Hai-kai, Mario Quintana

"Rosa suntuosa e simples,
como podes estar tão vestida
e ao mesmo tempo inteiramente nua?"

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

A menina-mar

Mordeu-lhe.
E, naquele corpo-água fugidio,
parecia abrigar-se todo o sal do mundo.

A pele branco-dourada
da mais fina
áspera e suave areia
penetrava-lhe os poros.

Os olhos eram de um
furta-cor indizível.
(Seriam verdes? Não. Azuis.)

E uma tristeza de oceanos possuía-lhe,
tornando-os em matizes de cinza.

Uma tristeza muda,
inexistente. Persistindo nos ouvidos
no mesmo eterno ruído surdo.

Amar-lhe era para si um banho de mar.
Pois era ela mesma a idílica prosopopéia das águas de sal.

Em seu auto-contimento sôfrego,
mergulhar-lhe era dar-se, apenas.

Por vezes, num gesto de benevolência,
sobrava-lhe somente o terno gosto de sal.

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Retalhos V

"Nos cercamos de coisas mortas.

Nos cercamos de coisas mortas porque tememos as vivas.

As vivas um dia morrem.

E aí há o abandono."


Mostrei este poema a meu professor de yoga e ele redigiu uma resposta a este.
Porém, a resposta pertence a ele e não me sinto no direito de publicá-la aqui.

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Retalho I

"A angústia sobe em ondas
como um monstro pegajoso
subindo pelo abismo que eu temo
[o meu abismo, a minha alma.

A angústia vem misturada com a náusea
e com as lágrimas secas que fazem força para escorrer.

Mas que angústia é essa, Maria?
A angústia da saudade de algo
que perdi há tanto tempo que nem mais sei o que é.

Que tortura é essa?
Que medo do monstro que já afugentei?

Guio minha criança até o armário
e lhe mostro que as bestas que teme,
uma vez na luz, simplesmente não existem.

A criança choraminga e me assusta:
vejo que a matei, pois sua realidade eram os monstros
e ela, – que tristeza, Maria – ela era eu."

Um poema um pouco mais recente, mas não tão recente assim.

sexta-feira, 4 de julho de 2008

A canção da primavera

"O Rio de Janeiro é um labirinto
de ruas e morros.
Por onde escorrem e se perdem
sonhos, esperanças partidas
d’uma cidade sem passado.

Minhas esperanças escorrem
pelo rio Carioca.
Meus sonhos evaporaram
com o álcool da cozinha.

Meu amor platônico morreu.
Minhas imagens platônicas morreram.
Meus sonhos platônicos?
[Já fazem tempo.

Em tempos, sonho que,
depois do grande espetáculo,
dizes que me ama.
É patético
(eu sei)
É estranho
(nem nos conhecemos direito)

Te amei por conta da imagem
de bom moço que tinhas diante dos meus olhos.
Te desamei por conta da má vontade
da vida de me dar mais informações
condizentes com a minha imagem.

Digo que não te amo mais,
mas ainda escrevo um poema para ti.

Pensando no próximo verso:
“Espero que seja o último”.

É mentira.
Eu queria dizer “eu te amo”
todos os dias.

Eu queria ouvir
“eu te amo”
todos os dias.

Egocêntrico?
Eu sei.
Penso de forma egocêntrica.

Mas é primavera.
E eu queria ser amada.
Mas é primavera.
E eu queria ouvir
palavras doces.

Mas é primavera
e meus sonhos já secaram.

Minhas lágrimas ainda não."


Poema antigo, do ano passado. Amor platônico é um hábito meu, cheguei a esta conclusão. E isso muda alguma coisa dos meus amores? Nada.


Odeio o blogspot que não deixa as minhas "cavalgadas" direito.

domingo, 8 de junho de 2008

Canção do adeus

"Me beija, amor,
Toma meus lábios
Antes que o veneno faça efeito.

Me beija, amor,
Suga minha alma
Que eu virei o frasco inteiro.

Me beija, amor,
Me faz sua Julieta
Que eu estou desfalecendo.

Me beija, amor,
Cola-se, quente, a mim
Que estou gelada.

Me beija, amor,
E faz deste gesto de despedida
Um último adeus.

Me beija, amor,
Meus olhos molhados
Já não veem mais nada.

Me beija, amor,
Que sua voz não me alcança mais.
Deixe os anjos levarem o recado."

Esse poema não é uma experiência pessoal propriamente dita. Foi baseado em um sentimento de perda que eu captei e criei isso. Finalmente voltando aos poemas que não são pessoais.

segunda-feira, 2 de junho de 2008

Olhos vítreos

"Ninguém me vê
Ninguém me avisou
Não faz assim,
Não vai dar não.

O meu mundo em preto-e-branco,
Misturo as tintas, tento colorir,
Me embaraço na minha visão.

Me faço suspirar, que aflição,
E sair pra sessão,
Só pra fingir.

Vejo os outros brincando,
Eu gostando de ser tua sombra
E me multiplicar.

Nos teus olhos também posso ver
Minha tristeza te vendo passar.

Nessa sala fria,
Não há clarões, não há dias,
Depois de outros dias.

E no meu coração,
Passas em exposição,
Passas sem ver minha vigília
Catando a alegria que jorra pelo chão."

Sou apaixonada por Chico Buarque, estava apaixonada... Bien, é isso.

quarta-feira, 21 de maio de 2008

Apenas um Eco de Narciso

"Outrora hei comparado a mim mesma com Eco.
A tola que se apaixonou por Narciso.

Percebo um leve equívoco em minha comparação.
Não és tu Narciso. Sou eu mesma.

Apaixonei-me por uma imagem.
E, efetivamente, tenho de agradecê-lo.

Agradecer tua princesa também, ó glorioso Rei.
Afinal, se não houvessem jogado uma pedra n’água,

Não haveria eu terminado por me afogar?
Talvez a história fosse mais bonita assim, pena.

Diga-me, sua Majestade Cirano de Bergerac,
Como é brincar tão magnanimamente com o coração de alguém?

Foi outrora minha dor tão peculiar
Que tu, o cientista, não pudeste deixar incompleto o experimento?

Diga-me, el Rei,
Como é partir o coração de uma reles plebéia?

Há tempos, comparei-me a uma tela,
[um brinquedo teu.
Ledo engano! Não me elevo a tão alto posto!

Brinquedo é a delicada princesa,
Que estimas e tens medo de quebrar.

Que fui eu?
Que sou eu?

Ah, mentiroso vil!
Ah, tola nobre falida!

Ainda não aprendeste que ele gosta de te ferir?
Ainda não aprendeste que ele não gosta de te ferir?
[Ele não sente nada por ti, tola."



Boas notícias: o amor idílico vem se transformando em mágoa e raiva. Graças aos céus.



Há horas falando com minha Seh. Tantas saudades dela... Oh céus, quando vamos nos ver?



domingo, 11 de maio de 2008

Mais uma vez te amo

"Meu coração ficou apertado agora.
O dia inteiro te espreitei e tive vontade de chorar.

Tive vontade de chorar quando ela se recostou em teu colo.
Tive vontade de chorar quando tu a abraçaste.

Tive vontade de chorar quanto tentei falar contigo, e tu?
Tu sorriste para mim como se nada tivesse mudado
[e tornaste a olhar para ela.

Oh, escuridão bem amada, por que ignoras minha presença?
Sinto-me como Eco apaixonada por Narciso.

Mas tu não és belo como Narciso.
Tu me lembras Cirano de Bergerac.

Em todos os aspectos.
Inclusive em que tua maior beleza se encontra nas palavras.

Querido, sofro tanto, sofro tanto e tu ignoras.
Tu ignoras todos os meus sentimentos.

Por que as coisas estão postas assim?
Por que fui tão tola e não percebi que teu sorriso era voltado para mim?
[Não para ela, não para ela.

Percebo agora e temo ser tarde demais.
Pois teus sorrisos para mim ficam cada vez mais escassos.
[E te voltas para ela. E te voltas para ela."


"Mais uma vez te amo", eu espero que seja o último poema de amor da minha fase atual, espero que eu pareça estar tão forte quanto pareço para deixar o Rei morrer e algo de novo nascer nas cinzas.

Dia frio, apareceu um sol de mentira no fim da tarde. Vagabundei o dia inteiro.

Quem inventou o dia das mães? Ah é, o capitalismo.
Tratei minha mãe como sempre, a diferença é que fiz o café da manhã para ela.

sexta-feira, 9 de maio de 2008

Ding dong dell, the pussy is in the well

"Para que Zaratustra nascesse,
Nietzsche teve de chorar.

Minhas lágrimas já se foram
E uma dor insistente de cabeça
Foi a única coisa que brotou.

Estou caindo em um abismo
No interior de minha confusa mente.
Estou apavorada,
Chegará ao fundo?

O choque com o chão de esperanças
[empedernidas
Tirará meus sentidos
Para sempre?"


Tem muito a ver com meu momento.
Estou assustada de verdade.
Na verdade, tinha vontade de postar outro poema aqui, mas prometi que o blog (e a vida) não giraria em torno de uma só pessoa.

quinta-feira, 8 de maio de 2008

Soneto da Saudade

"Eu sinto a sua falta.
Sinto medo do escuro.
Sinto falta de quando
você me pegava no colo.
Sinto falta do seu sorriso.

Durante cinco anos,
você vinha à noite e
me mostrava novos mundos.
Sinto falta das suas mãos.

Durante a sua morte,
você viveu em mim.
Me falava do mundo,
do futuro.
Sinto falta dos seus beijos.

Eu não acredito em deus,
não creio em nada.
É duro dizer adeus
e me sinto abandonada.
Sinto falta da sua existência."


Sim, eu sei, não é um soneto. Mas o nome é esse, foi feito há um tempo, quando eu não tinha noção do que era um soneto. Esse poema foi feito para uma pessoa que eu amei muito e me deixou tem muito tempo.
Publiquei-o aqui porque estou cansada do meu blog (e a minha vida) girar em torno de alguém que definitivamente não me corresponde.

terça-feira, 29 de abril de 2008

Caixinha de Música

O barulho dos tanques aumentava à medida que se aproximavam.
-Eu tô com tanto medo... -Sussurrou seu pequeno irmãozinho, grudando ainda mais o corpo no dela.
Engoliu o medo e deu um sorriso para fortalecê-lo. Havia prometido à sua mãe que iria cuidar do pequeno.
-Não precisa. Está ouvindo esse barulho? -Disse, afagando sua cabeça.
Ele fez que sim com a cabeça.
-São as portas do céu se abrindo... -Começou.
Olhou para o céu cinzento, sabia que era mentira. Sabia também que seria a sua última mentira.
O pequenino se afastou um pouco, indignado.
-Não é não. São os tanques maus vindo pegar a gente. -Reclamou.
Ela o apertou contra si, com medo.
-Sim. Mas há um outro barulho. Aquela música que a mamãe sempre canta... -E, como mágica, a música começou a soar.
O menino, maravilhado, sorriu.
-A mamãe está de braços abertos naquele vestido azul de dia de festa. E o papai está com aquela farda bonita...
A música suave embalava a criança.
-Atrás deles, estão tantos e tantos anjos...
-Mas não são os anjos que cantam no céu? -Perguntou meio sonolento.
Ela fechou os olhos e deixou pequenas lágrimas rolarem pelo rosto.
-São, mas...você nunca percebeu? –Perguntou, fingindo surpresa.
-O quê? -A curiosidade tentava vencer o cansaço de dias acordado.
-A mamãe sempre foi um anjo. -Sussurrou na pequena orelha pálida do irmão aquele segredo, tão secreto, que era quase pecado ser dito em voz alta.
-Eu sempre soube... -Foram as últimas palavras dele antes de dormir.



Dias depois, participantes da Cruz Vermelha vasculhavam os destroços de um abrigo.
Descobriram os corpos de duas crianças. Abraçadas, dormiam sorrindo o sono eterno da morte.

Ao fundo havia uma música insistente. Descobriram, apertada na mão da menina, uma pequena caixinha de música.



Eu gosto um bocado desse conto, é fofinho. Antigo...
Hoje foi um dia traquilo, sem nada demais.
Fui na médica, comecei a escrever o roteiro para uma peça... Nada demais.
Ah sim, tem o poema novo. Mas esse eu só vou publicar depois da peça ser encenada!

segunda-feira, 28 de abril de 2008

A boneca-menina

Eu estava no escuro,
com (muito) medo.
“Será que você sabe que eu existo?”
Pensei enquanto acompanhava
(apenas com os olhos)
cada movimento seu.

Em meu sonho,
eu era feita de pano.
E você me salvava.

Na realidade, eu sou feita de carne.
Mas, naqueles minutos, eu virei estátua,
tamanho era o medo que eu sentia.
Você, que murmurava segredos,
virou para mim
e fez-se a luz.

Seu sorriso me transformou

de menina em boneca
de boneca em estátua
de estátua em menina novamente.

Menina trêmula, mas feliz.
Feliz e medrosa.


Poema antiquíssimo feito para um velho amor meu, eis aí a origem do nome do blog.
E eu só quebro a cara. Pooois é. O único que deu certo durou pouquíssimo tempo.
Vai ver as coisas na minha vida são como fogos de artifício. Vem fumaça, fumaça, então vem um imenso clarão de luz que dura uns segundos e mais fumaça novamente.

quinta-feira, 24 de abril de 2008

Fantasma da Ópera, Mitologia Grega e minha vida amorosa

Disse Christine (Teri Polo) na primeira versão de "O Fantasma da Ópera" para Eric (Fantasma/Charels Dance) algo parecido com isto: "I've saw your eyes, I knew your heart. Love, why I can't see your face?" (Eu vi seus olhos, eu conheço seu coração. Amor, por que não posso ver seu rosto?)

Como todos os que conhecem a história (os que não conhecem, me perdoem ou vejam o filme para depois ler isso) Eric (já estraguei a surpresa ao chamá-lo de Eric mesmo) tem o rosto disforme e por isso usa uma máscara. Só que a pequena (e, nessa versão, loira) Christine não sabe disso e fica insistindo. O pobre coitado não quer ser abandonado pela amada e se recusa a mostrar-se, até que ela consegue descobrir a contra-gosto dele e (ooops, se não viu o filme, não leia) as previsões ruins dele se concretizam.

Essa passagem do filme me lembra a lenda de Psiquê.
Bem, para os que não conhecem:

"Psiquê era a filha caçula de um Rei Grego (cujo nome não nos importa) e a mais bela de todas. Vários homens iam visitá-la e comparavam sua beleza com a da deusa Afrodite (para os leigos no assunto, deusa grega do amor, Vênus para os Romanos).
No início, a deusa até que ficava lisonjeada com o fato de sempre encontrarem uma mortal para lembrar dela, mas depois, começou a sentir ciúmes.
Com raiva da moça, mandou seu filho Eros (deus do amor grego, Cupido para os Romanos) ir flechá-la com uma flecha da paixão pelo mortal mais horrível que houvesse e, por sua vez, flechar o alvo do amor de Psiquê com uma flecha da repulsa. Meio a contragosto de ter de realizar todos os caprichos da mãe, Eros foi.
Porém, quando armava o arco, a flecha da paixão feriu seu dedo e o sumo envenenado fê-lo se apaixonar por Psiquê.
Desesperado, Eros correu à mãe para pedir-lhe ajuda. Afrodite, a princípio, não quis fazer nada e ainda ralhou com o filho por ter fracassado tão retumbantemente na missão. Mas, mediante as ameaças de Eros, Afrodite cedeu e decidiu ajudá-lo. Com uma condição, Psiquê nunca poderia ver o rosto de Eros.
Paralelo a isto, o pai de Psiquê começou a ficar preocupado com o fato de a filha nunca se casar e decidiu consultar um Oráculo. O Oráculo falou que a filha do rei estava destinada a se casar com o monstro mais pérfido de todos, o monstro que se infiltra quando menos se espera e nos torna vulneráveis a tudo. Mas também, este monstro era muito forte e quase impossível de ser destruído.
O pai de Psiquê se desesperou com isso, mas seguiu as instruções da sacerdotisa e abandonou sua filha ao pé de um desfiladeiro.
O que o rei não sabia era que isso tudo era uma armação de Afrodite para que Psiquê se casasse com Eros (Eros, em grego, também significa 'amor', o monstro ao qual a profecia se refere).
Psiquê esperou e esperou, até que os mornos ventos do sul vieram e levaram-na para a frente de um imenso palácio.
Lá dentro não havia ninguém que Psiquê pudesse ver, apenas criados invisíveis que falavam com ela e cuidavam de seu bem estar. De noite, um marido sem rosto aparecia e era tão amável e carinhoso que Psiquê começou a se encantar por ele.
Passado um tempo, Psiquê começou a se queixar ao marido que se sentia solitária e queria muito rever as irmãs.
Dito e feito, no dia seguinte as irmãs de Psiquê estavam no palácio.
As invejosas irmãs de Psiquê babaram de ódio ao verem a vida que a irmã levava. E, sutilmente, agindo como Éris (a deusa da discórdia) plantaram na mente a idéia de que Psiquê tentasse ver o marido de noite, enquanto ele dormia e que levasse uma faca para o caso de ele ser um monstro. Psiquê tentou contra-argumentar, dizendo que só porque o marido não a deixava ver seu rosto não significava que fosse um monstro. As irmãs foram categóricas, ela deveria fazê-lo.
A ingênua Psiquê assim o fez. De noite, com uma lamparina, iluminou Eros enquanto dormia.
Ao ver o lindo rosto do marido, apaixonou-se de vez.
Porém, quando se inclinou para olhá-lo melhor, uma gota de azeite pingou em seu ombro e ele acordou, assustado e irritado de vê-la ali, apesar dos avisos e ainda com uma faca.
'Tola!' -Ele gritou -'Não disse que não devias me ver?! Mas destes ouvidos a suas irmãs e puseste tudo a perder!'
E, numa lufada de vento, tudo sumiu. O palácio, o marido, tudo. Apenas restou Psiquê chorando sozinha na grama."


Em algumas versões a lenda acaba aí, em outras Psiquê é morta. Mas nas que eu mais gosto, Psiquê casa-se novamente com Eros, provando que o amor é mais forte que tudo e vira a deusa do Sonho (daí a "psique" de Freud), para provar que tudo pode se realizar.



A questão é que as duas histórias se entrecruzam quando as moças insistem muito e põem tudo a perder. A diferença, é que Eros era lindo. Eric, não.
E que as duas tem muito mais sorte no amor do que eu.



Bem, eu vou ficar um bom tempo sem postar poemas de amor. Se o fizer, serão mais melancólicos ainda ou velhos, já que o meu Rei correu mesmo para os braços da Princesa, sem me enxergar nem como Bruxa.

Beijos

Aquele tempo que se foi

"Naquele tempo que se foi, não nos preocupávamos com o amanhã porque o hoje era mais divertido.
Naquele tempo que se foi, tudo era para sempre e as flores mortas sempre voltavam a viver.
Naquele tempo que se foi, não olhávamos para o passado, porque já tinha passado mesmo.
Naquele tempo que se foi, as brigas duravam um dia no máximo.
Naquele tempo que se foi, era o máximo pegar na mão do namoradinho.
Naquele tempo que se foi, as tragédias do mundo eram coisas de adultos e nós olhávamos apenas para nós.
Naquele tempo que se foi, as fadas trocavam dentes de leite por moedas.
Naquele tempo que se foi, o Papai Noel sempre dava um jeito de melhorar as coisas.
Naquele tempo que se foi, o coelhinho da páscoa adorava brincar de esconde-esconde.
Naquele tempo que se foi, lágrimas eram desperdiçadas com machucados físicos.
Naquele tempo que se foi, não pensávamos que um dia iríamos partir.
Porque o tempo não passa, nós que passamos."



Bem, esse textinho é um texto singelo sobre a infância. Meio baseado num texto da Cecília Meireles ("Aquele mundo que perdemos").

segunda-feira, 21 de abril de 2008

Confissão Sufocada

Estou sozinha na sala da minha casa
e, como em meses, não consigo escrever.
Se meus textos fossem de papel,
estariam acumulados na estante,
empoeirando.

Acho que você me transformou.
Desde que me descobri amando-o,
a realidade ficou fria, cinza e sem graça.

Eu estou como meus textos,
parada, intocada,
empoeirando.

Houve um sorriso maroto de um certo moreno
que ficou marcado a ferro no meu coração.
o seu sorriso doce está tão intrínseco
na minha mente
que eu poderia esculpi-lo com minha carne.

Ouço Legião Urbana e me deprimo.
Uma das minhas maiores amigas só repete:
“você não tem a menor chance com ele,
encare o fato.”

Mas será?
Eu queria tanto que ela estivesse errada.
Mas, de novo, é possível que eu tenha
que dar razão a ela.

Minha carapaça é contraditória com o meu
“verdadeiro eu”.
Sou tão tímida,
e eu só queria conversar com você.

Só queria não ter de escrever esse poema em código,
pois sei que esse será o poema que entregarei a você,
e tenho medo de você deixar de me tratar bem.

Esse poema não tem fim,
apenas o terá,
quando você souber o meu nome.

Me ajuda a escrever um final feliz.





Poema veeeelho. De 2007. Para a Bê ver que todos os poetas também tem seus momentos de dúvidas e hiatus. Pelos mais variados motivos. O meu tinha um sorriso lindo.

domingo, 20 de abril de 2008

A bruxa e o rei

Eu estou tão, tão confusa.
Me encantei por você e tudo ao seu redor,
a purpurina usada no palco me cegou no contraste com a luz.

De novo, me perdi em sonhos ilusórios.
E agora, a vilã de meu conto de fadas foi coroada princesa
[e eu sou a bruxa.

Como vou lançar meus sortilégios sobre você?
Como vou lançar minha magia em seu sorriso?

Será que terei coragem de te arrastar para o abismo comigo?
Será que terei coragem de quebrar o encanto que cerca sua Princesa?

E você?

Será que verá a pequena nobre falida que se apaixonou pelo rei,
Ou apenas verá uma bruxa cruel tentando destruir todo um reino de fantasias?

E você?

Será que me salvará de minha própria torre,
Ou cravará a espada em meu quase morto coração ao enxergar apenas um dragão?

E nós?

Será que meu sortilégio nos fará pairar sobre o abismo,
Ou eu terei matado sua princesa à toa?

E nós?

Será que os outros entenderão meu amor calado e explosivo,
Ou tentarão quebrar nosso sortilégio, crendo ser algo demoníaco?

E eu?

Ao tocar sua imagem, ela se revelará sólida como imaginado,
Ou se esfacelará ante a realidade?

E eu?

Todas as lágrimas convertidas em veneno, finalmente serão vertidas e me purificarão
Ou apenas absorverei mais e mais desse veneno chamado inveja?

E eu?

Quando decidirei queimar esse livro?

sexta-feira, 18 de abril de 2008

Diálogo

“Isso me irrita.”
“Isso o quê?”
“Esse seu jeito.”
“Que jeito?”
“De olhar para tudo com a mesma intensidade. A mesma educada curiosidade e surpresa por todas as coisas estarem aqui.”
“E qual é o problema nisso? As coisas não são eternas, imutáveis. Pode ser que daqui a pouco você não esteja aqui. Então, eu me surpreendo por você ainda estar.”
“Eu sempre estarei aqui.”
“Nunca diga ‘sempre’.”
“Não diga ‘nunca’.”
“E por que te incomoda tanto o fato de eu olhar para tudo com a mesma intensidade?”
“Porque eu queria que você olhasse para mim de uma forma especial. Como eu olho para você. E esse seu sorrisinho também me irrita.”
“Acho graça nos seus ciúmes. Eu já olho de uma forma especial.”
“Ah olha, é? Porque eu me sinto como essa flor ou aquela pedra.”
“E quer coisa mais especial do que me surpreender com a vida?”
“Não quero que você se surpreenda comigo. Quero que me ame.”
“Mas eu já amo.”
“Como ama a flor ou a pedra.”
“Como eu amo todas as ínfimas partículas do universo. Como eu amo a mim.”
“Eu quero que me ame de forma especial. Como aquele pássaro ama o outro, como aquele menino ama a menina. Eu quero ser tão especial para você como você é para mim.”
“E esse beijo fez você se sentir especial? Melhor do que a flor e a pedra juntas?”
“Mais do que você pensa.”
“Então, toda vez que você começar a reclamar, eu vou beijar você.”
“Acho que preciso reclamar mais.”




Feito para meu irmão e alguns amigos meus, que reclamam que eu detalho demais as minhas histórias.

segunda-feira, 14 de abril de 2008

Pérola Negra (episódio1)

A moça de vinte e poucos anos entrava no estacionamento e se dirigia para o carro novo comprado com seu suado dinheiro economizado por meses a fio. Liana não estava muito contente e deixou o carro no piloto automático. Ia assistindo o jornal matutino e resmungando sobre como odiava o Brasil, a megera que era a sua chefe e a matéria que a dita megera a mandara fazer.

Lia olhava tudo como quem quer levar um pedaço do ser amado consigo. Adeus, amado céu cinza! Adeus, querida tecnologia! Adeus, adorado pólo industrial! Adeus, adeus, São Paulo! Sua filha partiria para um fim-de-mundo em poucos minutos!

Sentindo-se miserável, Lia entrou no avião. Este parou meia hora depois em uma cidade pequena, de onde ela pegou um trem de um modelo de 30 anos atrás e, no mesmo tempo que o avião percorrera os milhares de quilômetros que separavam o Sudeste do Norte do país, chegara a uma cidade minúscula. Mas aquela não seria a última parada no itinerário da moça, ah não, depois de um pouco de descanso, pegaria algum transporte tão secular quanto tudo na cidade aparentava ser e iria para o seu destino final.

Como era quente e úmido naquele lugar, por Bill Gates! Sem sucesso, buscou por algum lugar de clima condicionado artificialmente, mas o local mais desenvolvido por ali era a antiquíssima estação de trem.

Sentou-se em um banco poeirento de uma praça poeirenta onde crianças imundas e, provavelmente, piolhentas brincavam mais adiante em brinquedos manuais pré-históricos. Uma delas empurrou a outra do assento, que gritou. Lia estava cada vez mais curiosa para saber que troço era aquele e por que elas gostavam tanto daquilo.

“Nunca brincou num balanço?” Perguntou um homem de traços indígenas ao sentar-se ao lado dela.
Assustada com o fato de um estranho sentar-se ao seu lado, Lia sobressaltou-se.
“Quem diabos é você?”

domingo, 13 de abril de 2008

Coroa fúnebre

E ela dirigia sem saber muito bem para onde queria ir. Onde queria chegar.
Sabia apenas de onde queria fugir.
Queria fugir dele. De como ele evidenciava o quão vazia sua vida se tornara. De como ele evidenciava a sua incapacidade, sua inutilidade.
Queria fugir dos outros, que riam dela junto com ele e o seu riso de escárnio que usava para tudo.
A tristeza e o cansaço embotavam os seus sentidos, mas ela ainda podia ver a estrada, então, tudo estava bem. Mesmo com os sentidos desativando-se, pode ver o ônibus. E então, não mais as coisas ficariam bem.
Talvez.

O carro se tornara uma lataria minúscula e havia vários rastros de sangue no asfalto negro. Ainda podia se ver restos do que um dia fora uma coroa de flores.
De baixo do lençol que escondia o corpo parcialmente queimado das pessoas frias, as rendas negras escapavam para bailar com o mesmo vento que espalhara as chamas pelo automóvel, mas que não a acordara.
Talvez tivesse sido melhor assim, se ela acordasse, gritaria de dor e medo. Mas então lembraria que nunca mais faria falta alguém e voltaria a dormir.

Vários curiosos se aglomeraram para ver o que ocorrera. Não que alguém efetivamente se importasse com ela, ninguém o fazia. Queriam apenas ver o sangue e a dor dos outros para esquecer as suas dores.
A buzina que tocou por conta da cabeça jogada sobre o volante foi a única coisa que fez as pessoas perceberem que havia alguém no carro. Uma mulher. Nova, bonita, esmagando um pequeno lencinho de pano em uma das mãos.

No necrotério, um homem se aproximara do corpo para reconhecê-lo. Ao ver a mão apertada que ninguém conseguira abrir, reconheceu naqueles cacos a mulher que ele secreta e covardemente admirara e adorara por anos a fio. Mas ele não choraria nunca, era covarde demais até para isso.
Discretamente, forçou a mão e pegou o lenço que ali estava apertado. Ele deu um sorriso ao reconhecê-lo como seu. O sorriso era apenas uma sombra daquele que enlouquecia ela, mas ainda era possível vislumbrar naquilo o homem que ele sempre fora.
Saindo do hospital, lamentou baixinho que os dois fossem tão covardes e as coisas tivessem de ter sido assim.

sexta-feira, 11 de abril de 2008

Hey you

“...e eu me destruo
me desconstruo
me transformo por você.
E você nem nota.
E o brilho dos seus olhos me perturba
E o seu sorriso sem sentimentos aparentes me perturba.”

“O que você está escrevendo?” Perguntou o rapaz olhando por cima do ombro da garota.
Ela resmungou e tentou fechar o caderno, mas ele era mais rápido e os dedos longos afanaram o caderno. Seu estômago deu uma volta completa, mas ela não o impediu de ler.
“Poesia? Tão típico de você...” Essa doera. Seus olhos se estreitaram, se ele soubesse como o descaso dele machucava... Não daria a mínima como não dava naquele momento.
“Por que você faz tantos poemas?”
Ela pensou um pouco antes de responder.
“Porque, assim, posso entregar o meu coração para quem deve ser entregue sem que essa pessoa necessariamente saiba disso.” Retrucou, olhando-o muito fixamente.

Hey you,
Out there in the cold,
Getting lonely, getting old,
Can you feel me?

Hey you,
Standing in the aisle,
With itchy feet and fading smile,
Can you feel me?
“Posso perguntar para quem é?” O sorriso debochado e superior dele a irritava, dava-lhe vontade de dar-lhe um tapa e, em seguida, um beijo para calar-lhe a boca e tirar-lhe esse sorrisinho superior. Obviamente, se ela o fizesse, o sorriso só aumentaria.
“Claro que você pode perguntar. Pode perguntar o que você quiser, é um país livre. E eu posso responder o que eu quiser. É um país livre, mon cher.” Retrucou, agarrando o caderno que ele já folheava.
“Conhecendo você, eu posso afirmar que esse poema é para a mesma pessoa que você fez todos os outros. E posso afirmar, me conhecendo, que meu sorriso não é desprovido de sentimentos.” Ela pode sentir o rosto empalidecer ante aquela afirmação. Mas não cederia, não deixaria aparente o seu desconcerto. Os dois nunca cederiam.

Hey you,
Out there on your own,
Sitting naked by the phone,
Would you touch me?

Hey you,
With your ear against the wall,
Waiting for someone to call out,
Would you touch me?
“Sua arrogância só cresce com o passar dos dias. O que o leva a crer que este poema e todos os outros são para você? Que o sorriso ao qual eu me refiro é o seu? Pode ser para aquele meu velho amor, para o fantasma que você me mandou esquecer.” Ele fechou a cara, mas o sorriso tão conhecido brincou novamente nas faces rosadas por conta da pele branca combinada com o excesso de sol.
“O que está ouvindo?” Perguntou, apontando para os fones do mp4 que estavam nos ouvidos dela.
“Minha música-vício atual.” Ela respondeu de pouco caso, não dava a mínima para a mudança de assunto. Sabia que ele era assim mesmo. Quando algo o incomodava, ele mudava de assunto e voltava a ser a fria neve eterna da inalcançável montanha.
Ele puxou um dos fones e o mp4 da mão dela. Olhou para o visor e resmungou o nome da música.

Hey you,
Would you help me to carry the stone?
Open your heart, I'm coming home.

But it was only, fantasy.
The wall was too high, as you can see.
No matter how he tried, he could not break free.
And the worms ate into his brain.
“E, te conhecendo como eu te conheço, posso dizer com quase toda a certeza que você ouve essa música pensando na pessoa para quem faz os poemas e que já fez um poema baseado nela.”
Foi a vez do sorriso superior dela iluminar o rosto redondo que seria supostamente infantil se não fosse a expressão constantemente fechada e os olhos que, inquisidores, encaravam a tudo e a todos com a mesma intensidade.
“Você está dizendo demais hoje que me conhece bem. Você, o senhor-arrogante-e-egocêntrico-sabe-tudo, acha que me conhece bem demais. Mas talvez apenas desejasse isso.”

Hey you,
Out there on the road,
Always doing what you're told,
Can you help me?

Hey you,
Out there beyond the wall,
Breaking bottles in the hall,
Can you help me?
Ele apenas ficou quieto. Um sorriso deliciado percorreu seus lábios quando ele pôs um dos fones no ouvido e escutou justo o verso que queria, como se fosse um sinal.
“Eu podia fazer o que você quer, sabe? Mas só se você pedisse.” Ela o olhou fixamente, pensou em muitas bobagens que queria que ele fizesse e teve consciência de que suas bochechas ficaram vermelhas. Umedeceu os lábios, mas não disse o que queria que ele quisesse ouvir.
“Do que está falando?” Perguntou, com a voz falha. Ele se aproximou ainda mais e um de seus dedos enroscou-se em um cacho particularmente fofo do cabelo dela.
“Por que sempre me faz perguntas que já sabe a resposta? Peça. Apenas engula o orgulho e peça.”
A voz não queria sair. Não queria. Eles não tinham consciência de que a música já tocava de novo. Sem saber o que fazer, ela começou a cantar junto com a música.
...Would you touch me?” Ele nunca a deixou passar desse verso, considerou como se fosse o pedido que queria ouvir e puxou-a para um beijo. O beijo que há meses ela esperava.
E o sorriso arrogante dele só se alargou quando se separaram, exatamente como ela previra.
“Por que os seres humanos são tão complicados?” Ela murmurou, ainda aninhada em seus braços.
“Não são os seres humanos que são complicados. Somos nós dois que complicamos as coisas mais simples.” Ele respondeu, aspirando o cheiro que tanto gostava: o dela.
“E por que fazemos isso?”
“Porque, senão, seríamos outros que não nós.”

Hey you,
Don't tell me there's no hope at all.
Together we stand, divided we fall.

segunda-feira, 10 de março de 2008

Sinestesia Anestésica

E eu achando que a noite nunca acabaria
E eu pensando que os dias eram sonho
E eu desacreditando que você viria
E eu te procurando feito cega
E você na minha frente
[eu ainda não via.

E eu achando que minhas lágrimas nunca secariam
E eu pensando que você era ilusão
E eu desacreditando meu desejo
E eu te procurando em mim mesma
E você dentro de mim
[eu ainda não sentia.

E eu achando que meu grito não sairia
E eu pensando que minha voz não existia
E eu te chamando desamparada
E você me acalentando
[eu ainda não ouvia.

E eu achando que o sentido se perdera
E eu pensando que o Norte era mentira
E eu desacreditando que você estava ali
E eu tentando te achar, perdida
E você me guiando
[eu tinha medo de não ser real.


Fase romântica...

Logo eu acho uns poemas da fase atual (política) e posto.

Lendo Cem Anos de Solidão. Gabriel García Márquez é phodástico.

quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

Futuro?

Uma menininha de seus 5 anos pulava corda em frente ao colégio São Vicente de Paulo, localizado na Rua Cosme Velho, bairro de mesmo nome da cidade do Rio de Janeiro.
Seus cabelos presos em marias-chiquinhas iam e vinham, conforme o movimento de seu corpo.
Sozinha, murmurava uma cantilena de roda que suas avós também devem ter cantado enquanto repetiam esse costume familiar.

Ela podia ser sua prima.
Ela podia ser sua irmã.

Isso podia ser hoje, não fosse o fato de ser noite. Não fosse o fato de não haver viva alma nas ruas. Não fosse o fato de o Rio de Janeiro parecer a cidade submersa e desabitada de Chico Buarque.

Uma moça mais velha abrira a porta principal do colégio, assustada. Ela correu até a criança e a agarrou pela mão. Lá dentro, depois de trancar a porta, a abraçou chorando. Explicava-lhe que os tempos estavam difíceis, que não se podia mais ficar saindo à rua, que ninguém deveria vê-las, que ela não suportaria perdê-la também.

Elas podiam ser sua mãe e avó.
Elas podiam ser suas tias.

Isso podia ser ontem, não fosse o fato do colégio mais parecer uma fortaleza e todos os prédios ao redor também. Não fosse o fato de não havia polícia nas ruas. Não fosse o fato de não haver nenhuma lojinha, mesmo que fechada. Não fosse o fato de não haver faixas de protesto.

A moça levou a criança pela mão para o subsolo. A capela com os bancos de madeira não estava mais lá. Não havia murais nas paredes com avisos das aulas. Não havia pátio externo. Não havia cantinas. Através da passagem usada por muitos alunos como atalho mais fácil para o prédio onde ficava a morada dos padres por muito tempo, elas chegaram a um abrigo, onde vários refugiados se escondiam. Os colchões pelo chão eram camas provisórias. Quantos deles chegariam ao fim do ano com vida? Quem sabe?

Elas ficaram no corredor, precisavam ter uma conversinha. A mais velha pôs a menina no colo e começou a lhe explicar que, há muitos anos, não se podia mais sair na rua. Todos insistiram sempre em ignorar as situações. Em não chamar de Guerra Civil a situação do Rio de Janeiro, mesmo até no começo do séc. XXI quem dizia uma coisa dessas sempre era alarmista, doido. Como com o Aquecimento Global.
Além do aumento do nível do mar ter destruído a orla, além de a poluição ter chegado a níveis absurdos, além da comida e água passarem a ser racionados, matando milhares assim, todos cometeram o erro de abandonar cada um à sua própria sorte.
Os ricos se isolaram nas novas cidadelas, chamadas de “condomínios”. Lá dentro tinha tudo. Essas cidadelas foram ficando mais e mais isoladas e blindadas com o passar dos anos e o resto da população foi abandonada. Os políticos, os outros poderes também se isolaram com o dinheiro público.
Esse movimento estava acontecendo em todo o mundo, todos se isolando. E todos os sinais ignorados.
Os que insistiram em morar “do lado de fora”, em respirar o ar que ainda havia, os que não tiveram dinheiro para se trancar também foram largados lá. A maioria, mortos. O mundo parecia um filme de faroeste, sem lei, onde mandava a lei do mais forte. Os que perderam a família, a casa, podiam se abrigar em lugares como o São Vicente de Paulo.
-Mas eu só queria ver a lua...Queria sentir o vento no rosto...Queria poder brincar como a mamãe contava que as vovós faziam... –Soluçava a menina enquanto tentava secar as lágrimas com as mãos.
A mais velha a abraçou e murmurou que havia pouco a se fazer. Naquele instante, elas deveriam ir dormir, deveriam tentar viver mais um dia.

Elas podiam ser nossas filhas.
Elas podem ser nosso futuro.

Isso podia ser real. Se não fosse um conto.
Isso pode ser real. Se não fizermos nada.