Hai-kai, Mario Quintana

"Rosa suntuosa e simples,
como podes estar tão vestida
e ao mesmo tempo inteiramente nua?"

terça-feira, 30 de abril de 2013

Endometrial

Sangue e água se misturam no chão do box.
Sem cortes. Dói em músculo, em mês.
Água vermelha e coágulos doem ao sair.

É também como se saíssem pedaços de mim.
Pergunto-me: se de mim em sangue saio aos pedaços,
Pode o sangue trazer de volta um pedaço de mim?

Metade afastada de mim, leva os teus sinais
E deixa-me porque sofro na negação de um parto.
Lavo o sangue e a água leva seus pedaços.

Que água levará os pedaços de afeto coagulado
Restantes?

domingo, 28 de abril de 2013

Feminina - de Rodolfo Teixeira

"Maria de poesia
De lutas
De glórias
Sua natureza silvestre de rosa
Veste-se de vermelho
Sangue de nossa gente.

Rosa descendente
Rosa do céu
Rosa do país distante
De outrora cadente
Hoje de pé, presente.

Ascende tua alma mulher
De todas as mulheres que te seguem
Na epopeia do teu ser
Se reconhecem."


Eis que estou tendo um domingo tranquilo quando sou apresentada a essa homenagem, de autoria de uma alma amiga. Envaidecedor.

domingo, 14 de abril de 2013

Abandono

Como um cão trancado em casa,
Na solidão de um apartamento escuro,
Uiva meu peito ante a vibração de meus ouvidos,
Estimulados por tua voz.

Deste cão acabou-se a água e a comida
E já roeu de ansiedade os pés de todos os móveis.
Falta aguda de seus afagos,
Aumentada por ruídos estranhos.

Uiva meu cão e seu choro ecoa
Sob os pensamentos meus.
Já roí todos os móveis, me restam as unhas.

Não é mais como se te quisesse
(embora ainda te queira sim),
Mas a sala está escura e cheirando a abafado

E queria tanto um afago alheio,
Já que tua voz continuará ressoando no corredor.

Como um cão trancado em casa,
Sento ao lado da porta, impaciente,
Uivo e espero que me destranquem
De mim.

sábado, 13 de abril de 2013

Pubescência

Eu quero que chova tudo aquilo que em mim arde
Tudo aquilo que vai tarde, tudo aquilo que é mau.

Eu quero que escorra em suor nos meus braços,
Minhas pernas, minha barriga e meu púbis,
As lembranças que me mantêm acordada,
Aquela dor velada, esse amor cheio de sal.

Eu quero conforto em outros braços
Quero dormir um sono de cem anos
E acordar disso que me machuca, porque nunca foi real.

E os beijos não me acordarão,
Não há grito nem sonho nem volta nem paz.
Há esse mundo caótico, há ser adulta e nada mais.

sábado, 6 de abril de 2013

Nostalgia

Amar você foi um exercício de port de bras
Suave, leve e fluido.
Aos poucos fui inventando novas posições
Dentro da quinta, da quarta, da segunda na Escola Cubana.

Amar você foi uma canga do Che em um dia nublado.
Areia no chão do apartamento.
Um port de bras e queimação nos músculos dos braços.

Como cansa, depois de um tempo.
Como dói, depois de um tempo.

Amar você e ver a canga levantar no vento
Em silêncio, silêncio meu de todas as coisas que não digo.

Aos poucos fui valsando e o espelho me dizia
Que todas as posições estavam erradas
E a música também.

Amar você foi dançar balé ao som de rock
Em um chão de tacos.
Dia nublado em Ipanema e a chuva fria na Lapa.
E um café no Centro e o sol laranja nos prédios da Tijuca.

Eu evito fazer planos porque eles me assombram em sonhos depois.
Dividimos nossas tarefas: você fez os planos, eu os quis.

No meu quarto tem uma parede vazia esperando o quadro
Que você nunca me deu.
No meu peito tem um buraco, de um pedaço que você tomou
E não preencheu.

Amar você ao som de bossa, de jazz, de rock,
Da solidão.
Amar sozinha, esse bicho ambíguo que você é
Eu juro que isso não queria não.

quarta-feira, 3 de abril de 2013

Bicho cativo

Abro minhas asas de pássaro exótico.
Há tensão em meus músculos,
Estive contida por muito tempo.

Minhas penas se alongam, deixam que o vento as ame
E eu toda me estico.
São asas multi-coloridas, com um quê de fada
E um quê de bicho.

Foi o sangue pulsando vívido que as abriu.
Meu coração bate tambor pros seres
De toda a terra, toda a água e todo o ar.

Voarei. Voarei, sabe meu peito.
Não agora, não sozinha.

Voarei quando houver vento zumbindo,
Quando houver sol morno,
Voarei quando o chão parecer por demais irreal.

Voarei, sabem minhas asas.
E mal sinto mais as raízes que me prendem a essa terra.
Já basta da Terra Papagalli.

Já basta das Índias tão Orientais em pleno Ocidente.
Oriente-se, mulher! Voarei para longe do porto.
Estou viva e a terra é fértil, mas não há chuva.

Não há chuva nessas terras, não há marinheiro que as regue.
E abrem-se minhas asas e batuca meu peito
No compasso da desilusão, viu?