Hai-kai, Mario Quintana

"Rosa suntuosa e simples,
como podes estar tão vestida
e ao mesmo tempo inteiramente nua?"

sábado, 10 de agosto de 2013

I

À noite, as montanhas passeiam pela orla como velhas tartarugas de lendas. Eu as vejo e penso nos contos de Sherazade. Não são minhas amigas, as montanhas, nem tampouco me querem mal. São répteis antigos, a quem minha vida é tão distante quanto as estrelas...
Eu não sei se era melhor nos tempos em que era amor e era poesia, em que a poesia era a linguagem rude do amor, irmã feia da música. Mas que era mais fácil viver o amar e simples o sentir poético e musical, isso era. Talvez o problema seja o medo de se expor, o medo do ridículo. Agora penso em Drummond e Huxley. Penso que ridículos foram aqueles que nunca se expuseram e ridículos são aqueles que não amam. Penso que sou o selvagem no admirável mundo novo, querendo as intensidades apaixonadas, as febres violentas e o amor completo, tuberculoso, em um mundo de sentidos esgarçados de êxtase do soma, do ecstasy.
Quero o sexo paciente e o sexo desesperado, o coito angustiado daqueles que esperaram muitos anos para se ver uma última vez. Quero a nudez dos corpos, o suor das peles e a sofreguidão intensa a ser apenas suprida com o beber da saliva.
A contemporaneidade é um fardo àqueles que cresceram com Shakespeare e Keats e sou como o selvagem de Huxley, ansiando por um lirismo que já não existe. Sou?
As montanhas não dão respostas, apenas seguem seu curso até que o amanhecer as torne em pedra e a erosão faça delas pó.

Nenhum comentário: