Hai-kai, Mario Quintana

"Rosa suntuosa e simples,
como podes estar tão vestida
e ao mesmo tempo inteiramente nua?"

sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Sobre o sol inclemente e tropical

Me faltam nuvens e palavras,
me faltam arroubos de criatividade.
Sinto falta da chuva forte e intensa.

Sinto falta dos trovões que ocultam os soluços.
O sol forte me causa dores de cabeça,
suores desnecessários.

(Tenho essa mania de achar que a produção
dos meus fluidos corporais – sejam lágrimas ou suores –
deve se ater ao essencial, mais do que isso é patético)

2010

Nada a ver com meu momento atual de vida (as paixões...), mas decidi postar graças a um papo com uma amiga sobre meu problema com chorar em público e/ou fazer outras coisas que eu considere vergonhoso. Acho que tem muita gente que tem esse tipo de problema, né?

Clausura

O campo ao longe parecia verde
E fui sonhando-o.
Pensei em quão macia seria sua relva,
Quão mornos estariam os torrões de terra.

Sonhei com o cheiro de suas ervas
E o som de seus insetos.
Ansiei, esperei, me retorci,
Choramingando por dentro de frêmito apaixonado.

Lutei contra minha torre, atirei objetos ao chão.
Ainda não posso ir, ainda não...

E, salivando de desejo (da corrida, do vento, do sol),
Passei dias em minha janela,
Tentando seduzir o tempo para que passasse mais depressa.

Mas, observando o campo, percebi racionalmente seus defeitos
E vieram as dúvidas. Será que é tão bom?
E, mesmo que seja tão bom, será que há lugar para mim?

Será que há querer para mim?

terça-feira, 27 de setembro de 2011

Emboscada

Meus braços e ventre sentem o formigamento da ausência do corpo que desejo.
A extensa criatividade que possuo produz realidades alternativas ao fato concreto.

Deposito pratos de leite e migalhas de pão na trilha que espero ser seguida
E aguardo... Aguardo sob a chuva morna que encharca meus cabelos.

Chuva que tamborila nos objetos no mesmo ritmo da minha pulsação acelerada.
Trêmula, aguardo... Aguardo o desfecho da armadilha cuidadosamente tramada.

Trêmula, questionando minhas razões e meu papel. Sou caça ou caçadora?
Quem está na liça? O jogo é concreto ou estou delirando sozinha?

Meus braços e ventre formigam, ignorando minhas dúvidas,
Estimulados por meus anseios. E, trêmula, aguardo a chegada dos trovões.

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Apocalipse

"Ouvimos quando as primeiras fizeram contato com o chão.
Corremos às janelas e todos tivemos medo.
Que pecado tão terrível houvéramos cometido

Para que os céus chorassem fogo sobre nós?
Nos entreolhamos, esperando que alguém falasse.
Nossa cassandra chorava a um canto,

Agora queríamos tê-la escutado.
Logo as primeiras casas foram atingidas.
Quantas crianças e suas mães choravam,

Queimando naquele inferno?
Não tínhamos ideia do que seria de nós,
Só sabíamos que era o fim."

2009


Como podem ver, esse é velhinho, mas eu o (re)descobri ontem, quando mexia num caderno velho. Gostei dele, apesar de toda essa angústia e dor que eu imprimia nas minhas palavras.
Se alguém não estiver familiarizado com a mitologia grega, é só avisar que eu contextualizo o poema.

Beijos

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Sarah (escrito em 2007)

"Quando pequena,
eu costumava crer
que crianças já tinham
sido estrelas.
E que, um dia,
voltariam a sê-lo.

Mais tarde,
cada conquista terrena
era uma fita que amarrava
os raios delas por aqui.

Eu olho para você e
lhe vejo dar tchau.

“Eu quero ela de volta.”
“Eu não quero que ela vá
[embora.”

A todo instante elas vão
[embora.
Vão embora porque mudam
[e não são mais o que eram.
(Isso é desatar os laços.)
Só quem não muda são os que
[morrem.

E esses
vão embora
[para sempre.

Você está desatando seus laços
Você está dando tchau
Você está voltando a ser estrela
Você está indo embora.

Se suas fitas não fossem
metafóricas,
elas seriam azuis.

Da cor do céu
[e dos seus olhos.

Se suas fitas fossem reais,
eu guardava comigo
só a que mais me representasse você
[suas histórias
e usava ela para prender
[meus cabelos."

Eu escrevi esse poema há alguns anos (talvez já possa dizer "muitos" a essa altura do campeonato), talvez, se o tivesse escrito hoje, seu estilo fosse melhor ou o português mais refinado, vai saber. A questão é que ele foi feito a partir de um sentimento puro e honesto que, no momento, não saberia traduzir tão bem quanto há quatro anos consegui. É isso. Vou ver se acho uma fita azul para usar nos cabelos esses dias. Azul.

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Estocolmo

"Conheço muito pouco da Cidade Maravilhosa que tanto se fala,
A cidade que lateja sob meus pés
Tem seus tendões esgarçados e é um anúncio de infarto.

Dos odores que sei, a maioria vem de gente, bichos e carros,
Poucos perfumes e cores aquareláveis.

Nesses dias nublados, onde prédios e céu se fundem,
Emerge um ouroboros gigantesco,
Com pedaços seus vomitados por todos os cantos.

Dessa cidade cada vez mais hostil,
Conheço muito de seus feitiços e nada de seus encantos.

Mas, mesmo no Centro mais imundo,
Abandoná-la está fora de cogitação."



Centésimo post, minha gente! Saibam, leitores silenciosos (que até comentam quando posto no facebook, mas no blog que é bom, necas), que eu nunca achei que esse blog fosse durar tanto, principalmente porque eu o sinto quase como uma experiência esquizóide, como se estivesse em um quarto falando com espelhos... De qualquer forma, a poesia, como o Rio de Janeiro, está tão entranhada em mim que abandoná-la também está fora de cogitação.