Hai-kai, Mario Quintana

"Rosa suntuosa e simples,
como podes estar tão vestida
e ao mesmo tempo inteiramente nua?"

domingo, 23 de junho de 2013

Bestial

Pus uma máscara de tinta em meu rosto
Para disfarçar a tristeza e o cansaço.
Decidi pintar no rosto uma Pagu esfingética
Que devorará o decifrador.

Pus um brinco só na orelha esquerda.
A máscara triste do teatro.
Minha máscara de tinta esconde
O que a máscara brinco revela.

No peito levo a Rosa,
Meu signo e minha cruz.
Hoje sou mulher-espinho,
Pintada. Mulher-fera em silêncio.
Hoje fiquei na toca.

Mas, compelida por mim mesma,
Saio pro mundo.
Trajando máscaras de luto.

22 de maio de 13

Violentar

Meu lugar é na luta
E, nela, ouvi rosnado, de um encapuzado,
"Vagabunda". "Vadia".

E meu sangue de mulher-barata
Esfriou mais uma vez sua fervura.
Assim como faço nas calçadas,
Fiz na passeata, andei e ignorei.

Mas há um peso nos rosnados
Que machuca o que há por dentro
E mata, pouco a pouco.

Vi dez monstros em cima de um rapaz.
O que me foi possível foi sofrer e correr.
A paulada mata. Pouco a pouco.

Pouco a pouco cresce o bicho.

quinta-feira, 20 de junho de 2013

Fascio

O fascismo é duro com o amor.
Não é permitido amar nenhuma outra bandeira
Que não aquela verde e amarela.

Mesmo que o verde e o amarelo
Te lembre de índios mortos. Negros mortos.
Paraguaios mortos. Pobres mortos.
Mesmo que você não queira esse verde e amarelo.

Mesmo que o verde e o amarelo
Te lembre o primeiro de abril de 64
E Mussolini.

O fascismo é duro com o amor.
Ele machuca quem você ama
Arranca dos seus braços notícias e faixas.
Arranca dos seus braços a segurança.

O capital é duro com a vida.
Ele só permite que se diga o que o agrada.
E depreda tudo o que há de diferente.
Vandaliza a dignidade das pessoas.

Há pessoas que amo encurraladas
Em todo o mundo. Todos os dias.
E nesse momento.

Há pessoas trancadas em bares,
Em universidades, em casa,
Na prisão.

Por favor que 64 tenha ficado em 64.

Caos

A multidão corria
Ao som de bombas e iluminada por postes.
Alguém ergueu uma barricada
E eu me perguntei se eles nunca se deram ao trabalho
De ver Les Misérables.

É Hollywood, é fácil de achar
E mostra claramente que
Barricadas sem povo ou revolução
São devoradas por balas e pela história.

Na praça soube que dele ninguém sabia
E, com os tiros espocando ainda nos ouvidos,
Faltou ar para encher o buraco súbito no peito.

O amor prega dessas peças.
Quando achamos que a festa acabou
E ele partiu, ele nos dá um soco na cara.

Meu amor voltou com a violência
E a ineficácia de uma barricada em chamas
No fim do ato.

Nossa relação acabou,
A despeito da anarquia do meu coração.

sábado, 15 de junho de 2013

A poética das estrelas

Cai o muro no leste do Velho Mundo
E brilham estrelas sob o Cruzeiro do Sul.
A noite de sonho teve seu início
Enquanto, uma dezena de anos antes, começava o pesadelo neoliberal.

A estrela na bandeira vermelha tremulava nas manifestações
E nos capôs dos carros nos anos noventa.
Eu era criança. E sonhava com a  estrela da Terra do Nunca.

Os brilhos enfraqueceram nos olhos dos meus pais
E as estrelas seguiram nos carros do século XXI
Em menor número. Eu era adolescente.
Ainda pensava na Terra do Nunca. Longe de mim.

Veio a aurora de minha vida adulta,
O ocaso da estrela de Peter Pan,
E, vinte e três anos após cair o muro, eu era adulta.
E falava em sol.

Menos vermelho do que a estrela ao nascer,
Menos vermelho do que o muro que caiu.
Mas está nascendo e dele vemos apenas o halo.

Aguardo uma manhã quente de céu rajado.

domingo, 9 de junho de 2013

Invernal

I
Há tanto em meu peito que tudo o que eu precisava era de uma noite de solidão.

II
Há um buraco no meio de meu corpo que arde.
Há muito ele não era tocado por mãos ou corpos. Ou vigores.
Esqueci que ele poderia demorar tanto para se recompor.
E não doer.

III
Não é que eu esteja bem.
É que estou mal há tanto tempo
Que só sei responder, quando perguntada
"Tudo".