Hai-kai, Mario Quintana

"Rosa suntuosa e simples,
como podes estar tão vestida
e ao mesmo tempo inteiramente nua?"

terça-feira, 6 de maio de 2014

X

Sangro minha saudade sem dores.
A pílula previne tais arroubos do meu corpo,
Embora creio que ainda hão de inventar
Remédio que me puxe do fundo de minhas Fossas Marianas.

Sou de um caminho longo coberto de água salgada,
Com cavernas secretas onde não penetra nem som nem luz.
Chegar ao limite de minhas profundidades faz parte
De chegar o mais perto possível de meu núcleo magmático.

Pulso de saudades suas em essência fundida e sangue mensal.
Meu cálice se derrama em outro pequeno cálice, sinto-me uma ampulheta.
Cada gota de endométrio conta o tempo sem respostas.

No fundo dos meus oceanos nada pacíficos cantam sereias.
Músicas que se confundem com lamentos ou gemidos.
Meu sangue tem o banzo e o fado. E o silêncio guarani de minha tataravó.

O sangue grosso que escorre no banho
Tem lamentos portugueses e atabaques, no silêncio da aldeia roubada.
Sou herdeira de mulheres roubadas. E também das rebeldes.

É pensando nas N'zingas de meu passado tão longe
E nas guerrilheiras de meu passado tão perto
Que dimensiono a dor de ver você saindo da minha vida.

Mas isso são os barcos, as rotas da superfície.
No fundo, minhas sereias choram.

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