Hai-kai, Mario Quintana

"Rosa suntuosa e simples,
como podes estar tão vestida
e ao mesmo tempo inteiramente nua?"

domingo, 27 de maio de 2012

A ilha e as dores remanescentes de feridas cicatrizadas

Acordei meio tonta, meio bêbada, meio de ressaca e muito incerta dos acontecimentos na noite anterior. Várias cenas iam e vinham como um sonho muito louco e, ao mesmo tempo, terno e outras cenas traziam à boca do meu estômago aquele conhecido sentimento de auto-censura e "vergonha alheia de mim mesma".
Antes de falar da minha noite de bacante, elucidarei o "conhecido sentimento de auto-censura": eu sou controladora de mim mesma, tenho medo de meus furacões e das coisas que sinto apaixonadamente, sem ver o fim e com resquícios de trauma martelando conhecidos refrões em minha cabeça ("quem você pensa que é?", "arrogante, arrogante", "agora não vão mais gostar de você", "agora todxs sabem que você é inconveniente" e afins).
Aliás, fica aqui o meu "obrigada" público aos meus detestáveis colegas de escola que me tornaram uma pessoa muito mais emocionalmente fodida, destruíram a minha auto-confiança na adolescência e me empurraram para a depressão aos 13 anos. Lembro dos rostos e nomes da maioria de vocês e tenho algo a dizer: enquanto as cicatrizes do que vocês fizeram comigo ainda me bloquearem de conseguir as coisas que desejo, eu lembrarei seus nomes e rostos e não perdoarei. Guardo algumas lembranças boas do São Vicente de Paulo, mas a maioria delas está ofuscada pelo sentimento de isolação, medo de ser reprimida o tempo todo, desejo de aceitação (ao menos, que parassem de me ridicularizar sem me conhecer) e impotência total dos adultos da escola em me ajudar minimamente.
Esse parágrafo cheio de dor e virulência evidencia bastante porque me auto-censuro tanto: morro de medo que a censura externa volte com força total, então simplesmente internalizei ela. E, quando cometo algum deslize, fico me punindo por dias (às vezes semanas, meses e até anos) a fio, pensando sobre como eu não deveria ter feito o que fiz e como queria mudar o imutável. Há um tempo me perguntaram o que eu me arrependia e queria mudar na minha vida. Racional, respondi: "Nada, porque tudo o que aconteceu comigo é o que eu sou.", mas há um bicho que se agita no meu estômago e implora que eu mude meus erros, não me apaixone por estranhos, não me apaixone por ninguém. Há um bicho que acredita nas palavras cheias de ódio ditas por pré-adolescentes maldosos e que só quer se enroscar e lamber feridas. Mas eu sufoco esse bicho. Todos os dias, todos os momentos, embora o escute na maior parte das vezes e tranque todas as portas de acesso a mim, abro as represas em textos, abro as represas na dança, na terapia, e choro.
Agora não é um momento de choro, é mais um daqueles momentos em que falo do bicho com ele amordaçado no estômago e todos os sentimentos anestesiados. Certo, talvez não tão anestesiados assim, mas não escrevo enlouquecida. Na verdade, eu não enlouqueço.
Voltando à noite de ontem.
Ontem foi um momento de inebriação, um momento dionisíaco cheio de sensações e sentimentos tranquilos. Houve encantamento simultâneo, desejos explosivos e sentimentos conflitantes.
Por fim, voltei à minha casa, à sobriedade e à vida apolínea. Empurro meu barco com as duas mãos na pedra para que ele se afaste da margem que me encantou, para que eu não afete o delicado ecossistema da ilha que visitei e para que o delicado ecossistema não me marque permanentemente. Vislumbro, não sem uma ponta de nostalgia, o véu diáfano dos sonhos concretos e dos sonhos sonhados da noite anterior tremulando sobre a ilha como uma névoa intransponível.
Gosto da torre, porque, na solidão, não há sonhos e nem despedidas. Apenas metáforas.