Hai-kai, Mario Quintana

"Rosa suntuosa e simples,
como podes estar tão vestida
e ao mesmo tempo inteiramente nua?"

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

A quem interessar possa,

Me ame. E ame alto, vibrante, ignore aquela poesia do Quintana e diga, demonstre e me aperte. Porque eu sou comum. Eu sou ordinariamente previsível. Sou qualquer coisa que você encontre por aí e que dificilmente fará falta em um ano ou dois.
Não, sério, esse não é um texto de lamúrias. Estou apenas consciente da minha insignificância e eu, de fato, não sou alguém que faça muita falta. Não às pessoas que eu normalmente quero que sintam minha falta. Ok, estou exagerando. Eu costumo exagerar. Mas puxe assunto comigo, me ligue de vez em quando, me chame para sair. Não deixe tudo na minha mão, eu fico sentindo que estou impondo minha presença e que você apenas me atura, já que não se incomoda em me procurar.
Me abrace, me surpreenda, faça coisas imprevisíveis porque eu penso demais, eu tenho medo demais, porque eu não vou fazer. Eu faço as coisas idiotas que aprendi com Hollywood que dão certo (e que nunca deram certo para mim), eu faço poemas de qualidade duvidosa e com um leve tom obsessivo, eu não grito de raiva com quase ninguém e tenho raiva de chorar na frente dos outros. Eu sou complicada de forma clichê. Muito clichê.
Só que você, pessoa desconhecida, não pode concordar comigo, não pode me achar comum. Não esteja comigo só para se confortar, eu já conforto todo mundo. Esteja comigo disposto a me dar afeto, porque é o que eu mais preciso no momento.


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Sabem o que é pior? Nem bêbada eu estou.

domingo, 4 de dezembro de 2011

Ao Estranho:
Pare de se infiltrar em meus sonhos, se não tem nenhuma intenção de se infiltrar em minha vida.

sábado, 26 de novembro de 2011

Neblina

A neblina desses dias tão nublados traz memórias nostálgicas e infantis. Memórias da minha testa prensada contra o vidro gelado da velha Paraty, do dedo - que era tão miúdo e que não cresceu tanto assim – desenhando símbolos secretos de magias tão poderosas quanto inexistentes. É curioso que eu tenha apagado tantas lembranças infantis, mas lembre do furo pequeno (que mal cabia meu dedinho) no banco de trás do carro, perto do lugar onde eu sempre sentava. E eu sonhava e me perdia, vendo as ruas passarem, como faço ainda hoje, da janela do ônibus.
A neblina desses dias tão nublados traz memórias de um tempo em que os odores eram uma parte desconhecida do mundo, cujo acesso me era negado, de um tempo em que o mundo conhecido era pequeno e, por isso mesmo, as possibilidades eram imensas. A neblina desses dias tão nublados traz desejos de sublimação da minha existência, nesses dias penso com força em apenas sumir, como se nunca houvesse existido.

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

A Partida

A ironia em minha última paixão delirante é que,
Após ter durado dois ciclos férteis
(E eu finalmente ter conseguido alguma atenção),
Ela se consumiu sem maiores explicações.

Em um breve momento de distração minha,
Foi embora sem deixar carta de adeus
Ou bilhete suicida.

Demorei a perceber que ela não tinha planos de retorno
E continuei limpando seu altar e fazendo arranjos de flor.
A ironia maior é que ela foi embora do mesmo jeito que veio:
Sem nenhum convite RSVP.

Foi embora sem deixar substitutos ou saudades.
Foi embora e, sem nenhuma relação com o resto,
Os hematomas coloridos multiplicam-se sozinhos por meu corpo.

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Silêncio

Subi de novo à torre, cansada da agitação nas aldeias.
O mármore me aguardava, gelado e um pouco sujo,
Abandonada de mim.

Correndo os dedos pelos móveis empoeirados,
Murmurei: “Retorno ao seu conforto e à solidão”.

Os trovões nunca chegaram, pois uma ventania
Levou embora as nuvens e a chuva morna.

Me ponho de pé, sozinha, no terraço
E permito que o vento gélido bagunce cabelos e pensamentos.

Nenhuma música transpõe minha solidão.

sábado, 5 de novembro de 2011

Poema plebeu

Meus lábios estão ásperos, gretados, batidos pelo vento.
Como se isso fosse um problema,
Como se eu os estivesse oferecendo a alguém.

Meu corpo, cevado no inverno, com as formas novamente arredondadas,
Forma novos velhos ângulos e os culotes, no espelho do balé, me incomodam.

Minha vida está um marasmo voluntário.
Reclusa em casa: sem valsas sem pássaros sem afeto.
Meus lábios estão gretados, minhas unhas, tortas, meus dentes são finos.

Reclusa voluntariamente em casa, sob o pretexto de trabalho,
Na verdade, cansada das gentes.

Cansada dos atritos, cansada dos resmungos, cansada de mim.
Eu bem que podia tirar umas férias encantadas como Aurora.

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Resmungo matinal

Dos flashes borrados da noite de ontem,
Ficou a azia fortíssima, que tentei apagar com epocler.

Tomei um e chupei uma bala,
Com raiva do meu cabelo sujo,
Das minhas pernas por fazer
E das lembranças mal-ajambradas do dia dos mortos.

Não sei por que ainda insisto nessas aventuras etílicas,
Bem como em escrever poemas confessionais
Pensando nas voltas esquisitas da minha vida romântica.

Não sei por que ainda insisto nos meus bordados de Penélope,
Nas desculpas esfarrapadas que conto só a mim.

Tocam os sinos da Igreja de São Francisco
E eu poderia estar saindo de casa,
Limpa, alimentada, decentemente vestida
E sem essa maldita ressaca moral.

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Apenas Durma

Nunca me foi tão apropriado pensar em adeus.
Tentar me esquecer de você.

Aprendemos a esquecer os amantes,
Mas e aqueles que amamos antes de termos sexo?

E aqueles que nos sentaram nos joelhos
E passaram suas mãos por nossos cachos?

Minhas “mãozinhas de fada” há muito perderam o efeito
Nossas músicas nem minhas são mais.

As lembranças fogem por meus dedos como fugiram dos seus.
Ficam gostos, cacos de memória. Culpabilizo a infância,
Culpabilizo a doença.

Você bem que podia dormir o sono dos séculos
E eu veria as feridas virarem cinzas.

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Tem desejos que ficam muito estranhos quando viram realidade.

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Físico

Você possui a capacidade de me marcar.
Talvez seja uma necessidade, não sei dizer.

Neste momento, não uso mais as metáforas belas
Que outrora dediquei a você.

Você tem a necessidade de me marcar com dentes.
Se tivesse unhas, talvez as usasse também.

Falando agora mais poeticamente, mas ainda sem metáforas,
Será que isso se deve porque não tem mais a capacidade
De me marcar de forma metafórica?

É verdade, isso você perdeu.

Nos seus braços senti um prazer meu, não nosso.
De nosso senti um misto de raiva e nojo.

O que eu estava fazendo com você?

Não que tenha sido ruim ou errado,
Não procure essa coerência em mim.

Só não foi bom.
Já foi bom?

/

Poema relativamente antigo, feito para alguém com quem não tenho absolutamente mais nenhuma forma de relação, o que me desobriga de qualquer pudor que eu pudesse ter de publicá-lo.

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Inércia

Da janela do ônibus, contemplo o céu pálido com o descaso dos últimos tempos.
O azul diáfano traz a certeza inconfundível de que o dia se afasta a passos largos,
Sem levar consigo a certeza de não ter sido assaltada por tremores
Ou feromônios hoje. Será fruto do estresse?

Estresse das provas ou esgarçamento de desejos?
A posição inerte, que descrevi como uma espera pelos trovões,
De fato pôs-me cansada. Mas isso significa que não desejo mais?

Olhar o céu sem nuvens me leva a lembrar
Das meias manchadas de marrom que a chuva deixou,
Do frêmito que pode ter ficado esquecido em setembro.
(Pois, esse ano, setembro durou uns quarenta dias)

A dança me envolve, me corresponde e me exige;
O sujeito de meu desejo me ignora ou finge bem me ignorar.

Deixei esquecida em uma esquina a fase dos amores platônicos.
Ouvir a palavra “paixão” pronunciada de outros lábios talvez
Tenha me feito sacudir a água da chuva que empapava meus sentidos.