Hai-kai, Mario Quintana

"Rosa suntuosa e simples,
como podes estar tão vestida
e ao mesmo tempo inteiramente nua?"

terça-feira, 5 de junho de 2012

Não é sobre o hibisco

Com saudade de mortos, vivos e mortos-vivos,
Acordei bem cedo esta manhã e, me lembrando que o dinheiro da bolsa não chegou,
Decidi almoçar em casa e voltei a dormir.

Diversas razões me levam a evocar os abandonos,
Os buracos que tento disfarçar na minha trama compacta.
(Um vídeo, um sonho, novos temores, a TPM...)

Sou jovem e forte – me convenço e convenço os outros.
Forte. É desse papel que gosto, é nele que me sinto confortável.
(Lembro-esqueço o dia todo num lusco-fusco que precisa ir para o papel
Que associei, em minha infância fantasiosa, o cachorro afogado
Com o avô que “me deixara” anos antes.

Por que essa perda ainda corrói tanto?)
Uma amiga argumentou que não posso ser tão controladora emocionalmente
Se sou tão sadicamente sincera em prosa e verso. Como é possível?

(Olhei para cima e vi um hibisco.
Imaginei a mim mesma com cabelos longos e a flor rebelde em seu vermelho
Atrás da orelha. Mas cortei os cabelos, não arranquei a flor e sigo para o trabalho.)

Quando eu enlouquecia e me mantinha sufocada,
Descobri que podia contar essas coisas para mim mesma através do papel.
Depois, passei a publicar minhas tristezas, meus amores e meus anseios
Na internet. Ninguém lia, ninguém diria nada, ninguém ligava muito
Para o que havia de mais profundo e abstrato em mim.

(Eu tinha amigos. E um sentimento de solidão total que devorava tudo)

Então escrever era abrir mão do controle secretamente
(Ninguém leria mesmo),
Brevemente, para continuar a ser forte e gentil.

Publicar era o desejo de não estar tão sozinha, tão infeliz
(“Ninguém lê porque ninguém se dá ao trabalho? Por favor, se importem!”)
E peguei o hábito, o gosto.
Tornou mais fácil sorrir e a angústia passou a transmutar-se em momentos (ridículos,
Registrados para o prazer de qualquer um).

domingo, 27 de maio de 2012

A ilha e as dores remanescentes de feridas cicatrizadas

Acordei meio tonta, meio bêbada, meio de ressaca e muito incerta dos acontecimentos na noite anterior. Várias cenas iam e vinham como um sonho muito louco e, ao mesmo tempo, terno e outras cenas traziam à boca do meu estômago aquele conhecido sentimento de auto-censura e "vergonha alheia de mim mesma".
Antes de falar da minha noite de bacante, elucidarei o "conhecido sentimento de auto-censura": eu sou controladora de mim mesma, tenho medo de meus furacões e das coisas que sinto apaixonadamente, sem ver o fim e com resquícios de trauma martelando conhecidos refrões em minha cabeça ("quem você pensa que é?", "arrogante, arrogante", "agora não vão mais gostar de você", "agora todxs sabem que você é inconveniente" e afins).
Aliás, fica aqui o meu "obrigada" público aos meus detestáveis colegas de escola que me tornaram uma pessoa muito mais emocionalmente fodida, destruíram a minha auto-confiança na adolescência e me empurraram para a depressão aos 13 anos. Lembro dos rostos e nomes da maioria de vocês e tenho algo a dizer: enquanto as cicatrizes do que vocês fizeram comigo ainda me bloquearem de conseguir as coisas que desejo, eu lembrarei seus nomes e rostos e não perdoarei. Guardo algumas lembranças boas do São Vicente de Paulo, mas a maioria delas está ofuscada pelo sentimento de isolação, medo de ser reprimida o tempo todo, desejo de aceitação (ao menos, que parassem de me ridicularizar sem me conhecer) e impotência total dos adultos da escola em me ajudar minimamente.
Esse parágrafo cheio de dor e virulência evidencia bastante porque me auto-censuro tanto: morro de medo que a censura externa volte com força total, então simplesmente internalizei ela. E, quando cometo algum deslize, fico me punindo por dias (às vezes semanas, meses e até anos) a fio, pensando sobre como eu não deveria ter feito o que fiz e como queria mudar o imutável. Há um tempo me perguntaram o que eu me arrependia e queria mudar na minha vida. Racional, respondi: "Nada, porque tudo o que aconteceu comigo é o que eu sou.", mas há um bicho que se agita no meu estômago e implora que eu mude meus erros, não me apaixone por estranhos, não me apaixone por ninguém. Há um bicho que acredita nas palavras cheias de ódio ditas por pré-adolescentes maldosos e que só quer se enroscar e lamber feridas. Mas eu sufoco esse bicho. Todos os dias, todos os momentos, embora o escute na maior parte das vezes e tranque todas as portas de acesso a mim, abro as represas em textos, abro as represas na dança, na terapia, e choro.
Agora não é um momento de choro, é mais um daqueles momentos em que falo do bicho com ele amordaçado no estômago e todos os sentimentos anestesiados. Certo, talvez não tão anestesiados assim, mas não escrevo enlouquecida. Na verdade, eu não enlouqueço.
Voltando à noite de ontem.
Ontem foi um momento de inebriação, um momento dionisíaco cheio de sensações e sentimentos tranquilos. Houve encantamento simultâneo, desejos explosivos e sentimentos conflitantes.
Por fim, voltei à minha casa, à sobriedade e à vida apolínea. Empurro meu barco com as duas mãos na pedra para que ele se afaste da margem que me encantou, para que eu não afete o delicado ecossistema da ilha que visitei e para que o delicado ecossistema não me marque permanentemente. Vislumbro, não sem uma ponta de nostalgia, o véu diáfano dos sonhos concretos e dos sonhos sonhados da noite anterior tremulando sobre a ilha como uma névoa intransponível.
Gosto da torre, porque, na solidão, não há sonhos e nem despedidas. Apenas metáforas.

quarta-feira, 25 de abril de 2012

Fomos felizes. Tivemos momentos de gargalhadas incontroláveis ou de abraços gentis. Nos separamos sem uma palavra, depois de uma briga feia, depois de diversas conversas... Eu não era nada para você, eu fui sua musa, nós fomos um bom affair, você não sabia beijar... Eu ainda fuxico o seu facebook, você comenta minhas atualizações, nos vemos de relance nos corredores do IFCS, você desapareceu para sempre, você é filho de alguém que continua na minha vida...
Todos os listados acima se aplicam a uma ou mais pessoas que passaram pela minha vida, romanticamente ou não. Eu fiquei na minha vida depois que elas foram embora, mais ou menos ferida, mais ou menos incomodada, mais ou menos satisfeita.
O que sobra de bom, principalmente, são as bandas favoritas, os filmes e os livros recomendados que vão se acumulando pelos cantinhos da memória.

Você, que passou umas horas de uma madrugada na minha casa, que foi ao cinema comigo uma única vez, ainda ouço a banda que me recomendou. Você, dos cabelos multicoloridos, que me feriu como ninguém nunca tinha feito antes e que relutei tanto em abrir mão, ainda canto pela rua, ainda leio os poemas que líamos juntxs. Você, que não entendia metáforas, ainda lembro o documentário que vimos.
A explicação para a permanência do que não devia haver, creio eu, é que me apropriei - posseira - das coisas que vocês queriam me mostrar de relance, dos flashes de existência compartilhada.

O que será que eu deixei para vocês?

terça-feira, 24 de abril de 2012

Gosto das formas silenciosamente imagéticas de declarar os afetos da amizade, esse amor normalmente descomplicado,
esse amor muitas vezes assexuado, amor que vem sem casamento no fim, sem monogamia, sem sufocamento.
Gosto desse amor que eu sei lidar, que eu sei alimentar, de que eu não tenho medo.
Na amizade, estou no controle ao estar no amor, justamente pela ausência do elemento Paixão. Essa última é o que me apavora.

domingo, 15 de abril de 2012

O segundo outono.

Você desviou os olhos dos meus. Eu não acreditei. Você não estava tão bonito. Eu estava suada e acompanhada de amigas. Você estava com ela. Ela é sua nova musa? Eu pedi isso e quis morrer quando vi que estava acontecendo.
Você não era meu. Você não era a minha Primavera. Eu nunca quis usar gaiolas e deixei de colocar alpiste no nosso poleiro. Eu pedi isso. Eu quero que isso aconteça.
E eu quis sumir. Eu quis não ter visto. Eu tentei sorrir. Sou tão egoísta! Tão mesquinha! Quero tanto que você seja feliz, longe de mim e feliz, mas... mas...
Não tem lógica. Não tem metáfora bonita. Não tem nem direito um coração partido.

Acho que ver seu novo status no facebook foi como arrumar o apartamento vazio de um morto que amamos.

segunda-feira, 9 de abril de 2012

Nublada

Dia cinza-ensolarado,
Cobrindo os prédios em nuanças de um amarelo-sujo.

Meus pensamentos também variam dentro de uma limitada paleta de cores.
Penso em desejo, em vergonha, em consequências, em dor, em pequenez.
Penso no meu sangrento sonho revolucionário
(reflexo da Maré Vermelha lunar, talvez?)
Patético em seus clichês e bebês imóveis como bonecas.

Lembro a angústia real derivada dos assassinatos fantasiosos.
“E se eles nada sabiam? E se eles, ao saber, quisessem mudar?”
Lembro o peso da peixeira suja em meu quadril direito

E escrevo meus sentimentos embaixo de poesia e metáforas,
Sem grandes paixões. Minto, eu sou minhas grandes paixões,
Mesmo quando elas estão adormecidas pelo cansaço.

domingo, 1 de abril de 2012

Não é uma piada de 1º de abril

Um vazio imenso me consome por vezes e suga todas as minhas forças de andar cem passos até o mar. Continuo quieta na biblioteca abafada tentando compreender o que me faz falta e, do que compreendo, porque recuso quando me oferecem. Devo comer qualquer coisa só por ter desejo de chocolates ou continuo faminta, escolhendo entre as caixas que não me parecem apetitosas (ansiando por caixas que não estão ao meu alcance)?
Quando escolho a fome, torno-me progressivamente apática e sem forças. Quando dou chances a um doce que não me abre o apetite, fico enjoada. O problema de usar doces como metáfora para relações é que doces não têm sentimentos. Doces não criam expectativas. Não temos responsabilidades sobre os doces que pensamos querer comer e mudamos de ideia depois. Pessoas sim.
E sigo irrealizada, sonhando com uma plenitude que eu quero que seja repleta de eletricidade. Mas eletricidade e afinidade dançam longe dos meus dedos ou se apresentam apenas separadas. Normalmente, a eletricidade se apresenta junto de entorpecentes como um momento do ciclo hormonal ou uma boa dose de álcool. E vai embora na manhã seguinte. Restando o nada de nada que rege os outros momentos.
Discorrer sobre isso e saber que vivo as consequências de uma escolha consciente não altera os ônus e nem os bônus da minha escolha, apenas a torna mais tolerável.
Sigo a vida sem frescuras, olhando para os lados, dançando e rindo sem desespero. Acompanhada de amigos e amantes ocasionais. Lembro a primavera passada já sem dor, apenas como um acalanto de que, se pude vivê-la em sua plenitude, posso viver outras coisas numa próxima vez.
Talvez eu devesse recorrer ao antídoto do vazio e comer chocolates reais. Ou ir ao cinema.

quinta-feira, 22 de março de 2012

poema de carne e osso

Estátuas não amam. Deusas não existem.
Espíritos não possuem lábios para beijar.

Se me queres, não me distancies,
Não faça de mim um mito sobre o querer.
Abraça-me. Dance comigo. Veja meus defeitos,
Briguemos. Façamos as pazes.

Só não me engesse. Não me torne ídolo ou assombração.
Não me chame por “princesa”, “deusa”, “musa” e suas variações.
Aceito outros nomes que não o meu; nomes humanos,
De bichos ou de plantas, mas nomes de coisas que perecem, de coisas imperfeitas.

Chama-me de “flor”, de “rosa”, de “raio” ou de “rio”,
Chama-me sem nomes, mas lembra-te sempre que sou humana.

Humana. Humana. Humana.
Fatigável, irritadiça, inconstante, exagerada.
Sangro, suo, choro, salivo. H-u-m-a-n-a.

Fugi da Primavera porque tanta idealização sufocava tudo o que havia de bom em mim.
Fugirei de tantos outros que me empurrem a um pedestal.

sábado, 17 de março de 2012

16 de março de 2012

Às vezes olho, sinto, respiro e me pergunto:
O que sou eu? O que faço aqui?
A consciência do mero ato de existir me oprime.
Seja na solidão do meu quarto, no rodamoinho da faculdade,
Na balbúrdia de uma festa ou o fedor da Rua do Ouvidor.

Existo e sou finita. Finita em tudo, embora potente.
A potência do vir-a-ser é também opressora,
Assim como a imutabilidade do que já fui.

Nos dias nublados em que meus desejos
Comprimem tudo por dentro e se esvaziam em irrealização,
Sou blasé, existencial. Sou, apenas,
Esperando por um raio de sol que me reanime as faces.

quinta-feira, 15 de março de 2012

Intrauterino

A Lua Cheia provoca em mim a maré vermelha,
Escamação do ninho não fecundado,
E o sangue nutreico vem misturado ao alívio e à gratidão.

Se a fertilidade da Lua Nova trouxesse por ventura a fecundação,
O sangue não viesse e surgissem os temidos sinais,
Seria eu assombrada pela deformação de minhas formas
E o arredondamento de meus ângulos.

Não que eu fosse permitir ou experienciar essa vivência;
Um gérmen indesejado seria arrancado a doses de pesticida
Ou golpes de ancinho, não importa.

Importa que meu cálice passa pelos ciclos de meu desejo
E que nenhum broto me assombrou até hoje.
Assim, como lobismulher, a cada Lua Cheia purgo
E expulso as velhas escamas inutilizadas.