Hai-kai, Mario Quintana

"Rosa suntuosa e simples,
como podes estar tão vestida
e ao mesmo tempo inteiramente nua?"

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Físico

Você possui a capacidade de me marcar.
Talvez seja uma necessidade, não sei dizer.

Neste momento, não uso mais as metáforas belas
Que outrora dediquei a você.

Você tem a necessidade de me marcar com dentes.
Se tivesse unhas, talvez as usasse também.

Falando agora mais poeticamente, mas ainda sem metáforas,
Será que isso se deve porque não tem mais a capacidade
De me marcar de forma metafórica?

É verdade, isso você perdeu.

Nos seus braços senti um prazer meu, não nosso.
De nosso senti um misto de raiva e nojo.

O que eu estava fazendo com você?

Não que tenha sido ruim ou errado,
Não procure essa coerência em mim.

Só não foi bom.
Já foi bom?

/

Poema relativamente antigo, feito para alguém com quem não tenho absolutamente mais nenhuma forma de relação, o que me desobriga de qualquer pudor que eu pudesse ter de publicá-lo.

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Inércia

Da janela do ônibus, contemplo o céu pálido com o descaso dos últimos tempos.
O azul diáfano traz a certeza inconfundível de que o dia se afasta a passos largos,
Sem levar consigo a certeza de não ter sido assaltada por tremores
Ou feromônios hoje. Será fruto do estresse?

Estresse das provas ou esgarçamento de desejos?
A posição inerte, que descrevi como uma espera pelos trovões,
De fato pôs-me cansada. Mas isso significa que não desejo mais?

Olhar o céu sem nuvens me leva a lembrar
Das meias manchadas de marrom que a chuva deixou,
Do frêmito que pode ter ficado esquecido em setembro.
(Pois, esse ano, setembro durou uns quarenta dias)

A dança me envolve, me corresponde e me exige;
O sujeito de meu desejo me ignora ou finge bem me ignorar.

Deixei esquecida em uma esquina a fase dos amores platônicos.
Ouvir a palavra “paixão” pronunciada de outros lábios talvez
Tenha me feito sacudir a água da chuva que empapava meus sentidos.

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Agnose

Desço os degraus com cuidado.
Todas as fibras musculares do meu corpo tremem, fora de controle.

Que espécie de poder é esse que você exerce sobre mim?
Há as explicações poéticas, as explicações científicas,
Mas estou farta de explicações e de porquês.

Tremo PONTO Meu estômago se agita PONTO Minha garganta aperta PONTO FINAL

E, no meio dessa loucura de sensações,
Preciso me lembrar de como funcionam minhas pernas.

E, no meio disso tudo, preciso manter a discrição,
“Quero ser prudente e sempre ser correta”.

Meus joelhos lutam contra a minha firme decisão de manter a compostura,
Meu corpo todo quer saltar os degraus, gritar, cantar, rir,

Sem nenhuma explicação. Nenhuminha.

sábado, 15 de outubro de 2011

Dia de neblina

Abro as mãos e contemplo o céu, que, para ser poético, teria de ser azul.
Mas o céu hoje está branco, opressor.
O céu desceu em nuvens, tomando a varanda de meu apartamento.

A rosa branca literal agradece a umidade,
Já que suas folhas amareleceram com o calor de ontem.
Eu, ao contrário, estou com preguiça de trocar o short por uma calça

E me contento em ficar arrepiada e com os pés gelados.
Minhas unhas adquirem a pouco saudável cor lilás e eu não ligo.

Dias de displicência, em que alterno tédio, azia e descontentamento.
Ouço jazz, clássicos e folk na esperança de me tornar um pouco mais interessada.
Na esperança de achar graça do que passa diante de meus olhos.

Mas não acho graça na enorme amplitude térmica de ontem para hoje,
Não acho graça no Dário Argento, não acho graça na Beleza Americana,
Não acho graça na sua foto nova, não acho graça na minha foto engraçadinha.

Se você me tirasse para dançar, eu bem que aceitava.

terça-feira, 11 de outubro de 2011

Acidez

Do que não gosto, nos dias de azia e angústia,
De pensamentos híbridos, de desejos confusos,
É do lixo nas calçadas e das olheiras roxas sob meus olhos.

Não gosto das brincadeiras que faz meu coração,
Do seu rosto insistente na tela do computador,
Do seu desconhecimento, do seu descaso, pelos meus desejos tão meus.

Nesses dias, não gosto do meu gostar de você.
Nesses dias, vem um travo amargo, uma engolida em seco.

Como a Famélica, não gosto das regras humanas,
Dos jogos que “tenho” que jogar.

Nesses dias, não me importo com as aulas, não me importo com o mundo.
Nesses dias, não faço planos para o futuro,
Não leio e não escrevo textos para a faculdade.

Nesses dias, quando vejo sua foto aparecer e desaparecer da minha lista,
Quando fico em dúvida se falo ou não com você,
Maldigo os momentos em que aparece sem sumir e some sem aparecer.

Maldigo minhas projeções, meus desejos.
E fecho a quinta posição com força, com raiva.
Porque nem mesmo minhas pernas, nesses dias, eu controlo direito.

sábado, 8 de outubro de 2011

Modorra

O arrepio que tomou conta de minha perna direita
E sobe por meu tronco, eriçando meus pelos com sua passagem,
A ardência que não abandona meus olhos desde cedo,
Meus cabelos sujos, meu pijama improvisado,
Marcas do tédio.

A revista de palavras cruzadas quase completa,
O livro mil vezes aberto,
O arquivo para ser lido,
Os convites pendentes, irrecusáveis, desdenhados,
Marcas do tédio.

A cama bagunçada, que me deixa um canto para acomodar a mim e ao netbook,
Que não arrumo, que não registro.
Peças de roupa jogadas aos cantos, a estante para arrumar...
Marcas do descaso.

Tudo hoje me provoca displicência,
Me causa indiferença,
Arranha o limiar da irritação.
Arranha a aranha, o jarro...

O poema jogado, sem estilo, sem cuidado.
Os lábios mordidos, feridos, despelando.

Foi um dia de sol lindo hoje,
Com brisa e pássaros cantando aqui perto.
Um dia em que tudo me convidava a sair.
E eu, mimada, entediada, recusei. Recuso tudo hoje.