Hai-kai, Mario Quintana

"Rosa suntuosa e simples,
como podes estar tão vestida
e ao mesmo tempo inteiramente nua?"

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

“Luz do sol que transpõe as sombras” -Para Tauã

"Nossos dias de Primavera têm sido tranquilos,
Não houve tempestades e não é como
Se eu ansiasse por elas.

Você diz que vivemos em tons de amarelo e branco,
Eu vejo sol e nuvens.

Às vezes te amo tanto que o sol queima tudo
E, nessas horas, até a terra árida me é bela.
Quase sempre meu amor por você se assemelha
À garoa fina em São Paulo:

Não percebemos que chove, não notamos sua presença,
Mas estamos completamente encharcados.

Você veio para derrubar todos os meus preconceitos
Sobre as delicadas artes do amor,
Você me ensina a amar e, o que sempre me foi mais difícil,
Ser amada.

Como a Primavera não precisa apenas de flores para existir,
Minha compreensão dos seus sentimentos
Transpõe a barreira bela e contemporânea das palavras.

Seus olhos e sorrisos tão cheios de faísca e viço
Inflam o meu ego
E adormecem minhas antigas ansiedades.

Platão morreu em tempos imemoriais,
Mas a Primavera sempre estará no mundo,
Com seus sussurros frescos de beleza e saudade,
Para lembrar-nos da nossa juventude compartilhada.

Nem toda a água do mundo lavará de mim as nossas marcas,

Ainda bem."

14/12/2010

sábado, 4 de setembro de 2010

Primaveril II

As rosas delicadas apreciam a morna luz de primavera e agradecem o fim do inverno. O calor faz com que os espinhos virem folhas
e o vermelho fique mais vermelho.

Expectativa Onomatopéica

Tictac Tictac Tictac Tictac Tictac Tictac Tictac Tictac Tictac Tictac Tictac Tictac Tictac Tictac...
Os ponteiros estão zoando com a minha cara.

Primaveril

Dias de inverno que anunciam a chegada da primavera. Frescor e ausência de chuvas marcam esse período.
Dias de Agosto/Setembro que trazem à tona o que há de melhor em mim.
De qual das primaveras estou falando?

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Retalhos VI

Os dedos etéreos dos fantasmas,
aveludados, mexem em meus cabelos
e deixam marcas de fogo pela minha pele.

Gosto dos seus murmúrios
que assumem a forma de vento
e vão de encontro às árvores, me embalando.

“Vós, que sois o último vestígio de meus ancestrais,
guardai este corpo, último receptáculo de vossa semente.”
O meu corpo.

E, de noite, quando finda minha cegueira,
vejo seus rostos e ouço claramente suas vozes.
“Ide,” dizem “lança-te ao desconhecido e abraça teu destino.”

E me assusto, pois sinto o fio das Moiras
a apertar minha traquéia.
Os fantasmas sorriem e me puxam.

Acordo como criança tonta
a agarrar o ar noturno.

--

Antiigoo...

Astronomia

O Sol reduziu de tamanho
E a Terra sentiu.

Às vezes penso que parei,
Às vezes percebo que ainda estou presa em sua órbita.

Plutão não é mais planeta,
Eu ainda sou um satélite?

Quero dançar a valsa de outros astros,
Mas seu campo magnético ainda me prende.

Não há mais marés ou fases lunares entre nós.
Só as crateras que os meteoros deixaram em mim.

Famélica

Tenho fome. Uma fome animalesca
E urgente que me queima as entranhas.
Uma fome de pele de homem, de carne rija
De homem, fome essa que me queima cada
Centímetro de corpo quando não saciada.

Por vezes, muitas vezes, queria mandar
Para o inferno a Moral e o Decoro
Ou ser apenas um bicho.
Digo, sou um bicho, mas tive
O azar de nascer na única espécie estúpida
Que mistura o desejo animal com um milhão
De outras coisas sem importância.

O pior é que sou tão malditamente
Humana e acomodada que sou incapaz
De apenas saciar a minha voracidade.
Não, também eu associo o desejo com
Outras coisas estúpidas.

Quando a fome aperta,
Os pensamentos pululam loucos,
Fantasias impudicas com qualquer um.
E, como uma anoréxica fecha a boca,
Me fecho, ignorando os impulsos,
Pela Moral, o Decoro e o meu Bem Maior.

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Num canto da pista

Não sei amar comedida, amar pela metade.
Não sei amar calma, desprendida.
Desconheço esse amor respeitável.

Se amo, amo mesmo. Talvez demais até.
Me jogo, me entrego, me confesso.
É um turbilhão louco, por vezes constrangedor.

Até hoje, mambembe e solitário.
Amei nesta curta vida em desacordo
E descompasso dos amados.

“Não te acompanho”
Não te acompanho, coração idiota.

Danço sozinha, quase sempre.
Não sei minuetos não sei quadrilhas não sei sambas.
Eu só não sei.

E vou dançando de olhos semi-cerrados,
Fingindo que nem ligo,
Fingindo que sei o que estou fazendo.
Fingindo que não dói.

quinta-feira, 15 de julho de 2010

Poema-pílula

Amendoeira toda vermelha,
Os ventos vêm e as folhas
c
a
e
m
.
.
.

sexta-feira, 2 de julho de 2010

Súplica

"Se você me pedisse, mesmo que se arrependesse depois, apenas peça. Engula o orgulho e peça. E eu vou com você. Não importa para onde. Não importa nada. Apenas permita que eu roce minha pele contra a sua de vez em quando. Que eu fique calada, ouvindo o som da sua respiração, da sua existência. Peça e eu esqueço que existe um mundo lá fora. Não precisamos ir além da porta do quarto nunca mais. Nunca, nunca mais.

Se você me dissesse, ainda que apenas houvesse escapado de seus lábios, ainda que as palavras não fossem suas. Se você apenas descesse do pedestal por um instante. E lembrasse de mim, eu chorava. Eu ria. Eu virava outra pessoa. E não peço nada em troca. Apenas permita que eu fique olhando seus desenhos de vez em quando. O contorno do seu rosto, apenas permita que eu exista ao seu redor.

Se você apenas permitisse que eu fosse real por um minuto. Que eu pudesse abandonar o palco, pudesse abandonar as mentiras e as lágrimas contidas. Se você apenas dissesse uma palavra só. Talvez três, não peço mais do que isso. Não me importaria nunca com o que pensam os outros e nem mais ousaria pensar. Eu me colaria ao seu corpo para o resto da nossa inútil existência. E juntos o mundo seria menos frio. Apenas me permita ser..."

2009

quinta-feira, 1 de julho de 2010

Post-Mortem

Voltei ao castelo, após me arrastar por um charquinho
(Que, na travessia, pareceu-me um infindável pântano)
E todas as nossas danças não são mais tão importantes

Vejo agora que o baile era muito mais
Colorido do que antes me registravam os olhos
E as fantasias, muito mais originais.

Nossos folguedos findaram-se,
Mas continua a festa e, tendo tantos deveres para cumprir e
Monstros dos quais fugir,

Não te iludiras crendo que meu luto por nossas valsas
Duraria mais do que o lusco-fusco das estrelas?

terça-feira, 22 de junho de 2010

Cristalização

Por acaso tens ideia do tamanho do buraco
Que se abriu quando a latência do gelo desfez-se?

Passou o inverno tropical (ou era o verão nórdico, no fim?)
E a parede tornou-se espessa e sólida.

Estou presa dentro do lago gélido.
Os ventos cessaram...

Acabou a primavera
E meu hálito morno inexiste,

Pois me afogo em golfadas de água semicongelada.
A água possui farpas que se fixam em meus órgãos.

Chamo-as de Fobos e Deimos.
Terias mentido em algum momento?

Terias sido leviano?
Por que retiraste minha máscara?

Por que tocaste em mim?

Há manchas de meus crimes por todo o meu corpo
E nem toda a água do mundo as fará desaparecer.

(Des)Equilíbrio II

Nossos números privados suplantam os antigos bailes.
Nem me olhas diante dos outros cortesãos
E as Condessas principiam a acreditar que nunca valsamos.

Miro-te com intensidade e nos irritamos.
Dizes que não queres jogos,
Então por que me escondes?

Amo-te, amo-te e queria que minhas cobranças
Fossem menos severas. Mas sigo sendo uma bruxa
E bruxas são cruéis.

Me arrastas sempre à floresta
E tuas garras violam meus segredos,
Mas mal me diriges a palavra.

Em momentos assim, restam os antigos fantasmas...

(Des)Equilíbrio

A tua simples existência trouxe novo frescor às minhas horas.
E te espero e te adoro em tempo integral.

Nossas despedidas esmagam meu peito
E fico vendo-te sumir com vontade de sumir também.

Não sou princesa, não sou mártir, não sou metáfora.
Não sei bem se sou algo ou se faço diferença.

E não me importam mais essas questões.
Não me importa mais quase nada que não te diga respeito.

Eu pedi, pedi tanto por tudo isso e agora
Mal posso crer em sua veracidade.

Nosso número não é possível,
Nem mesmo sei dançar!

Possível ou não, te agarro com força,
Me segurando também. Não vamos cair.

sábado, 22 de maio de 2010

Fusão

As primeiras gotas começaram a escorrer.
O simples fato de minhas mãos estarem (dormentes e)
prensadas no gelo fê-lo derreter-se

e mal pude, então, ocultar os arrepios
que me tomavam de assalto.
Tu estavas de volta para mim.

(Só para mim, me iludo)

Como os ventos invernais, tentas escapar
ao mesmo tempo em que trocamos carícias.
Mas tenho comigo a brisa primaveril

que, transfiguração de meu hálito morno,
impõe o afeto tácito entre nós.
Afeto esse que suplantou o medo que eu tinha do frio.

As gotas formam poças
e nas poças há grama.
Fico feliz, o gelo está partindo

e não importa se o que vem é a primavera nórdica
ou o inverno tropical. O que importa é que já posso ouvir
as Quatro Estações tocando.

Dança comigo de novo?

sábado, 15 de maio de 2010

A tola neve

"A dança das flamas cega meus olhos
insistentes, que não se desviam da fogueira.
Posso eu, o Inverno, abraçar as brasas?

Menina filha da neve, com um fogo ardente no peito,
teu hálito alimenta a combustão, desfazendo-te.
Te derretes pouco a pouco, tentando alimentar teu assassino.

Todos os filhos do frio têm uma pedra de gelo como coração,
por que quiseras tu ser diferente, sabendo que morrerias?
Sofro por ti, mas nada posso fazer.

Com a minha chegada, teus irmãos se vão.
Menos tu, que lutas contra esse fluxo de lágrimas
que estás te tornando.

Não posso apagar-me por ti, não posso, criança.
Por mais que me esconda atrás de morros,
o Tempo e os cânticos dos povos me chamam.

Vou matando teus pares um a um
e te vejo perecer sorrindo, estás feliz com meu calor.
Suspiro. Por que, tola, por que foste te apaixonar
pelo Sol da Primavera?"


O "Poema Sazonal" me fez lembrar desse.
Pronto, postei.

quarta-feira, 12 de maio de 2010

Poema Sazonal

Tenho os braços frouxos, pendentes.
Esta flacidez deve-se à tua ausência.

Não paro de sonhar. Não contigo.
Me afogo em um lago gelado
e te vejo. Não te culpo.

Tinhas alertado-me a respeito da finura do gelo.
Do nosso gelo.
Não era de verão nosso affaire,

Era de gelo.
De gelo e minha primavera quebrou tudo.

Eu sou a primavera tropical.
Creio que comecei a derreter-te
e tu és o inverno nórdico. (Não havia como aguentares)

Te sinto agora atrás de uma grossa
parede de gelo em estado de latência.

Não ouso tocá-la.
Não ouso nada.

Senti o frio e agora tenho medo.

Não que eu queira que sejas o verão
(O inverno tropical me bastava)

sábado, 1 de maio de 2010

A torre de mármore

"Quando cheguei atrasada à torre e descobri as tranças que a Princesa deixara para trás ao fugir com Cyrano de Bergerac, desesperei-me.
Arranquei-as da janela e me recolhi ao choro.
Quando inundei os campos e as vilas com meu rancor e deixei o solo infértil, as lágrimas secaram com as plantas.
E então me inclinei à janela e descobri as delícias de observar o mundo de um pedestal. Sem Príncipes, Cyranos, Narcisos ou Abismos.
Apenas as visitas eventuais de Ícaros, dos doces Pássaros da Noite tão sozinhos quanto eu.
Quando percebo que meu coração estúpido começa a ensaiar um Carnaval fora de época, troco o alpiste por chumbinho e fico sozinha novamente.
Melhor assim. Não devo esquecer que sou uma Bruxa e que assusto. Não devo esquecer que sempre haverá Princesas que usam gaiolas em vez de alpiste.
Não devo esquecer que estou em uma torre e, se me inclinar demais, será um longo caminho até o chão."

Esse texto é a origem de todos os textos envolvendo Cortes e Torres, para os que queriam saber.

segunda-feira, 26 de abril de 2010

Passos

De fato, uma vez removida a máscara,
teus abismos se aquecem e me encontro
tranquila de olhar-te nos olhos.

Quando dançamos nosso número particular,
títulos e categorias desaparecem.

Torno-me o mais perto e o mais distante de uma princesa.
Ou não me torno nada?
Não sei e não importa, apenas me gire de novo.

A caçada

Risadas dos cortesãos
e pegadas na grama.

O “gato-mia” da Corte corre solto
e salto troncos caídos para escapar.

(Finalmente alguma vantagem esta roupa de ninfa me deu.)

Me encosto contra o musgo de uma árvore,
buscando proteção. O cetim arranha minha pele graças à respiração rasa.
-Graças à corrida.

E então surges sabe-se lá de onde. Não me movo,
se é para ser capturada que seja por ti.

Incrível! Mesmo o cetim me incomoda,
mas tu não dá mostras de estar embaraçado no veludo.

Se eu respirava rápido antes, agora o coração falhou uma batida.
Teus abismos! Teus abismos precedem as doces garras cruéis!

Espero o toque que, malicioso, adias.
Fecho os olhos com um suspiro e,

por fim, arrancas nossas máscaras.
Explosão! Agora sim as festas da Corte são divertidas.

Brechas

Dançamos, por fim.

De início pensei que fosse apenas mais um ensaio,
mas então não afastaste minha mão quando tentei tocar tua máscara.

(O veludo era ainda mais suave do que aparentava)

Arrancamos-la. E meu medo de perceberes
minha ausência de ritmo perdeu o sentido.

Tudo perdeu o sentido ao dançarmos
pele contra pele, mais suave que meu cetim e teu veludo.

segunda-feira, 29 de março de 2010

Asfixia

Voltas para mim
em forma de sonho perverso,
perturbando minha noite com lembranças
de murmúrios do vento e tinta branca.

Sou comprimida por uma tecido quase roxo,
sujo de manchas. Estás ao meu lado
e podes me salvar do sufocamento,
mas percebo que é a utopia das tuas
mãos que me assassina.

Tão cruéis quanto o pano e as mãos,
teus olhos me perguntam
“sentes falta das aulas de dança?”

Sinto. Dançar sozinha não é mais
a mesma coisa desde tuas mãos e
tua máscara. Ainda quero arrancá-la.

Mas não te responderei, pois sei
que sorrirás em escárnio e abandonarás
o leito móvel sobre o qual estamos.

Prefiro ter tua crueldade a
não ter nem mesmo este sadismo.

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Ensaios

"Não ganhei uma torre, mas ofereceram-me uma cama
junto aos outros cortesãos. Observo-te dormir
em meus sonhos, pois na realidade há dosseis

que protegem teu rosto. Sinto que estou ficando
doente de novo e, juntos, ensaiamos alguns passos.
Nossas mãos se tocam e se afastam e eu sinto um calor

que nada tem a ver com meu pesado vestido.
Quero tocar tua máscara veneziense e sentir o veludo,
quero arrancá-la e quero que teus abismos

busquem somente a mim. Tocam e se afastam.
Quero colar meu tronco no teu e sentir tua pele.
A música acaba e enroscas um cacho de minha peruca em teus dedos.

Beija-a e te afastas. Fico parada no salão,

Morgana, sentes que vais desmaiar..."



Esse poema e os dois últimos fazem parte de uma série que sabe-se lá quando vai acabar.

Expectativa

Dentre todas as máscaras do baile,
a tua era das mais discretas.
E estavas tu no grupo da pequena nobreza.
(Ou será que a Alta veste-se discretamente aqui?)

De fato, eu estava olhando para o cortesão ao teu lado.
Lembro-me de tê-lo convidado para valsar certa vez, em outra Corte.
O Conde, chocado, recusou-me e agora traz uma bela mascarada com ele.

Pensava em como os bailes são estranhos, já que
eu e ela estamos vestidas de ninfas,
(Mas são ninfas tão diferentes!)

E foi aí que te vi. Calmo, não vi-te dançando com ninguém.
Todo debruado em negro, lembravas-me meu corvo
(Por que esta fascinação com os Pássaros Noturnos?)

Estou girando sozinha e te olhando por cima do ombro.
Sei que me olhas também, não sei por que.
Me convidarás para uma valsa?

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

A Côte d'Azur

Os voejos graciosos dos pares valsantes
me põem medo. Dispensei Merlin e agora
deveria voltar a girar sozinha e morder os lábios,

mas não conheço esta Corte ou sua nobreza
e não tenho ideia de como lhe serei útil.
Rirão se eu tirar uma moeda da orelha do Rei?

De todos os bailes dos quais já participei,
este, de longe, é o mais familiar e estranho.
Reconheço alguns mascarados sem saber
de fato, seus rostos.

E o que fazer com as melodias que me são familiares?
Não dançam aqui o Minueto que eu conhecia, embora
saiba alguns dos passos valsados.

Morava em um Castelo frio no qual o Rei concordara
em ceder-me uma torre marmórea. Que faço eu
neste Palácio iluminado e cheio de vitrais?

Pense positivo, Morgana, agora suas noites serão
cheias de silêncio...

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

No centro do nada

Eu tremia horrores e acho que você notou. Deve ser porque eu não tenho o Tato.

Depois de dias e semanas caminhando sobre brasas e nadando em geleiras, cheguei ao objetivo: o centro do nada.

Lá, fincada como uma bandeira de posse, estava a imagem de um deus que não é o nosso.

"Quem colocou isso aqui?" E só a simples ideia de alguém chegando antes de nós a um lugar que acreditávamos não existir me encheu de medo.

Creio que foi por isso que meus músculos ficaram tesos e meus pelos se arrepiaram. Olhei para você, esperando ouvir uma palavra de sobriedade.

Seu rosto estava todo molhado. Olhei para a abóbada sobre nós. Nenhum sinal de goteiras. Olhei para o chão a meus pés e vi marcas de pingos ao meu redor. Eu vazava água também.

Olhei de novo para o totem gasto de algum povo dilacerado como nós (se não o eram, o que faziam naquele lugar?) e tive a impressão de algo comprimido em meu tórax, onde deveria ficar meu coração se eu tivesse um.

Vim aqui buscar você, levar de volta para suas feras, para o povo que você deixou para trás.

E me escolheram entre os seus órfãos por eu ser oco e irredutível. Mas essa estátua de um material que eu não conheço me enfeitiçou e agora me sento ao seu lado para olhá-la e vazar até que só reste pó do que eu fui.

Sinto sede e provo de sua água. As gotas têm o sabor do oceano infindo que tive de cruzar para chegar ao nosso destino. Olho para o seu rosto (agora, mais vazio do que o meu) e me pergunto se esse travor vem de seu âmago ou é só mais um feitiço do estranho ídolo.

sábado, 16 de janeiro de 2010

Trama

Desde que posso me lembrar, mamãe me alerta
quanto aos homens-aracnídeos. São muito sedutores, ela diz,
porém, é quase impossível escapar de suas teias.

Eles chegam de mansinho e elogiam sua beleza,
(ninguém nunca tinha me elogiado antes,
afinal, eu sou só preta e amarela, como qualquer outra operária)

te convencem a não trabalhar, te apresentam seus amigos cigarras
e, quando finalmente perceber, estará toda grudada em sua teia.
Mesmo que seu novo dono (porque você se tornou apenas uma escrava)

injete veneno em sua corrente sanguínea,
você não terá como escapar. Porque, depois do veneno é melhor ainda.
E você quer, mas não quer (e não sabe como) escapar.

Quer se livrar dele, porque já vê como tudo terminará,
mas teme como serão os dias sozinha.
E ele te deixa voltar para a colmeia,

e você, crédula, acha que isso é amor.
No fundo, ele apenas quer que você perceba que as outras te olham diferente
todos já apontam e sussurram por suas costas

dizendo: "Lá vai a futura refeição da aranha"

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Não sei se foi você ou fui eu
Que me vi primeiro no baile.
Sei que eu dançava de olhos fechados,

Conformada com o fato de não haver um príncipe à minha espera.
Sei que eu girava no mesmo lugar e mordia os lábios.
Sei que achei sua máscara sem-graça.

Achei você tão comum...

Eu gostava de pensar que era a cortesã mais inteligente
A mais interessante. Acho que você pensava a mesma coisa de si
E creio que foi a nossa arrogância que nos aproximou.

Conversamos tanto, sem dançar. Pelo menos por um tempo, mesmo assim continuei surpresa quando você me pediu uma valsa.
Nunca passou pela minha cabeça que eu fosse capaz de permitir que você (logo você) me girasse pelo salão.
E eu lhe disse, diretamente, o quanto desgostava de sua fantasia

Nossas conversas eram frívolas, sempre tive a sensação de que bobagens eram tudo o que lhe interessava. Minha futilidade era tudo o que eu podia lhe oferecer.
Na verdade, não era segredo para ninguém que meu maior passatempo era estudar as bruxarias.
Mas, mesmo quando estava estudando-a, você nunca se interessou por mágica.
De nenhum tipo.

Não foi belo nem inocente o que houve entre nós.
Você queria dançar com alguém e eu estava cansada dos pares ocasionais.
Você me escolheu como um vestido ou um sapato.
Não. Péssima escolha de metáforas (Outra coisa que você nunca soube entender)

Quando escolhemos um produto há alguma coisa de encantamento, algo de mágico.
Houve alguma coisa de especial quando você olhou para mim?
Ou foi como um casamento arranjado? Com a carta com minhas qualidades boas e más e um pequeno retrato para provar que eu não era tão deformada assim?

Não importa. Agora não importa mais.
(Quem eu penso que estou enganando? Você pisou em meu orgulho)
E eu que me achava um pouco, só um pouquinho, sedutora...

Eu estava bem, girando no mesmo lugar e mordendo os lábios, sabia?
Eu estava bem, dançando com vários mascarados.

Sabe, o que mais doeu foi descobrir, ao me ver em um espelho, que sua máscara sem-graça era quase igual à minha.