Hai-kai, Mario Quintana

"Rosa suntuosa e simples,
como podes estar tão vestida
e ao mesmo tempo inteiramente nua?"

terça-feira, 29 de abril de 2008

Caixinha de Música

O barulho dos tanques aumentava à medida que se aproximavam.
-Eu tô com tanto medo... -Sussurrou seu pequeno irmãozinho, grudando ainda mais o corpo no dela.
Engoliu o medo e deu um sorriso para fortalecê-lo. Havia prometido à sua mãe que iria cuidar do pequeno.
-Não precisa. Está ouvindo esse barulho? -Disse, afagando sua cabeça.
Ele fez que sim com a cabeça.
-São as portas do céu se abrindo... -Começou.
Olhou para o céu cinzento, sabia que era mentira. Sabia também que seria a sua última mentira.
O pequenino se afastou um pouco, indignado.
-Não é não. São os tanques maus vindo pegar a gente. -Reclamou.
Ela o apertou contra si, com medo.
-Sim. Mas há um outro barulho. Aquela música que a mamãe sempre canta... -E, como mágica, a música começou a soar.
O menino, maravilhado, sorriu.
-A mamãe está de braços abertos naquele vestido azul de dia de festa. E o papai está com aquela farda bonita...
A música suave embalava a criança.
-Atrás deles, estão tantos e tantos anjos...
-Mas não são os anjos que cantam no céu? -Perguntou meio sonolento.
Ela fechou os olhos e deixou pequenas lágrimas rolarem pelo rosto.
-São, mas...você nunca percebeu? –Perguntou, fingindo surpresa.
-O quê? -A curiosidade tentava vencer o cansaço de dias acordado.
-A mamãe sempre foi um anjo. -Sussurrou na pequena orelha pálida do irmão aquele segredo, tão secreto, que era quase pecado ser dito em voz alta.
-Eu sempre soube... -Foram as últimas palavras dele antes de dormir.



Dias depois, participantes da Cruz Vermelha vasculhavam os destroços de um abrigo.
Descobriram os corpos de duas crianças. Abraçadas, dormiam sorrindo o sono eterno da morte.

Ao fundo havia uma música insistente. Descobriram, apertada na mão da menina, uma pequena caixinha de música.



Eu gosto um bocado desse conto, é fofinho. Antigo...
Hoje foi um dia traquilo, sem nada demais.
Fui na médica, comecei a escrever o roteiro para uma peça... Nada demais.
Ah sim, tem o poema novo. Mas esse eu só vou publicar depois da peça ser encenada!

Um comentário:

Beatriz disse...

Como sempre um bom post.
Nem tenho o que comentar.

Já escrevi um texto sobre egoísmo, quando eu achar eu posto...
Olha, eu já encontrei a minha eternidae, cabe a você encontrar a sua. Cada um tem uma, é nisso que eu acredito.