Hai-kai, Mario Quintana

"Rosa suntuosa e simples,
como podes estar tão vestida
e ao mesmo tempo inteiramente nua?"

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Retalhos VI

Os dedos etéreos dos fantasmas,
aveludados, mexem em meus cabelos
e deixam marcas de fogo pela minha pele.

Gosto dos seus murmúrios
que assumem a forma de vento
e vão de encontro às árvores, me embalando.

“Vós, que sois o último vestígio de meus ancestrais,
guardai este corpo, último receptáculo de vossa semente.”
O meu corpo.

E, de noite, quando finda minha cegueira,
vejo seus rostos e ouço claramente suas vozes.
“Ide,” dizem “lança-te ao desconhecido e abraça teu destino.”

E me assusto, pois sinto o fio das Moiras
a apertar minha traquéia.
Os fantasmas sorriem e me puxam.

Acordo como criança tonta
a agarrar o ar noturno.

--

Antiigoo...

Astronomia

O Sol reduziu de tamanho
E a Terra sentiu.

Às vezes penso que parei,
Às vezes percebo que ainda estou presa em sua órbita.

Plutão não é mais planeta,
Eu ainda sou um satélite?

Quero dançar a valsa de outros astros,
Mas seu campo magnético ainda me prende.

Não há mais marés ou fases lunares entre nós.
Só as crateras que os meteoros deixaram em mim.

Famélica

Tenho fome. Uma fome animalesca
E urgente que me queima as entranhas.
Uma fome de pele de homem, de carne rija
De homem, fome essa que me queima cada
Centímetro de corpo quando não saciada.

Por vezes, muitas vezes, queria mandar
Para o inferno a Moral e o Decoro
Ou ser apenas um bicho.
Digo, sou um bicho, mas tive
O azar de nascer na única espécie estúpida
Que mistura o desejo animal com um milhão
De outras coisas sem importância.

O pior é que sou tão malditamente
Humana e acomodada que sou incapaz
De apenas saciar a minha voracidade.
Não, também eu associo o desejo com
Outras coisas estúpidas.

Quando a fome aperta,
Os pensamentos pululam loucos,
Fantasias impudicas com qualquer um.
E, como uma anoréxica fecha a boca,
Me fecho, ignorando os impulsos,
Pela Moral, o Decoro e o meu Bem Maior.

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Num canto da pista

Não sei amar comedida, amar pela metade.
Não sei amar calma, desprendida.
Desconheço esse amor respeitável.

Se amo, amo mesmo. Talvez demais até.
Me jogo, me entrego, me confesso.
É um turbilhão louco, por vezes constrangedor.

Até hoje, mambembe e solitário.
Amei nesta curta vida em desacordo
E descompasso dos amados.

“Não te acompanho”
Não te acompanho, coração idiota.

Danço sozinha, quase sempre.
Não sei minuetos não sei quadrilhas não sei sambas.
Eu só não sei.

E vou dançando de olhos semi-cerrados,
Fingindo que nem ligo,
Fingindo que sei o que estou fazendo.
Fingindo que não dói.