança de me tornar um pouco mais interessada.
Na esperança de achar graça do que passa diante de meus olhos.

Mas não acho graça na enorme amplitude térmica de ontem para hoje,
Não acho graça no Dário Argento, não acho graça na Beleza Americana,
Não acho graça na sua foto nova, não acho graça na minha foto engraçadinha.

Se você me tirasse para dançar, eu bem que aceitava.

terça-feira, 11 de outubro de 2011

Acidez

Do que não gosto, nos dias de azia e angústia,
De pensamentos híbridos, de desejos confusos,
É do lixo nas calçadas e das olheiras roxas sob meus olhos.

Não gosto das brincadeiras que faz meu coração,
Do seu rosto insistente na tela do computador,
Do seu desconhecimento, do seu descaso, pelos meus desejos tão meus.

Nesses dias, não gosto do meu gostar de você.
Nesses dias, vem um travo amargo, uma engolida em seco.

Como a Famélica, não gosto das regras humanas,
Dos jogos que “tenho” que jogar.

Nesses dias, não me importo com as aulas, não me importo com o mundo.
Nesses dias, não faço planos para o futuro,
Não leio e não escrevo textos para a faculdade.

Nesses dias, quando vejo sua foto aparecer e desaparecer da minha lista,
Quando fico em dúvida se falo ou não com você,
Maldigo os momentos em que aparece sem sumir e some sem aparecer.

Maldigo minhas projeções, meus desejos.
E fecho a quinta posição com força, com raiva.
Porque nem mesmo minhas pernas, nesses dias, eu controlo direito.

sábado, 8 de outubro de 2011

Modorra

O arrepio que tomou conta de minha perna direita
E sobe por meu tronco, eriçando meus pelos com sua passagem,
A ardência que não abandona meus olhos desde cedo,
Meus cabelos sujos, meu pijama improvisado,
Marcas do tédio.

A revista de palavras cruzadas quase completa,
O livro mil vezes aberto,
O arquivo para ser lido,
Os convites pendentes, irrecusáveis, desdenhados,
Marcas do tédio.

A cama bagunçada, que me deixa um canto para acomodar a mim e ao netbook,
Que não arrumo, que não registro.
Peças de roupa jogadas aos cantos, a estante para arrumar...
Marcas do descaso.

Tudo hoje me provoca displicência,
Me causa indiferença,
Arranha o limiar da irritação.
Arranha a aranha, o jarro...

O poema jogado, sem estilo, sem cuidado.
Os lábios mordidos, feridos, despelando.

Foi um dia de sol lindo hoje,
Com brisa e pássaros cantando aqui perto.
Um dia em que tudo me convidava a sair.
E eu, mimada, entediada, recusei. Recuso tudo hoje.

sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Sobre o sol inclemente e tropical

Me faltam nuvens e palavras,
me faltam arroubos de criatividade.
Sinto falta da chuva forte e intensa.

Sinto falta dos trovões que ocultam os soluços.
O sol forte me causa dores de cabeça,
suores desnecessários.

(Tenho essa mania de achar que a produção
dos meus fluidos corporais – sejam lágrimas ou suores –
deve se ater ao essencial, mais do que isso é patético)

2010

Nada a ver com meu momento atual de vida (as paixões...), mas decidi postar graças a um papo com uma amiga sobre meu problema com chorar em público e/ou fazer outras coisas que eu considere vergonhoso. Acho que tem muita gente que tem esse tipo de problema, né?

Clausura

O campo ao longe parecia verde
E fui sonhando-o.
Pensei em quão macia seria sua relva,
Quão mornos estariam os torrões de terra.

Sonhei com o cheiro de suas ervas
E o som de seus insetos.
Ansiei, esperei, me retorci,
Choramingando por dentro de frêmito apaixonado.

Lutei contra minha torre, atirei objetos ao chão.
Ainda não posso ir, ainda não...

E, salivando de desejo (da corrida, do vento, do sol),
Passei dias em minha janela,
Tentando seduzir o tempo para que passasse mais depressa.

Mas, observando o campo, percebi racionalmente seus defeitos
E vieram as dúvidas. Será que é tão bom?
E, mesmo que seja tão bom, será que há lugar para mim?

Será que há querer para mim?

terça-feira, 27 de setembro de 2011

Emboscada

Meus braços e ventre sentem o formigamento da ausência do corpo que desejo.
A extensa criatividade que possuo produz realidades alternativas ao fato concreto.

Deposito pratos de leite e migalhas de pão na trilha que espero ser seguida
E aguardo... Aguardo sob a chuva morna que encharca meus cabelos.

Chuva que tamborila nos objetos no mesmo ritmo da minha pulsação acelerada.
Trêmula, aguardo... Aguardo o desfecho da armadilha cuidadosamente tramada.

Trêmula, questionando minhas razões e meu papel. Sou caça ou caçadora?
Quem está na liça? O jogo é concreto ou estou delirando sozinha?

Meus braços e ventre formigam, ignorando minhas dúvidas,
Estimulados por meus anseios. E, trêmula, aguardo a chegada dos trovões.

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Apocalipse

"Ouvimos quando as primeiras fizeram contato com o chão.
Corremos às janelas e todos tivemos medo.
Que pecado tão terrível houvéramos cometido

Para que os céus chorassem fogo sobre nós?
Nos entreolhamos, esperando que alguém falasse.
Nossa cassandra chorava a um canto,

Agora queríamos tê-la escutado.
Logo as primeiras casas foram atingidas.
Quantas crianças e suas mães choravam,

Queimando naquele inferno?
Não tínhamos ideia do que seria de nós,
Só sabíamos que era o fim."

2009


Como podem ver, esse é velhinho, mas eu o (re)descobri ontem, quando mexia num caderno velho. Gostei dele, apesar de toda essa angústia e dor que eu imprimia nas minhas palavras.
Se alguém não estiver familiarizado com a mitologia grega, é só avisar que eu contextualizo o poema.

Beijos

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Sarah (escrito em 2007)

"Quando pequena,
eu costumava crer
que crianças já tinham
sido estrelas.
E que, um dia,
voltariam a sê-lo.

Mais tarde,
cada conquista terrena
era uma fita que amarrava
os raios delas por aqui.

Eu olho para você e
lhe vejo dar tchau.

“Eu quero ela de volta.”
“Eu não quero que ela vá
[embora.”

A todo instante elas vão
[embora.
Vão embora porque mudam
[e não são mais o que eram.
(Isso é desatar os laços.)
Só quem não muda são os que
[morrem.

E esses
vão embora
[para sempre.

Você está desatando seus laços
Você está dando tchau
Você está voltando a ser estrela
Você está indo embora.

Se suas fitas não fossem
metafóricas,
elas seriam azuis.

Da cor do céu
[e dos seus olhos.

Se suas fitas fossem reais,
eu guardava comigo
só a que mais me representasse você
[suas histórias
e usava ela para prender
[meus cabelos."

Eu escrevi esse poema há alguns anos (talvez já possa dizer "muitos" a essa altura do campeonato), talvez, se o tivesse escrito hoje, seu estilo fosse melhor ou o português mais refinado, vai saber. A questão é que ele foi feito a partir de um sentimento puro e honesto que, no momento, não saberia traduzir tão bem quanto há quatro anos consegui. É isso. Vou ver se acho uma fita azul para usar nos cabelos esses dias. Azul.

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Estocolmo

"Conheço muito pouco da Cidade Maravilhosa que tanto se fala,
A cidade que lateja sob meus pés
Tem seus tendões esgarçados e é um anúncio de infarto.

Dos odores que sei, a maioria vem de gente, bichos e carros,
Poucos perfumes e cores aquareláveis.

Nesses dias nublados, onde prédios e céu se fundem,
Emerge um ouroboros gigantesco,
Com pedaços seus vomitados por todos os cantos.

Dessa cidade cada vez mais hostil,
Conheço muito de seus feitiços e nada de seus encantos.

Mas, mesmo no Centro mais imundo,
Abandoná-la está fora de cogitação."



Centésimo post, minha gente! Saibam, leitores silenciosos (que até comentam quando posto no facebook, mas no blog que é bom, necas), que eu nunca achei que esse blog fosse durar tanto, principalmente porque eu o sinto quase como uma experiência esquizóide, como se estivesse em um quarto falando com espelhos... De qualquer forma, a poesia, como o Rio de Janeiro, está tão entranhada em mim que abandoná-la também está fora de cogitação.

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Desgaste desgosto

Foi no meio daquele inferninho que ele a viu. No meio dos risos falsos, das vidas vazias, seus olhos o sugaram. Vazia como os outros, falsa como todos e demoniacamente perturbadora.
Quando tentava caminhar até ela, seu vulto desaparecia no meio da multidão, reaparecendo misteriosamente mais tarde em outro lugar, com a mesma taça de Martini, o mesmo sorriso carmesim e os olhos de abismo.
Queria mergulhar naqueles olhos, se perder ali para sempre.
Naqueles olhos da sua ilustre estranha. Quem era aquela mulher de olhos tão profundos, cabelos revoltos de vendaval e com o sorriso da serpente bíblica?
Voltava todas as noites e, quando a procurava intencionalmente, seu inferno particular não surgia. Apenas quando menos esperava, lá estava ela. Com o mesmo sorriso cheio de dentes, mordendo de leve o vidro da taça, como se dissesse que queria morder sua carne.
Um dia ouviu sua risada. O oco eco do som permaneceu em seus ouvidos por dias, tal concha e mar. O que ela tinha demais? Não era tão bonita, nem tão feia. Uma meretriz como as várias outras todas em que vira em toda sua existência.
Mas ele a precisava, precisava daquele sorriso maligno, daqueles olhos vazios e da risada falsa. Precisava de seus seios pequenos tentando saltar para fora da roupa extravagante e apertada.
Voltava e voltava, não ficava com nenhuma, pois nada mais lhe apetecia. Apenas ia lá se consumir no absinto esperando por algum fiapo de sua existência.
Nunca lhe passou pela cabeça perguntar à dona do local quem era tal criatura. Chamava-a em sonhos de Esperanza, talvez seu próprio sentimento em relação a ela.

Anos mais tarde, a viu na rua. Esbarraram-se em uma das muitas vielas escuras que tipos como eles frequentavam. Ela o olhou e deu o mesmo sorriso de sempre, com os dentes à mostra.
Passou direto, fingiu não reconhecer.
Ela não lhe interessava mais.

sexta-feira, 29 de julho de 2011

Folhas ao vento

Ela tentou arrumar as roupas gastas (em seu armário havia até algumas peças de segunda ou terceira mão) o mais elegantemente possível. Rezou para que não olhassem para seus pés, já que o bico dos sapatos estava tão arranhado e esbranquiçado de roçar o chão que nem a graxa podia disfarçar os anos de uso. As luvas eram as melhores que tinha e serviam para esconder as mãos calosas, vermelhas de trabalho, ásperas. Por que aceitara o convite de comparecer a um restaurante tão granfino?

quinta-feira, 23 de junho de 2011

Idílio Clássico

O amor ao ideal leva a sacrifícios.
Sacrifico meu corpo e noites de sono
Pelo prazer de ver o pé se esticar,
Perfeito.

Balé é anseio e explosão.
Paixão contida no rosto,
Que se manifesta secretamente nos músculos que queimam.

A única paixão que me resta
(E me corresponde)
São as piruetas e pliées.

“Braços de cisne”, “voos de gaivota”,
Aves que só vivem durante os acordes da música.
Opostos de Odette, que choram pela próxima lua,
Quando ganharão penas e um coração novamente.

(Bailarinas entregam seus corações ao Sonho,
Amando em grupo e unilateralmente a única coisa
Que lhes permite ser a leveza que já não existe)

segunda-feira, 30 de maio de 2011

A Caverna

Ninguém derramou as lágrimas
Que brotam na caverna e originam
Estalactites e estalagmites de sal.

O lodo e o escuro não são românticos
Nem macios e o frio se entranhou
Em mim de tal forma que chego a desejar

Minha morte ao sol.
Você disse que eu esperasse
Até que fosse seguro, até você voltar.

Disse sim, tenho certeza.
Disse quando “estávamos lá fora”.
Mas faz tanto tempo e tanto frio

Que começo a questionar o “lá fora”,
O calor e você.
Talvez eu tenha surgido na caverna

Como as estalagmites, as estalactites e o sal.

domingo, 29 de maio de 2011

Nuanças Oníricas

Das cores de meus sonhos
Bem me recordo daquelas
Que coloriam nossos olhos.

Ponho “nossos” porque,
Embora estejam em teu rosto,
Apoderamo-nos juntos das almas nossas

E os indivíduos geraram um terceiro:
Nós. Fragmentado agora estamos
E o “meu” e o “teu” à baila voltaram.

Me restam as cores imaginárias
Que pintavam os horizontes
E usávamos como kohl.

Das cores de meus sonhos,
Restaram apenas aquelas
Que pulsavam sangrentas.

E me ponho de joelhos na praia,
Desolada, a contemplar o mar bravio.

sexta-feira, 27 de maio de 2011

Esquizofrenia

"Mas que maldade, Ana!
Como podes fazer isto comigo?
Ouço sua voz e arrepios assaltam meu corpo,
sei de sua presença e não consigo respirar.

Será possível, Luísa,
que alguém me provoque esta pneumonia?
Não sejas tola, Morgana.
Conheces bem o Monstro que te assola.

Foste burra, isso sim,
e bebeste da poção por conta própria.
Mentira! Me levou a isto a torre!

Cupido, Cupido, te afastes de mim.
Deixa tuas flechas e poções a outra que não eu.
Que desespero! Que desespero!

Correr é inútil! Como me protegerei de minhas insanas?
Ana, Luísa, Morgana! Bruxas, deixem-me em paz!
Acorda, Rosa! Abre teus espinhos!
Defende-te! Nenhum Príncipe ou mortal virá tirar-te do sono eterno!"

Esse é de 2009, não tem nada a ver com o que tenho vivido (acho), mas, arrumando meus poemas, gostei dele e decidi postá-lo.

Realismo Fantástico

Moça-peixe fora d’água
Foi levada na rede,
Presa entre anchovas.

O pescador esperava uma beldade,
Mas a moça tem cheiro de arenque
E tez maltratada.

Moça-peixe fora d’água
Se debate no convés.
Peixe não gosta do sol quente,

Peixe dos fundos gelados do oceano.
O pescador bronco está
Hipnotizado a olhar a bela cauda.

Fora ele um rei e não um pescador,
Poderia compará-la a uma armadura de prata.
Mas, ao pescador, só lhe conhecem os peixes

E ele se questiona se,
Sendo a moça-peixe
Meio moça e meio peixe,

Só seria meio-pecado
Usá-la como almoço.

quinta-feira, 26 de maio de 2011

Tombée

Trago ocultos em meu seio
Segredos aberrantes, que realmente merecem a alcunha,
Já que não dizem respeito a mais ninguém além de mim.

Fora eu uma beata, confessá-los-ia a um padre
Ou irmão.
Descrente que sou, a alma alguma chegarão
Minhas vicissitudes.

São sonhos de demônio,
Que trazem artificialidade a meu rosto angelical.
Tais traços que não pedi, tão contrastantes,
Ferem meus racionais desejos de elevação.

De todo modo, procuro uma bolsa amarela como a da Raquel,
Necessário possuir fecho que emperre em momentos convenientes
E fazenda elástica para aguentar o inchar involuntário de minhas vontades.
Quem possuir informações, favor remeter carta à Rua dos Bobos, número 0.

sábado, 14 de maio de 2011

Neblina

Entrei nas nuvens escuras
Pela Serra do Mar.
E fui surpreendida pela chuva
Chove dentro da nuvem!

E eu, que sempre pensei em nuvens
Como grandes bolas de algodão molhado
Que, apertado, escorre de mansinho
Ou de supetão.

Há água em toda parte,
Chove dentro da nuvem!
Estou encharcada.
Chove dentro da nuvem!

A água em toda parte,
Sentimental, se apega a mim.
Chove dentro da nuvem!
Chove fino, chuva de inverno,

Que traz memórias confusas
(Da Primavera?)
Chove, chove dentro da nuvem!

“E estes pensamentos estarão perdidos,
Como lágrimas na chuva.”


--


Para quem não sabe, os dois últimos versos são uma fala de Blade Runner, que eu achei simplesmente linda.

segunda-feira, 18 de abril de 2011

Sobre a Conquista da Natureza e Sobre a Vida

Sobre a Conquista da Natureza

Assassinamos nosso passado animal e, em choque, tentamos apagar as pistas e as memórias de nosso crime. Depois, enfeitiçados com a beleza do cadáver, nos pusemos a dissecá-lo nos perguntando quem seria capaz de fazer algo assim.
Horrorizados, alguns percebemos, “fomos nós! fomos nós!”, mas era tarde, todos já mastigavam o banquete feito do corpo de nossos pais.

/

Sobre a Vida


Será que aquele que come o doce chorando não o despreza tanto quanto o que o põe numa redoma e o deixa estragar?
Já eu, tento comê-lo de colherzinha, rindo, batendo palmas e lambendo até o fim suas porções.


/

Esses dois textos são resultado de uma inspiração que bateu durante a aula de Filosofia. Ambos tem relação (indireta ou não) com discussões que surgiram em sala.

quarta-feira, 6 de abril de 2011

Rebentação

Entardece a quarta-feira e penso que hoje mesmo era segunda.
Os dias passam em mim sem me deixar impressões duradouras.
Vida modorrenta que segue, indiferente às indiferenças e ansiedades.

O que me marca são momentos únicos, preciosos.
Alguns dias de riso, outros de choro.
Mesmo assim, misturam-se todos em minha memória confusa.

Que dia é hoje? Que dia foi ontem?
Na maior parte do tempo, não sei dizer.
Sou como a areia jogada na rebentação da praia,

Indiferente aos barcos e às marés.
Às vezes, olho o céu e me espanto:
“Que estrelas belas! Que sol forte!”

E vêm as ondas e as ondas
E me esqueço, calmamente, do resto.

sexta-feira, 1 de abril de 2011

Poema Outonal

As pedras quentes,
Tão quentes quanto a que arde em meu peito,
Ferem a sola de meus pés

Nus sobre o chão.
Fecho os olhos e me deixo estar,
Tentando prolongar o prazer

Que irradia de meus dedos
Para o centro de meu corpo.

A harpia alçou voo
E deixou cicatrizes de lembrança,
Promessas de retorno.

Braços vazios,
Braços vazios e
Peito que arde chamando por outra primavera.

Mas é outono, feito de brisas,
Contradições, Nostalgia
E ausências.

segunda-feira, 28 de março de 2011

Cecília

"O berço vai e vem, iluminado pela réstia avermelhada de sol evanescente. Mesmo sentada ao pé da janela, seus raios não cumprem mais a eficiência de nos aquecer.
Abraço-te, Cecília, e espero que meu sol interior anime o teu. Canto-te as mesmas cantigas que minha mãe e suas mães ascendentes cantaram antes.
E me dói aquela angústia intra-uterina, pois sei que logo irei acordar e tudo já terá se desfeito novamente."

2009


Andei sonhando de novo com essa minha filha que nunca nasceu. Sempre que acordo desses sonhos me pergunto: como posso sentir saudades de alguém que não existe?

quinta-feira, 24 de março de 2011

Resmungo

Eu queria que a minha vida fosse tão simples como as músicas do Jack Johnson, honestamente.

segunda-feira, 21 de março de 2011

Poema tátil

De alguma forma,
A maciez das minhas pernas chegou ao meu coração

sábado, 19 de março de 2011

Poema desprezível

Chamo de carência esta harpia triste que me aparece em tempos
E enfia suas garras sujas em meu seio, deixando cicatrizes e pus.

Por que não gosto de ficar sozinha, em silêncio?
Por que a inércia pensante me tortura, ultimamente?

Canalizo minhas angústias para uma busca por paixão
E, apesar de ter consciência do que faço, faço-o como uma criança.

Boba, meio ingênua e que não conta com as consequências de seus atos.

A sensualidade inerente à minha condição de mulher
É também uma maldição, pois fui criada para sonhar.

Logo, este papel de succubus que aceitei representar
Me torna internamente miserável e, a meus olhos, desprezível.

Tão desprezível quanto toda a dramaticidade latina
Que imprimo em meus atos.

quarta-feira, 16 de março de 2011

Solo

Eu não ando animalesca esses dias.
Não quero apenas saciar a minha sede
E cravar minhas unhas nas costas de qualquer um.

Não quero apenas a carne rija,
Quero ombros que suportem minhas lágrimas,
Mãos que afaguem meus cabelos.

Quero sorrir e dançar para entreter com exclusividade.
Quero um par.

Eu não quero outro número privado.
Se o quisesse, poderia me conter com o original.

Não sou mais a boneca-menina. (nem sou mais uma menina)
Não é que espere um príncipe, muito menos encantado.

Tenho ombros para suportar lágrimas
E mãos para afagar cabelos alheios.

Tudo o que eu não quero nesse momento
É juntar dois conjuntos vazios.

Quero estar plena,
Quero estar feliz.

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Outono / Fall

É possível amar as memórias e, nelas, amar uma pessoa. No entanto, é também possível não querer mais amar essa pessoa fora das memórias.

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Carta para concurso

Eu escrevi essa carta em março de 2008 e estou publicando-a integralmente, suprimindo apenas o nome de minha antiga amiga; tinha acabado de entrar no Ensino Médio e pensei em concorrer, pela primeira vez, em um concurso literário. Eu não ganhei, óbvio (nunca ganhei prêmio nenhum em lugar nenhum, não que isso importe), e a destinatária da carta nunca a leu. Era para escrever para um amigo (imaginário ou não) que morasse longe de você, eu escrevi para essa minha "amiga virtual" que morava em Portugal, com quem, aliás, nem me correspondo mais.
De qualquer forma, hoje em dia eu tiraria um pouco as cores ingênuas e inflamadas do texto, os dois anos decorridos foram o bastante para eu me tornar mais cínica, mas o sentimento de revolta é o mesmo e, finalmente, o desejo de ver essa carta publicada e lida foi provocado pela solidariedade e a empolgação que sinto ao ver essas revoltas em busca da liberdade, igualdade e fraternidade que estão ocorrendo no Ensino Médio. Como eu já disse em outro texto meu (que um dia será publicado): ordem e progresso são antagônicos e só há um quando falta outro; no momento, discordo da Casa Branca e acho que o Oriente Médio precisa muito de progresso e muito mais de uma nova ordem.
Beijos

--

"Xxxxx,

tenho me assustado em descobrir como estou me tornando um monstro tão insensível como o resto do mundo.
Não é porque estou no Brasil, você em Portugal; não faz diferença. Esse é um estado de insensibilidade mundial. Batemos e ameaçamos nossas crianças para que aprendam que autoridades são para serem temidas, não respeitadas.
Ando nas ruas desviando dos pedintes, caçoando dos infelizes, dos loucos.
Encho a boca para citar Gandhi, mas o que ocorre é que não mexo uma palha para ajudar ninguém e isso me entristece.
Nós nos fechamos em gaiolinhas douradas, nos iludimos em um mundinho de faz-de-conta, choramos lágrimas secas por mortos que não são nossos e deixamos os nossos insepultos ao não nos importarmos em envergar seu luto.
O que eu quero dizer minha amiga, é que muita gente põe fotos de crianças esquálidas da África no Orkut e nunca se perguntou quais das empresas que vestem e comem exploram as ditas-cujas.
Vários vão às ruas protestar a morte dos filhos da classe média e compram narcóticos dos traficantes que os mataram e a tantas outras. Protestam por jornalistas mortos e apóiam a tortura policial.
Lamentam pelos pobres, fazem “bazares de caridade”, porém não fazem nada concreto para mudar a situação. Afinal, é muito conveniente ter uma classe baixa, senão, quem ia ser garçom?
Estou falando em terceira pessoa, mas eu me incluo em algumas partes. Somos humanos, erramos, falhamos.
O mundo talvez precise de mais tolerância, mas nem só de tolerância pode-se construí-lo. Quantas crianças morrem por mau funcionamento dos hospitais? Quantas não vão à escola por “falta de verba”?
No meu país, no seu. No nosso mundo. A cada época temos nossas necessidades e ser bom ou mau se ajusta a elas. O certo e o errado são definidos pela maioria, pelo senso comum. Porém, se as minorias não falassem, se as minorias não derrubassem déspotas de seus tronos, ainda estaríamos na Idade da Pedra.
Nesse exato momento pessoas morrem por causas estúpidas, por egoísmo, por ignorância. Morrem porque confiam em pessoas que se dizem profetas de deuses. Morrem porque confiam em pessoas que se dizem profetas do dinheiro, do progresso. Quando a última lágrima será derramada? Nunca, espero.
Enquanto pudermos gritar, gritemos. Enquanto pudermos protestar, protestemos. Mas nunca nos submetamos ao que consideramos errado.
Mas enquanto pudermos não derramar nenhuma gota de sangue, não derramemos. Pois o sangue derramado só gera lágrimas inúteis e leva vidas de forma irrecuperável. Diretamente ou não.
Muitos dos mártires ou heróis que a humanidade tanto adora adorar só foram oportunistas ou pessoas com muita sorte que surgiram em um momento propício para suas idéias serem levadas em conta. Muitos dos nossos grandes vilões da história também se enquadram na mesma categoria dos heróis.
Se pensarmos bem, na realidade, somos apenas poeirinha cósmica no nosso imenso universo. Não sabemos nada sobre nós mesmos e nos achamos no direito de julgar uns aos outros.
A grande verdade é que eu tenho medo. Tenho medo de armas, de guerras, da seca, da desigualdade.
Xxxxx, a gente me assusta tanto...
Meus olhos espreitam as ruas, as pessoas e seus sorrisos. Elas não percebem como a vida não passa de um sopro... nem nós.
E os homens exercem seus “podres poderes” sem se importar com as vidas sacrificadas. Choramos pelos genocídios ocorridos nos séculos passados, mas quem chora pelos mortos no Oriente Médio, na Ásia, aqui nas Américas ou aí na Europa? Me diz, quem de nós liga para os mendigos assassinados por policiais? Quem liga de verdade?
Protestamos contra os “políticos corruptos” que roubam não só o pão, mas as vidas de milhões, mas quem os coloca no poder? Deve-se tolerar isso? Ou seja, aceitar sem reclamar, sem se mexer? Temos força, temos capacidade e já provamos isso antes. Mas não nos mexemos, não desligamos a T.V. e levantamos da poltrona. Não fazemos nada além de assistir passivamente às vidas serem dissecadas no jornal. O tempo inteiro guerras santas são travadas em um laço de Moebüs. Você vê o fim? Você vê alguma razão? Eu não.
Não é questão de tolerância. Sempre houve dominadores e dominados e só sabemos viver assim.
A religião pastoreia as pessoas desde sempre e origina tantas guerras quanto o dinheiro, o petróleo.
Se não tivéssemos matado nossos deuses, será que eles chorariam, Xxxxx? Ou será que não cogitaram a hipótese de sofrermos com a nossa natureza doentia?
Se nos fizeram cruéis, por que nos dar a possibilidade de sofrer?
Mas isso é um elemento cultural, nós somos culturais. Culpa, tolerância, piedade, perdão, honra, crueldade... Todas as nossas ações são delimitadas pela nossa cultura, pela nossa Moral, pelo Senso Comum. Inclusive essa carta que eu escrevo criticando tanto a nós mesmos.
Mas ainda podemos mudar. Um pouco, talvez. Podemos reivindicar nossos direitos; podemos nos importar em ler nossas Constituições; podemos estender a mão para os que precisam ensinando-os a ficar de pé, não sustentando em nossos ombros; podemos pensar em construir não só um mundo melhor para nossos filhos e filhas que virão, mas para nós mesmos. Para todos nós.
O mundo precisa de tanta coisa que precisamos de um bocado de tolerância para ver nossas pequenas medidas fazerem efeito.
Aguardo o dia em que finalmente nos encontraremos.

Afetuosamente,
Maria

P.S: Na próxima, juro que te mando uma foto minha."

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Poema do marinheiro inquieto -Para Tauã

Sou um marinheiro que segue frustrado em busca de uma terra para morar.
Nenhuma ilha me agrada, nenhuma água é bastante doce.
Busco de volta as incertezas, as tempestades, o balanço do oceano.

Eu queria, queria de verdade criar raízes em uma terra,
Mas sempre ouço o canto das sereias me dizendo que, não importa
Quão bela seja a terra onde estou, mil vezes mais belo é o mar.
Mil vezes mais excitante é o mar.

Contraditoriamente humano, quero a segurança de um porto
Com a excitação de uma tormenta.

Viver em terra não me contenta,
Viver sozinho não me alegra.

Sinto falta dos beijos das sereias e dos elogios dos desconhecidos
Sinto falta das noites estreladas e dos mapas novos

E, por mais linda que eu ache a nossa primavera,
Vem me vindo uma angústia para zarpar.

segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Tempo cíclico

Antes de entrar para a escola, quando eu tinha seis anos, sequer dormi na noite anterior ao início das aulas.
Devia fazer calor no dia porque era fevereiro e porque eu me lembro de todas as crianças de shorts ou saias-shorts.
Acho que é impossível esquecer o uniforme da Oga Mitá, seu tom de azul, sua camisa sem manga cujo elástico fazíamos questão de arregaçar antes do fim do primeiro trimestre e que, também antes do fim do primeiro trimestre, já estaria manchada de uma infinitude de coisas; o espaço nos dava uma paleta enorme de opções para “decorarmos” as blusas branquinhas que minha mãe e depois também a Ligia tinham tanto trabalho para lavar. Ficava ao gosto do freguês: podia ser terra do jardinzinho da frente, areia do pátio, o lanche do dia, muitas opções de canetinha hidrocor, tinta guache para os ousados e fluídos corporais (como sangue e meleca) para os mais porquinhos. No segundo ano, o Mateus da minha sala escolheu geleca, menino criativo.

Voltando ao tema original do texto, a lembrança mais antiga que eu tenho da Oga é daquele primeiro dia. Eu me perdi entre as turmas e, como tinha me recusado a ser alfabetizada até então, não podia identificar qual era a minha sala. Ainda no meio da confusão, uma moça simpática me resgatou e eu não tenho a menor ideia de quem foi. Só sei que, pelo meu nome, ela viu que eu era do Xicrins Oré e me levou até o bolinho de crianças que seria a minha turma pelos próximos quatro anos.

Quatro dos melhores anos da minha vida.

Tudo isso porque, hoje, ao me inscrever para as disciplinas na faculdade, eu me perdi no meio das salas do IFCS. Mesmo sabendo ler, não havia plaquinha na porta da sala onde eu deveria estar e, de novo, fui salva por uma moça simpática que me guiou até onde a minha nova turma (uma fração dela) estava.
Como serão esses quatro anos?

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Vaidades

À minha volta, as vaidades correm soltas como crianças.
Me rio delas e de mim, pois sou sua prisioneira.
Vaidosa morena, cobre teu corpo de jóias e exibe teu sorriso.
Vai, menina, dança com teus demônios, sê a princesa que gastou seis pares de tamancos em uma noite.
Vai, bruxinha, se enfeitices com o espelho, deixa teu rastro de loucura.
Toco a flauta em meu canto e adormeço minhas crianças.
Shhh...

2009