Hai-kai, Mario Quintana

"Rosa suntuosa e simples,
como podes estar tão vestida
e ao mesmo tempo inteiramente nua?"

domingo, 13 de abril de 2008

Coroa fúnebre

E ela dirigia sem saber muito bem para onde queria ir. Onde queria chegar.
Sabia apenas de onde queria fugir.
Queria fugir dele. De como ele evidenciava o quão vazia sua vida se tornara. De como ele evidenciava a sua incapacidade, sua inutilidade.
Queria fugir dos outros, que riam dela junto com ele e o seu riso de escárnio que usava para tudo.
A tristeza e o cansaço embotavam os seus sentidos, mas ela ainda podia ver a estrada, então, tudo estava bem. Mesmo com os sentidos desativando-se, pode ver o ônibus. E então, não mais as coisas ficariam bem.
Talvez.

O carro se tornara uma lataria minúscula e havia vários rastros de sangue no asfalto negro. Ainda podia se ver restos do que um dia fora uma coroa de flores.
De baixo do lençol que escondia o corpo parcialmente queimado das pessoas frias, as rendas negras escapavam para bailar com o mesmo vento que espalhara as chamas pelo automóvel, mas que não a acordara.
Talvez tivesse sido melhor assim, se ela acordasse, gritaria de dor e medo. Mas então lembraria que nunca mais faria falta alguém e voltaria a dormir.

Vários curiosos se aglomeraram para ver o que ocorrera. Não que alguém efetivamente se importasse com ela, ninguém o fazia. Queriam apenas ver o sangue e a dor dos outros para esquecer as suas dores.
A buzina que tocou por conta da cabeça jogada sobre o volante foi a única coisa que fez as pessoas perceberem que havia alguém no carro. Uma mulher. Nova, bonita, esmagando um pequeno lencinho de pano em uma das mãos.

No necrotério, um homem se aproximara do corpo para reconhecê-lo. Ao ver a mão apertada que ninguém conseguira abrir, reconheceu naqueles cacos a mulher que ele secreta e covardemente admirara e adorara por anos a fio. Mas ele não choraria nunca, era covarde demais até para isso.
Discretamente, forçou a mão e pegou o lenço que ali estava apertado. Ele deu um sorriso ao reconhecê-lo como seu. O sorriso era apenas uma sombra daquele que enlouquecia ela, mas ainda era possível vislumbrar naquilo o homem que ele sempre fora.
Saindo do hospital, lamentou baixinho que os dois fossem tão covardes e as coisas tivessem de ter sido assim.

Um comentário:

Beatriz disse...

Muito bom!

Ah, entendi. Porque se fosse ajuda com a escrita, mandava te internar. Você escreve bem pra car*lho! (kkkkk)
Bom, pelo visto conseguiu por as fotos não é?
Qualquer coisa, você pode me ajudar mesmo assim(se já não me adicionou, sei lá).
Bom, beijos!